Cláudia Dianni
postado em 27/08/2019 06:00
De acordo com o biólogo e cientista norte-americano Philip Fearnside, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), é preciso se preocupar com os impactos dos incêndios na Amazônia nas mudanças climáticas já que, quando queimam, as florestas liberam gás carbônico e metano, o que contribui para o aquecimento global e novos incêndios. De acordo com o cientista, as madeiras queimadas tornam a floresta mais vulnerável a outros incêndios ainda mais intensos. Os dois fenômenos contribuem para um ciclo vicioso, que colocar a floresta em risco.
Para ele, governo, sociedade e setor produtivo precisam tomar consciência dos serviços ambientais prestados pela Amazônia. ;É muito importante que o próprio governo assuma a responsabilidade que tem, mantendo o trabalho dos agentes ambientais e as políticas. O país precisa deixar esse sentimento de que está sendo enganado, pois o interesse de preservar a floresta é do próprio país; disse, com relação à ajuda internacional. Fearnside pesquisa agro-ecossistemas tropicais, desmatamento, degradação ambiental e impactos das hidrelétricas na Amazônia. Ele vive em Manaus há mais de vinte anos.
Qual a gravidade dessas queimadas? É possível atribuir a causa à seca?
O que está acontecendo está completamente fora do padrão e está diretamente relacionado ao surto de desmatamento que vem ocorrendo desde maio, como mostrou o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Basta ver como os focos coincidem com os municípios onde há mais desmatamento. O Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) divulgou análise de dados meteorológicos dos últimos anos. A seca deste ano está dentro do padrão e não há a presença do fenômeno El Ninõ, este ano, que reduz o volume das chuvas. Então, o que explica é o discurso do presidente, a falta de aplicação de multas, o aviso prévio antes de fazer ações de fiscalização. Tudo isso tem um componente simbólico que levaram fazendeiros a se organizar.
Quais as consequências desses incêndios?
Queimadas são diferentes dos incêndios. As queimadas são usadas para agricultura ou pastagens e precisam ser feitas de forma controlada. Incêndios podem ser provocados ou terem causa natural. Os incêndios estão escapando para a floresta, coisa que acontece mais em secas extremas, e isso é muito perigoso. Quando o fogo entra na floresta, ela fica mais vulnerável a incêndios futuros. Isso porque há um acúmulo de madeira morta. Quando tiver outra seca, o fogo entra com chamas maiores e isso cria um ciclo vicioso que vai destruir a floresta. Também tem o efeito da ação dos madeireiros, seja legal ou ilegal. Eles amarram as árvores e puxam com tratores, mas só levam os troncos valiosos, que interessam. Ficam os troncos e os galhos, além disso, quando arrastam, outras árvores são mortas, ao serem derrubadas no processo, mas ficam ali. E essa madeira morta favorece outros incêndios. As aberturas nas copa das floresta, onde entra o sol e o vento, vão ressecando a floresta, o que também favores incêndios.
Além disso, as queimadas liberam gás carbônico e metano que aquecem o clima. Com quatro incêndios como este, não há mais floresta. Isso é algo muito perigoso, porque foge ao controle. E não se trata apenas do efeito estufa, que é uma preocupação mundial, mas também da reciclagem de água, pois a Floresta é responsável pelo vapor d;água e pontos de chuvas em São Paulo, no Centro- Sul do Brasil e também em países vizinhos. Entre dezembro e fevereiro, a Floresta Amazônica é responsável por 70% da água de São Paulo. Sem a floresta, essa chuva não ocorre. Sem água, a produção agrícola está ameaçada. Eu acho que foi muito importante esse fenômeno de São Paulo, quando a fumaça escureceu o dia. Isso é bom para que o país acorde. Governo, sociedade e setor produtivo precisam tomar consciência dos enormes serviços ambientais que a floresta presta a todos, antes que seja tarde.
É possível recuperar a floresta queimada?
A recuperação pode acontecer, mas é difícil. É mais fácil recuperar áreas degradadas. A área a ser recuperada tem que ser defendida. Não podem acontecer novos incêndios, tem que monitorar, não deixar entrar para explorar madeira. Então, envolve gastos. Uma floresta pode se regenerar, mas leva muito tempo, 70 ou 80 anos para ter uma floresta secundária considerada razoável. Mas, na prática, não é isso o que acontece. Ninguém vai ficar décadas e décadas esperando recuperar a floresta. Acabam transformando em pastagens ou grilagem.
Como o setor do agronegócio pode ajudar a conter isso, já que é parte interessada ?
Há coisas que agronegócio pode fazer, pois o presidente não ouve cientistas, mas ouve o agronegócio. Por exemplo, tem uma forte tendência a afrouxar o licenciamento ambiental e até dispensar para o agronegócio, por meio de projeto de lei. Além disso, o governo quer descentralizar o licenciamento concentrando nos estados, o que torna o licenciamento mais fácil e isso é muito perigoso. Basta lembrar Brumadinho, que teve licenciamento estadual. Nos estados, os grupos de interesse estão mais próximos dos poder público e conseguem mais influência. Isso também é uma tendência, que vem acontecendo nos últimos anos, com relação a barragens de usinas hidrelétricas.
Então, o agronegócio pode ajudar, com suas lideranças, com uma influência positiva, afinal, foi o Blairo Maggi (empresário do agronegócio e ex-ministro da Agricultura do ex-presidente Michel Temer), que convenceu o presidente Bolsonaro a não acabar com o ministério do Meio Ambiente, como ele queria, porque isso levantaria barreiras aos produtos brasileiros no comércio internacional. O problema é que há muita negação sobre as mudanças climáticas entre os produtores. Isso é algo que eles têm que enfrentar pois é do próprio interesse deles reconhecer.
E o governo?
A primeira coisa é trocar o ministro do Meio Ambiente (Ricardo Salles). Não é possível manter nesse cargo uma pessoa que é contra o meio ambiente. Ele violou o acordo com a Noruega e a Alemanha (doadores do Fundo Amazônia) e acabou com o comitê que analisa os projetos, e tentou desviar os recursos para compensar pessoas que praticam desmatamento ilegal (o ministro propôs usar recursos do fundo para indenizar proprietários rurais em unidades de conservação).
É muito importante que o próprio governo assuma a responsabilidade que tem, mantendo o trabalho dos agentes ambientais e as políticas. O país precisa deixar esse sentimentos de que está sendo enganado, pois o interesse de preservar a floresta é do próprio Brasil. É preciso reconhecer isso antes que seja tarde, o que envolve conduzir as ações normais do meio ambiente, pesquisar, conservar, monitorar, multar e também pensar na obras que vão abrindo novas áreas de desmatamento, pois são obras que geram transformações em décadas. Tudo que é feito no governo do Bolsonaro, por exemplo, vai afetar a região durante décadas. O mais dramático agora é a proposta de reabertura da Rodovia BR-319, o que Bolsonaro prometeu quando esteve em Manaus (em julho). Essa rodovia, que liga Manaus ao Arco do Desmatamento (região que apresenta maiores índices de desmatamento, onde a fronteira agrícola avança em direção à floresta. São 500 mil km; do sudeste do Pará para o oeste, passando por MT, RO e AC), o que leva todos os fatores de desmatamento para o centro da Amazônia. E há outros projetos para outras estradas, que vão ligar grandes blocos de floresta, no oeste do estado do Amazonas, a florestas nativas. Isso gera muitas consequências e vai levando a processos que escapam do controle do governo . O governo decide fazer uma estrada, mas depois de feito, aumenta a população, são milhares de pessoas espalhadas, o que gera uma dinâmica de desmatamento que foge ao controle do governo, como se vê com as queimadas que estão acontecendo agora.
O congelamento dos recursos do Fundo Amazônia, pela Alemanha e Noruega, gera muitas consequência?
É uma coisa que tem várias consequências porque muitas coisas são feitas com esse dinheiro. É importante que a ajuda internacional proponha outros caminhos para continuar as atividades, destinando os recursos diretamente para organizações que vão lidar com o meio ambiente, pois o Ministério do Meio Ambiente está atuando do outro lado e isso é chave para entender o que aconteceu.
Que mensagem o senhor daria aos ambientalistas. Há muito frustração no meio?
É muito importante não cair no pessimismo. E isso é muito comum, pois os problemas da Amazônia são tão grandes, que parece que não vai ter solução. Não pode ser fatalista. Mas esse raciocínio também se aplica ao pensamento de que tudo se resolver por si e não é preciso fazer nada. Tem que se conscientizar dos problemas e ter ação.