Politica

A grade

Correio Braziliense
Correio Braziliense
postado em 09/09/2019 04:04
Na última quinta-feira, habitantes do Palácio do Planalto se diziam aliviados. Depois de quase dois meses parando em frente à grade que protege a residência oficial do Alvorada, o presidente Jair Bolsonaro parecia convencido: estratégia de abrir o verbo estava trazendo mais ônus do que bônus. A partir daquele dia, incomodado com a cobertura dada pelos jornais às declarações agressivas e aos insultos proferidos todas as manhãs, o capitão reformado havia decidido abandonar as coletivas improvisadas, conhecidas no jargão jornalístico como ;quebra-queixos;.

;Vocês só publicam notícias ruins, se querem notícias ruins, procurem outro lugar;, disse o presidente aos repórteres que, desde que as coletivas na grade se institucionalizaram, madrugam na frente do Palácio do Alvorada. Ato contínuo, os populares que se concentram na área bateram ainda mais palmas naquele dia. Aqui, um parêntesis. As declarações matinais de Bolsonaro viraram atração em Brasília, quase como um roteiro turístico que tem a grade como ponto principal. O presidente resolveu parar naquele ponto justamente porque tem eco nas respostas. Se encrespar, receberá apoio da torcida organizada que tem sentado praça por ali.

Na quinta-feira, Bolsonaro reclamou da imprensa pelo fato de um dia antes ter ido a Anápolis (GO) participar da cerimônia de entrega do avião cargueiro KC-390 e de ter assinado a medida provisória dando pensão a mães com filhos vítimas da microcefalia. Mas os jornais não deram bola, segundo o presidente, o que não é lá a maior das verdades. A dificuldade do capitão reformado em entender o valor da notícia não é algo imperdoável. Ao contrário, às vezes, até mesmo jornalistas não conseguem sacar tal conceito, afinal, envolve uma série de variáveis como ineditismo e importância da fonte. Explica-se.

Uma das pontas do valor notícia é o ineditismo, outra, a importância do personagem principal. Assim, mesmo que o presidente lance programas inéditos e prioritários para parte da população, tais ações acabarão brigando com as declarações controversas e com os insultos dele no mesmo dia. E isso acaba se refletindo na edição dos sites e dos veículos impressos. Neste caso, Bolsonaro entende o jogo pela metade. Ele sabe que as afirmações repercutem, mas não sabe dosar. A briga com o francês Macron, por exemplo, foi boa para ele; a disputa com a chilena Bachelet, péssima.

Na sexta-feira, Bolsonaro emitiu claros sinais de que vai ouvir os apelos do pessoal mais técnico do Planalto e abandonar a grade, pelo menos por um tempo. Sem as declarações feitas logo pela manhã, a turma espera que os desatinos diminuam e, finalmente, as notícias positivas para o governo possam receber mais atenção do que as declarações e os insultos vindos do capitão reformado. Pelo menos essa é a esperança daqueles que acreditam, ainda, no apaziguamento das relações conflituosas armadas pelo próprio Bolsonaro. Tem gente que não aposta um tostão furado de que isso possa vir a ocorrer. A ver.

Prêmio Engenho

Este colunista ganhou o prêmio Engenho de Jornalismo na quarta-feira da semana passada e, assim, gostaria de agradecer a todos os leitores, ao Correio e ao titular Luiz Carlos Azedo pelo espaço cedido às segundas-feiras. Uma honra, obrigado.

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