No último ato como procuradora-geral da República, Raquel Dodge denunciou um conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ) e um delegado da Polícia Federal por obstruir as investigações sobre os assassinatos da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, ocorridos em março de 2018. Também entraram na lista de Dodge um suspeito de integrar milícia, um assessor jurídico e uma advogada.
Em entrevista coletiva no início da noite de ontem, Dodge disse que pediu a abertura de investigação no Superior Tribunal de Justiça (STJ) para saber se o mandante do assassinato da vereadora foi Domingos Brazão, conselheiro afastado do TCE-RJ. Além dele, foram denunciados o assessor Gilberto Ribeiro da Costa, o policial federal Hélio Kristian, o policial militar Rodrigo Ferreira e a advogada Camila Moreira.
Segundo Dodge, o grupo participou de uma encenação para o desvirtuamento da investigação. A procuradora-geral pediu a federalização das apurações sobre os mandantes do crime. Em março, os ex-policiais militares Ronnie Lessa e Elcio Vieira de Queiroz haviam sido denunciados por homicídio qualificado pelo Ministério Público do Rio e pela Polícia Civil do Estado.
;Domingos Brazão, valendo-se do cargo, da estrutura do seu gabinete no TCE, acionou um de seus servidores, agente da PF aposentado, para engendrar uma simulação que consistia em prestar informalmente depoimentos perante o delegado Hélio Kristian e, a partir daí, levar uma versão dos fatos à Polícia Civil do Rio, o que acabou paralisando a investigação ou conduzindo-a para um rumo desvirtuado por mais de um ano;, disse Dodge. Os envolvidos haviam negado anteriormente terem participado do crime.
Na coletiva de imprensa, uma espécie de balanço da gestão de dois anos à frente do Ministério Público, Dodge fez questão de ressaltar que recebeu a documentação apenas na segunda-feira, conseguindo fazer a denúncia somente ontem. Questionada sobre o fato de ter tomado algumas medidas que eventualmente poderiam desgastá-la em relação ao governo Jair Bolsonaro apenas depois de estar definitivamente descartada a recondução, a PGR afirmou que sempre se pautou pelo cuidado nas denúncias e que não agiu de maneira estratégica.
Nos últimos dias antes do fim do mandato, Dodge soltou pareceres sobre demarcação de terras indígenas, deportação de estrangeiros, identidade de gênero e drogas. Ontem, ela desejou êxito a Augusto Aras, procurador escolhido por Bolsonaro para chefiar o Ministério Público, mas não quis entrar em detalhes se a ligação entre os dois poderia ser prejudicial. ;O MP tem o dever de controlar o poder, com liberdade e autonomia.;
Ao ser perguntada se foi responsável pelo arrefecimento das denúncias de casos como o da Lava-Jato e mesmo sobre o pedido de arquivamento de trechos de delações, Dodge ressaltou que é minuciosa. ;Promover a Justiça não é promover a vingança. Deve-se denunciar quando se tem provas. O que posso dizer também é que na minha gestão não houve vazamentos;, frisou ela, que passa o cargo para o subprocurador Alcides Martins até que o Senado aprove, depois de sabatina, o nome de Aras, o que está previsto para ocorrer no próximo dia 25.
Promover a Justiça não é promover a vingança. Deve-se denunciar quando se tem provas. O que posso dizer também é que na minha gestão não houve vazamentos;
Raquel Dodge, procuradora-geral da República