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Relator diz excludente de ilicitude sairá, mas voltará ao pacote anticrime

Ao comentar a morte da menina Ágatha Félix, na última sexta-feira, o Deputado Capitão Augusto afirmou que o caso deve ser separado das discussões sobre o excludente de ilicitude

Jorge Vasconcellos
postado em 23/09/2019 20:06
Deputado Capitão AugustoO deputado Capitão Augusto (PL-SP), relator do grupo de trabalho da Câmara que analisa o pacote anticrime do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, disse ao Correio que "estamos em guerra, e em todas as guerras morrem civis", ao comentar a morte da menina Ághata Félix, de 8 anos, vítima de um tiro de fuzil no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro. Ele afirmou que o episódio deve ser separado das discussões sobre o excludente de ilicitude, um dos dispositivos da proposta de Moro e que é visto pelos críticos como uma "carta branca" para a polícia matar.
O parlamentar indicou ainda que esse ponto específico será retirado do pacote durante reunião do grupo de trabalho nesta terça-feira (24/9), em razão do posicionamento contrário da maioria dos integrantes. Entretanto, afirmou ter confiança de que ele será reintegrado ao texto na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) ou no Plenário da Câmara.

O grupo de trabalho, criado pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), analisa o Projeto de Lei 882/2019, um dos três projetos que compõem o pacote anticrime. O excludente de ilicitude está inserido na parte do PL que trata de legítima defesa. O texto altera o artigo 23 do Código Penal, definindo que o juiz poderá reduzir a pena até a metade ou deixar de aplicá-la se o excesso decorrer de situação comprovada de medo, surpresa ou violenta emoção. Neste caso, as circunstâncias em que o ato foi praticado serão avaliadas e, se for o caso e assim o juiz entender, o acusado poderá ficar isento de pena.

O deputado Capitão Augusto disse que "é mentira, desonesto e populista" afirmar que o dispositivo em questão esteja relacionado à atuação policial. "Esse ponto do projeto é direcionado à população civil. Policial não tem medo nem surpresa nem violenta emoção. O policial é treinado para lidar com essas situações", afirmou, acrescentando que a proposta beneficiaria, por exemplo, o cunhado da apresentadora Ana Hickmann, que matou um assaltante durante um confronto e foi acusado de homicídio doloso.

"O Brasil registra sessenta e cinco mil mortes violentas por ano. Estamos em uma guerra, e em todas as guerras morrem civis. E vão morrer mais civis, porque toda guerra tem isso", disse, ao criticar os que relacionam a morte da menina Ághata a uma ação policial baseada nos princípios do excludente de ilicitude.

Capitão Augusto informou que o grupo de trabalho começou as atividades com 16 membros e que dois deputados favoráveis ao pacote anticrime pediram desligamento do colegiado. Segundo ele, dos 14 restantes, os defensores da proposta não passam de cinco.

O advogado criminalista Fernando Parente, professor de Processo Penal do Instituto de Direito Público (IDP) e sócio do Guimarães Parente Advogados, disse que o excludente de ilicitude passa a ser uma "carta branca" para matar ao isentar de punição condutas típicas e ilícitas. Ele acrescentou que a combinação entre deficiências no preparo dos policiais brasileiros e o dispositivo do pacote de Moro pode representar riscos a segurança da sociedade.

"Pelo que conheço, da formação de um policial militar comum, de um policial civil comum, e não daqueles grupos especializados dentro dessas corporações, eles não têm preparo para isso. Eu vi agora um vídeo no Whatsapp em que um rapaz que carregava um pedestal numa moto, que teria sido confundido com um fuzil, quase que leva tiro, e a menina Ághata acabou sendo atingida. Literalmente, na prática, isso vai virar uma licença para matar. Então a conduta vai ser típica, mas o agente não vai ser punido porque estaria amparado por esses elementos colocados na lei", criticou o advogado.

Nesta segunda-feira (23/9), o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), culpou o crime organizado pela morte de Ágatha e defendeu a política de segurança pública local.

Foi a primeira vez que Witzel falou a respeito, quase três dias depois de a menina ser baleada nas costas, quando estava em uma Kombi, na comunidade conhecida como Fazendinha, no Complexo do Alemão, na Zona Norte do Rio. Moradores afirmaram que PMs atiraram contra uma moto que passava no local, e o tiro atingiu a criança.

[SAIBAMAIS]"A dor de uma família não se consegue expressar. Eu também sou pai e tenho uma filha de 9 anos. Não posso dizer que sei o tamanho da dor que os pais da menina estão sentindo. Jamais gostaria de passar por um momento como esse. Tem sido difícil ver a dor das famílias que tem seus entes queridos mortos pelo crime organizado. Eu presto minha solidariedade aos pais da menina Ágatha. Que Deus abençoe o anjo que nos deixou", disse Witzel, frisando que determinou rigor nas investigações ao Ministério Público e à Polícia Civil do Rio de Janeiro.

A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara vai votar, nesta terça-feira (24), o Projeto de Lei Complementar (PLP) 38/2019 - uma outra parte do pacote anticrime e que estabelece regras de competência da Justiça Comum e da Justiça Eleitoral. Esse projeto não está sob o crivo do grupo de trabalho.

Segundo o presidente da CCJ, deputado Felipe Francischini (PSL-PR), a aprovação do PLP é necessária porque causou "uma certa instabilidade" a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que atribuiu à Justiça Eleitoral o julgamento de casos de corrupção que envolvam o crime de caixa 2. O deputado, da mesma forma que o colega Capitão Augusto, defende o resgate, na CCJ, de todos os pontos retirados do pacote anticrime pelo grupo de trabalho da Câmara.

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