Politica

Para analistas, fala deixa o país isolado

Especialistas em política externa avaliam que pronunciamento de Bolsonaro na ONU reflete visão ideológica antiquada sobre o mundo e prejudica imagem externa do Brasil

postado em 25/09/2019 04:08
Azambuja: retórica do chefe do Executivo acentua divergências e contraria a tradição da diplomacia brasileira


O discurso do presidente Jair Bolsonaro na abertura da Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York, foi bairrista e não contribuiu para melhorar a imagem do Brasil no exterior, de acordo com especialistas ouvidos pelo Correio. Para eles, a fala do chefe do Executivo foi muito ideológica e antiquada, remetendo a um mundo que não existe mais, o do pós-guerra.

Especialistas lamentaram o fato de Bolsonaro ter desperdiçado os holofotes do mundo para falar apenas para os eleitores cativos, atacando as ONGs, os socialistas, a França, a Alemanha e a mídia, sem apresentar propostas concretas. Bolsonaro não poupou nem mesmo o Cacique Raoni, reconhecido globalmente como defensor da Amazônia e indicado ao Prêmio Nobel da Paz. Ele, inclusive, se mostrou menos flexível do que os ex-presidentes de governos militares.

;Não foi um discurso de estadista voltado para o mundo, mas de um político voltado para a base que o elegeu;, resumiu o embaixador Marcos Azambuja, conselheiro emérito do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri).

;Bolsonaro tem uma retórica que diverge da tradição da diplomacia brasileira, que sempre buscou convergências. Ele, ao contrário, acentua as divergências e se considera o detentor de uma verdade, e, por isso, vive repetindo o refrão da Bíblia como se fosse o portador dessa verdade. Mas essa não é a linguagem da diplomacia, que é a ponte para entender os outros por meio do diálogo com quem é tem outras opiniões;, avaliou o diplomata. ;O presidente se dirige sempre ao mesmo grupo e costuma criticar os outros alegando que são ideólogos, quando ele também é um ideólogo da direita;, pontuou.

Na avaliação do professor de Relações Internacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV) Vinícius Vieira, em vez de fazer um discurso antiquado, de política anticolonial e de defesa da soberania, o presidente deveria ter falado em cooperação, já que estava em um fórum multilateral. Vieira lembrou que, mesmo no período militar, falava-se mais em cooperação do que no governo Bolsonaro, uma vez que, em 1978, foi assinado o Tratado de Cooperação da Amazônia, com oito países. ;Nossos problemas não serão resolvidos apenas por nós. É preciso cooperação;, disse.

;Acho que, domesticamente, o discurso cumpriu uma função. Tem lógica política para ser fiel às bases. Mas, internacionalmente, prejudica a imagem do país;, avaliou cientista político Christopher Garman, diretor da consultoria norte-americana Eurasia.

Falácias
Marcio Astrini, coordenador de Políticas Públicas do Greenpeace, considerou que o discurso foi baseado em falácias. ;Bolsonaro tentou convencer o mundo de que protege a Amazônia, quando, na verdade, promove o desmonte da área socioambiental, negocia terras indígenas com mineradoras estrangeiras e enfraquece o combate ao crime florestal. Sob sua gestão, as queimadas, o desmatamento e a violência aumentaram de forma escandalosa. Para a floresta e seus povos, Bolsonaro é um problema, não a solução;, disse.

Na avaliação do professor de Ciências Políticas da Universidade de Brasília (UnB) Aninho Irachande, faltou humildade no discurso do presidente brasileiro, o que deixa o país isolado internacionalmente. ;Ele não compreende a grandeza de um discurso na ONU, nem a gravidade da situação ambiental. Fez um pronunciamento para combater falácias usando outras falácias. Sair culpando a mídia e o socialismo pelo que está acontecendo no Brasil não faz sentido;, criticou.

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