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Artigo: Precisamos de uma nova Lei de Abuso de Autoridade?

A discussão encarna o eterno drama da Justiça Penal

Alberto Zacharias Toron
postado em 24/08/2019 11:56

A discussão encarna o eterno drama da Justiça Penal

A Lei de Abuso de Autoridade em vigor é de 1965. Tem mais de 50 anos, o que, diante do surgimento de novos comportamentos criminosos, é suficiente para justificar a elaboração de uma nova. O fato é que a discussão encarna o eterno drama da Justiça Penal: a tensão entre a segurança coletiva e a proteção das liberdades individuais.

Daí, com absoluta correção, Federico Stella, professor da Universidade de Milão, advertir para o fato de que precisamos de proteção contra a criminalidade, mas, igualmente, contra a agressão dos agentes do próprio Estado, sobretudo os incumbidos da repressão. Estes, por sua vez, erguem a voz para dizer que o novo projeto de lei aprovado pela Câmara Federal fragiliza suas atividades e compromete sua independência.

Vazamentos de dados sigilosos de uma investigação provocados por autoridades policiais ou do Ministério Público com o intuito de legitimar prisões ou criar um clamor social em torno da necessidade de determinadas medidas devem ser punidos. O mesmo vale para a autoridade que filma o preso interrogado e depois divulga as imagens sem seu consentimento. Idem quando se trata de condução coercitiva de quem nunca foi intimado ou se recusou a comparecer para prestar depoimento. Transportar o preso idoso no bagageiro de viatura atenta contra o dever estatal de ninguém ser submetido a tratamento desumano ou degradante (Constituição, art. 5;, III). Manter presos de ambos os sexos na mesma cela ou espaço de confinamento é outra forma de violação da dignidade que merece forte reprovação.

Enfim, seriam muitos os exemplos de ações abusivas e deploráveis que poderiam ser elencadas, mas, entre todas, parece haver grande repulsa por parte de membros do MP e da própria magistratura quando se trata da criminalização da violação dos direitos assegurados especificamente aos advogados. Esclareça-se que as chamadas prerrogativas profissionais da defesa nada mais são que o conjunto de meios para defender os cidadãos em juízo e fora dele; na polícia, por exemplo. O exame dos autos do inquérito ou do processo, a consulta pessoal e reservada com o preso e o sigilo profissional corporificam alguns desses direitos essenciais que, embora voltados ao advogado, são direitos que beneficiam o cidadão.

Embora desde 1979 a violação a tais prerrogativas profissionais estejam incriminadas (Lei 4.898/65, art. 3;, letra j), está se fazendo descabido carnaval em torno dessa questão. Em 38 anos de exercício da advocacia criminal, só vi dois processos de abuso de autoridade. Num deles fui vítima e os agentes policiais foram condenados. Mas a verdade é que a grande maioria das representações acaba sendo arquivada a pedido do Ministério Público e da decisão de arquivamento não cabe recurso. Assim, a vítima fica desprotegida.

O correto seria a própria vítima poder propor a ação penal, com o controle da viabilidade da demanda a ser feita pelo juiz. Lembrando que os casos de abusos na propositura da ação podem implicar a caracterização do grave crime de denunciação caluniosa. Os esperneios contra o projeto, se não se tratar de paranoia dos agentes estatais, revela uma forma descarada de compactuar com os abusos escondendo-os na independência da função ou sua atuação desimpedida.


* Advogado criminalista, doutor em direito penal pela Universidade de São Paulo (USP) e professor de direito processual pela Faap


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