postado em 12/08/2019 04:04
Apesar do bom relacionamento entre os presidentes dos Estados Unidos e do Brasil, o chefe de Estado norte-americano tem complicado a situação do brasileiro. Isso porque Donald Trump tem criado um alto grau de incerteza e volatilidade no comércio global com seus discursos e publicações em redes sociais. Trump tem elevado o tom das retaliações à China e o país asiático tem respondido à altura. Como já mostrou o Correio, o sucesso do governo Jair Bolsonaro depende da recuperação econômica e da capacidade do país em retomar a criação de empregos, mas, se a guerra comercial se intensificar, a recuperação pode demorar ainda mais.
A economia brasileira está quase estagnada e as tensões tendem a dificultar ainda mais o processo de retomada. No último trimestre de 2018, o Produto Interno Bruto (PIB) do país cresceu apenas 0,1%, frente aos três meses anteriores. Este ano, a situação piorou: o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostrou que a atividade tombou 0,2% até março. Analistas do mercado financeiro acreditam que o país pode repetir um resultado negativo no segundo trimestre do ano, retomando o grau de recessão técnica ; quando há dois índices no vermelho seguidos.
O consumo está retraído, porque as famílias estão com alto nível de endividamento. O desemprego elevado e a recuperação fraca do mercado de trabalho reforçam que a economia enfrenta problemas sérios. Portanto, apesar dos constantes afagos de Bolsonaro ao colega norte-americano, os movimentos de Trump no comando da maior potência econômica do mundo não deixa de ser um banho de água fria para o presidente brasileiro.
Trump fez novas ameaças ao aumento de barreiras aos produtos chineses, que, por sua vez, contra-atacaram. A reação no mercado financeiro foi imediata. Os investidores entraram num clima de incerteza e de grande volatilidade. O sócio-fundador da consultoria BMJ, Welber Barral, explica que, quando as duas maiores economias do mundo se alfinetam, todo o crescimento global é afetado. ;Estamos numa situação de guerra de aplicação de medidas tarifárias em retaliação. Por gerar turbulência, o dólar aumenta, cria um clima de aversão ao risco, prejudicando os países emergentes, e, se continuar no longo prazo, podemos esperar até aumento dos juros;, afirma.
Imprevisível
Na prática, o Brasil não é tão dependente do comércio exterior, já que a maior parte da produção feita pelo país é interna. Mas economistas acreditam que, num cenário de recuperação econômica fraca, o conflito global é mais um fator para atrasar a melhora da economia ; algo que aflige o presidente Bolsonaro, que tem pressa em mostrar dados positivos.
Para Barral, se a guerra comercial se intensificar, o PIB brasileiro pode ser reduzido em até 10%. ;Em 2020, por exemplo, se a economia era para ter um crescimento de 2%, conseguirá avançar 1,8%;, diz. ;E não se sabe o que vai ocorrer. O presidente norte-americano é muito imprevisível. Trump acusa agora a China de ser manipuladora do câmbio, e isso aumentou o nível do embate;, destaca Barral.
O mercado tem medo agora de uma guerra cambial e de um desaquecimento ainda maior da economia global. Nem mesmo o avanço da reforma da Previdência na Câmara foi suficiente para reverter o grau de preocupação dos investidores. O dólar subiu para quase R$ 4 nos últimos dias e se mantém em patamar próximo, cotado aos R$ 3,94.
Patrícia Pereira, especialista da Mongeral Aegon Investimentos, lembra que o movimento de alta foi rápido. ;Vimos os ativos estragarem porque, num mundo que fica mais incerto, vemos um movimento para fuga de risco. O Brasil é prejudicado com isso e há saída de recursos aplicados. O dólar é considerado um ativo seguro, porque é da maior economia do planeta;, explica.
Medidas
Flavio Serrano, economista do Banco Haitong, argumenta que a indústria, que já está com resultados fracos, será a mais impactada com o agravamento da guerra comercial. ;Como a economia global como um todo é afeta, é inevitável termos perda de dinamismo em alguns setores da economia. Isso acaba limitando a recuperação e o ritmo de crescimento;, diz. ;Fora que colocar na conta um câmbio de R$ 4 impacta a inflação. E estamos num momento de flexibilização monetária. No curto prazo, devemos ter espaço para cortar os juros, mas a tensão internacional continua atrapalhando definições da Selic posteriormente;, frisa. O Brasil também será afetado com a redução do preço das principais commodities que o país exporta, como o minério de ferro.
Na visão de economistas, apesar do aumento das incertezas internacionais, o Brasil deve se recuperar no médio prazo, mesmo que o crescimento mais forte não seja vislumbrado nos próximos meses. O primeiro passo para retomar a confiança está encaminhado, que é a aprovação da reforma da Previdência. Outras medidas estruturais também começam a ser discutidas, como a reforma tributária. O mercado também espera avanço na agenda de microrreformas para melhorar o ambiente de negócios, com simplificação e desburocratização.