Politica

Avanço de Bolsonaro em órgãos cria tensão

Interferência do presidente na estrutura do Coaf e da Receita Federal, além de setor da Polícia Federal não subordinado diretamente a ele, causa preocupação em servidores, principalmente nos que estão em posição de chefia

postado em 17/08/2019 04:03
Bolsonaro afirmou que dá autonomia aos comandados, mas não abre mão do poder de veto: %u201CSe não, vou ser um banana. A política é a minha%u201D

O governo não tem medido esforços para reestruturar, ao bel-prazer, a Polícia Federal e órgãos de fiscalização, como o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e a Receita Federal. Em mais um dia de tensão com a Polícia Federal, com idas e vindas sobre o futuro da superintendência da corporação no Rio de Janeiro, Jair Bolsonaro declarou que é ele ;quem manda; e que não será um ;presidente banana;, garantindo que permanecerá tendo poder de veto, inclusive em instituições e órgãos que não têm autonomia administrativa.

Os comentários sobre as mudanças na PF, no Coaf e na Receita confirmaram, na Esplanada dos Ministérios, o temor de alguns de que o governo vai fazer o que Bolsonaro quiser, deixando aflitos integrantes desses três órgãos. O desconforto é grande, pois, na avaliação de servidores, sobretudo os que estão em posição de chefia, é que ninguém tem a garantia de permanência na atual função. E Bolsonaro deixou isso claro. ;Eu sou consultado (por ministros). Em grande parte, eu concordo e sou convencido. Eu tenho de acreditar. É igual às pessoas que eles escolhem. Têm carta branca, mas eu tenho poder de veto. Se não, vou ser um banana. O povo não acreditou em mim? Então, a política é a minha. Não é autoritarismo, mas hierarquia e disciplina. Tem que ter;, avisou.

As declarações, embora feitas em respostas a questionamentos da imprensa sobre a PF, dão um tom mais abrangente. Na Receita, o recado foi interpretado da mesma forma. Sobretudo depois de uma reunião, ontem, entre o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o secretário especial do órgão, Marcos Cintra, no Rio de Janeiro, para discutir a reestruturação do Fisco. O governo cogita a possibilidade de transformar a Receita numa autarquia. Mesmo sem a reestruturação ter começado, servidores do alto escalão estão ameaçados, como o superintendente do órgão no Rio, Mário Dehon, que pode ser exonerado. Questionado sobre o assunto, Bolsonaro foi sucinto: ;Tudo pode ser melhorado;.

No Coaf, o posicionamento é o mesmo. A estrutura, atualmente alocada no Ministério da Economia, irá para o Banco Central (BC). Bolsonaro pensa em assinar uma medida provisória determinando a transferência. ;Acho que está pronta. O Paulo Guedes não deve estar em Brasília hoje (ontem). Coaf vai, quero deixar bem claro, para o Banco Central. Já pode emendar um projeto na Câmara, que está caminhando nesse sentido, e vai para o BC. E lá, são concursados do BC que vão trabalhar;, frisou.

Desconforto
No Palácio do Planalto, as mudanças são vistas como fofoca. ;É muita espuma por nada;, ponderou um interlocutor de Bolsonaro. A prova seria o próprio recuo do presidente nas declarações sobre a PF, ontem, em menos de quatro horas. Por volta das 8h26, quando começou a responder a perguntas da imprensa, na saída do Alvorada, ele disse que a superintendência da corporação no Rio de Janeiro seria assumida pelo superintendente do Amazonas, Alexandre Silva Saraiva. O atual chefe da instituição no estado fluminense, Ricardo Saadi, deve ir ;para o exterior;.

A opção de Valeixo, definida ainda na quinta-feira, é pelo superintendente de Pernambuco, Carlos Henrique Oliveira. Bolsonaro alertou que, se Valeixo tivesse outra opção, teria de conversar. ;Se resolveu mudar, vai ter de falar comigo. Quem manda sou eu. Eu dou liberdade para meus ministros todos, mas quem manda sou eu. Está pré-acertado que seria o lá de Manaus (Saraiva);, afirmou. No Palácio do Planalto, após solenidade de celebração do Dia Internacional da Juventude, voltou a conversar com a imprensa, por volta das 11h55. E então, voltou atrás. ;Se vir (para o RJ) o (superintendente) de Pernambuco (Oliveira), não tem problema, não. Acho que ele vai para o exterior, o que estava lá (Saadi). Tanto faz para mim. Eu sugeri o de Manaus, mas, se vier o de Pernambuco, não tem problema não;, declarou.

O recuo de Bolsonaro tem dedo do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro. Na PF, órgão subordinado à pasta, a informação é de que o ex-juiz ligou para o presidente da República sugerindo que ele amenizasse as declarações. ;O ministro sabe que não se tutela o presidente. Ele apenas ligou e recomendou um tom mais conciliador sobre o tema;, afirmou uma fonte na corporação.

Análise da notícia
As horas que abalaram a PF


Leonardo Cavalcanti

Depois de quatro intermináveis horas de tensão com os delegados da Polícia Federal, Jair Bolsonaro decidiu recuar na queda de braço com a corporação. ;Ufa;, escreveu um delegado, pouco antes das 13h, num aplicativo de mensagens instantâneas. O presidente finalmente parecia ter desistido do combate, numa indicação de que toda fanfarronice tem limite.

A escalada de tensão entre a Polícia Federal e Bolsonaro começou ainda na manhã de quinta-feira, durante a agora tradicional coletiva das manhãs no Palácio da Alvorada. O capitão reformado anunciou a troca de comando na chefia da regional fluminense: ;Vou mudar, por exemplo, a superintendência da PF no Rio. Motivo? Gestão e produtividade;, disse.

A declaração pegou a corporação de surpresa, até porque a troca estava decidida entre o ministro da Justiça, Sérgio Moro, e o diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo. E nunca envolveu questões relacionadas à produtividade. A fala improvisada foi criticada por entidades sindicais por causa da tentativa de interferência do presidente nos trâmites internos da PF.

A tensão aumentou de maneira exponencial na manhã de ontem, quando Bolsonaro, de maneira desavisada, voltou à carga, desautorizando, dessa vez, a escolha de Carlos Henrique Oliveira, lotado em Pernambuco, para substituir Ricardo Saadi, o atual chefe da superintendência do Rio. Se existiam dúvidas sobre a tentativa de Bolsonaro interferir na PF, parece evidente.

Se o rastilho de pólvora havia sido aceso na quinta-feira, na manhã de ontem chegou perigosamente perto do barril. Ao longo de uma série de reuniões presenciais nas superintendências regionais em todo o país ; e nos grupos de WhatsApp ;, os delegados, antes surpresos, estavam indignados, prestes a ameaçar uma rebelião sem precedentes.

As conversas entre os delegados giravam sobre o autoritarismo desassisado de Bolsonaro e uma eventual fraqueza de Valeixo. A questão crucial: o presidente estava transformando uma corporação de Estado numa entidade de governo, refém de caprichos de um político cada mais controverso e vingativo. Ao mesmo tempo, existia a esperança de que Valeixo se impusesse.

A questão principal era que, ruim com Valeixo, pior sem ele. O receio nas quatro horas era de que o diretor-geral pedisse demissão, e Bolsonaro ficasse com a avenida aberta para indicar um delegado que, a partir dali, só diria ;sim; ao presidente. Moro entrou em campo no fim da manhã, quando sentiu que o próprio cargo estaria ameaçado com a rebelião na PF.

Assim, Bolsonaro voltou a procurar os jornalistas. E disse que, para ele, era indiferente quem substituiria Saadi. ;Eu sugeri o de Manaus. Se vier o de Pernambuco, não tem problema, não. Tanto faz para mim.; A paz, a partir do recuo do presidente, voltou a reinar. Pelo menos por ora. Um ;ufa; provisório, digamos.

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