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Primeira presidente do Coaf vê problemas graves na subordinação do chefe da unidade ao presidente do BC

Correio Braziliense
Correio Braziliense
postado em 28/08/2019 04:04



Integrante do grupo que elaborou o projeto de lei de combate à lavagem de dinheiro, Adrienne Senna foi a primeira presidente do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), entre 1998 e 2002. Ela diz que a Medida Provisória n; 893/19, assinada pelo presidente Jair Bolsonaro na semana passada criou vários problemas: subordinar o presidente do Coaf ao presidente do Banco Central; permitir o aparelhamento do órgão; e reduzir a confiança na cooperação internacional, o que fragiliza o esforço da rede mundial de combate ao crime, inclusive o terrorismo. ;Antevejo problemas gravíssimos. As unidades de inteligência financeira ao redor do mundo vão colocar o pé atrás;, afirma. Em janeiro, Bolsonaro transferiu o Coaf para o Ministério da Justiça, de Sérgio Moro. Em maio, o Senado devolveu o órgão ao Ministério da Economia. Na semana passada, a nova MP colocou o Coaf no Banco Central. Segundo Adrienne, em todos os países, a unidade de inteligência financeira fica alocada em ministérios de economia ou de finanças. Procuradora da Fazenda aposentada, Adrienne já atuou como consultora especializada no CTC (Country Terrorism Committee) do Conselho de Segurança da ONU e presidiu o Grupo das Américas do Gafisud (Grupo de Ação Financeira sobre Lavagem de Dinheiro), de iniciativa da Organização para a Cooperação para o Desenvolvimento Econômico (OCDE). Foi ela quem recebeu da Suíça a confirmação de que Paulo Maluf transferiu recursos do Citibank de Genebra para o de Jersey, paraíso fiscal no canal da Mancha. Nesta entrevista, ela explica por que nem o BC, nem o Ministério da Justiça são adequados para abrigar o Coaf.


Independência em risco

O que a senhora acha da medida provisória, assinada pelo presidente Jair Bolsonaro, que transfere o Coaf para o Banco Central?
A MP é um absurdo. O mais grave é que revoga o artigo 16, um dos mais importantes para o combate à lavagem de dinheiro. A Lei n; 9.613 estabelece que a composição do órgão tem que ser de servidores efetivos, de reputação ilibada e reconhecida competência. A pessoa que passa por lá tem acesso a muita coisa. Dependendo de quem for, pode sair um criminoso financeiro ou coisa pior. Além disso, o presidente do Coaf é nomeado pelo presidente da República. Isso é importante, por ele ter o mesmo chefe que os presidentes de órgãos dos quais recebe informação, portanto, sem relação de subordinação. Pela MP, o presidente do Coaf vai ser indicado pelo presidente do Banco Central, ou seja, virou subalterno de um dos agentes que repassam informação. Tirou a independência. Se o BC não passar as informações, o presidente do Coaf não vai peitar o chefe. Vai ficar uma coisa intramuros. Perdeu-se a permeabilidade do Coaf entre os outros órgãos.
A MP também vai permitir o uso político do Coaf. O agente mobiliário, por exemplo, só vai dar informação se souber que o órgão é sério, com servidores efetivos, de reputação ilibada, que não estão apenas de passagem. Se quebrar essa confiança, não se recebe mais informação. Não dá para entender o propósito dessas mudanças. São gravíssimas, não se justificam em nenhum aspecto e têm consequências internacionais.
Além disso, a MP muda o nome do Coaf para Unidade de Inteligência Financeira. É uma mudança que vai acarretar problemas na cooperação internacional e internamente. Em várias leis, ele é nomeado como Coaf. A Lei Complementar n; 105/2001 determina que só o Coaf pode receber as informações, e não outro órgão. Conseguiram bloquear o Coaf! Para mudar uma lei complementar, e mudar o nome, leva mais de um ano. Levamos dois anos para fazer o melhor projeto e, em uma canetada, muda-se tudo!

O governo alega que as mudanças são justamente para evitar o uso político...

Pela lei, é obrigação do governo identificar se houve (uso político), quando e por quem. O servidor tem que ser punido. A própria legislação dá os mecanismos para punir, caso isso tenha acontecido no Coaf. O que o governo está fazendo, sob o argumento de evitar o uso político, é justamente provocar o uso político e ferir a altivez do Coaf. É um contrassenso. Estão tirando as salvaguardas da lei.

O Banco Central é um bom lugar para abrigar o Coaf?

Não. O Coaf será um corpo estranho dentro do BC. O BC conseguiu respeito expurgando várias atribuições do passado. Antevejo problemas gravíssimos. As unidades de inteligência financeira ao redor do mundo vão colocar o pé atrás. Com o artigo 16 retirado, vai entrar todo mundo: quadro técnico, cargo em comissão, servidores de outras áreas, militares, de tudo. O que um militar vai fazer em uma unidade como o Coaf ? Lá atrás, houve a preocupação de criar um ambiente protegido, pois lá tem informação sensível e sigilosa, que não pode vazar.

E no Ministério da Justiça, como queria o ministro Sérgio Moro?

O Ministério da Justiça é totalmente inadequado para o Coaf. O presidente levou o órgão para lá por força de uma medida provisória, mas o Congresso, sabiamente, não aprovou, e o Coaf voltou para a Economia. O Coaf sempre esteve na Economia. É assim em outros países, ele sempre foi bem avaliado estando lá, e serviu de modelos para a criação de outras unidades financeiras.

Por que não é bom que o Coaf fique no Ministério da Justiça?
Isso implode todo o sistema. Não é bom, a começar pela questão de informática, que foi montada em cima da base do Serpro, que fica no Ministério da Economia. Quando sai de lá, começa do zero em outra plataforma. Além disso, a Receita Federal, a CVM, a Susep, o BC, enfim, todos os agentes que podem estar em uma ponta de dissimulação do dinheiro pertencem a áreas de influência do Ministério da Economia. Isso cria um ambiente mais fácil para a recepção das informações.
No início do governo do então presidente Lula, houve uma tentativa de levar o Coaf para a Justiça. O então ministro Márcio Thomaz Bastos também pediu o Coaf. Felizmente, quando ouviu as implicações, abortou a transferência. O Coaf é a joia da Coroa. Um órgão de inteligência que deu certo. O Moro, como juiz, deve ter visto que muita coisa da Lava-Jato veio do Coaf. Eles viram o mundo do combate à criminalidade antes e depois do Coaf. Mas a Justiça não é um ministério adequado para o Coaf, pois é um ministério político. Na Justiça, o órgão fica isolado. O Coaf tem que ficar longe da Justiça, do Ministério Público, para evitar troca informal.

Como aconteceu entre Roberto Leonel e os procuradores da Lava-Jato, segundo as informações da Vaza-Jato que vêm sendo publicadas? Ele teria repassado, quando chefiava a área de inteligência da Receita. Depois foi nomeado presidente do Coaf, por Bolsonaro.
Ele não podia fazer isso. Se fez, agiu mal. Provavelmente vai responder a um processo administrativo e tem que ser penalizado. E ele é servidor de carreira. É auditor da Receita e foi indicado pelo Moro. O ministro Moro deve estar muito triste por ser agora o coveiro do Coaf, pois o presidente do órgão deixou de ser uma indicação do presidente da República para ser um ente subordinado ao presidente do Banco Central.






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