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Augusto Aras, o novo PGR: ''Não poderia ter ativismo judicial''

Novo PGR diz que servidores, como os do Coaf e da Receita, têm a obrigação de comunicar irregularidades em movimentações financeiras

Renato Souza, Rodolfo Costa
postado em 26/09/2019 06:00

homem segurando um livroNa sabatina na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, o agora procurador-geral da República, Augusto Aras, defendeu que os servidores públicos, como os do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), devem comunicar a existência de ilícitos que porventura encontrem. Há dois meses, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) atendeu a um pedido da defesa do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro, e suspendeu o andamento de ações que utilizam informações repassadas pelo Coaf e pela Receita Federal, entre outros órgãos que são responsáveis por monitorar movimentações no sistema financeiro. A decisão de Toffoli vale para todos os processos que utilizam dados repassados por essas entidades sem que tenha ocorrido autorização da Justiça.


Aras condenou o ativismo judicial e disse que temas controversos, como aborto e descriminalização da maconha, devem ser tratados pelo Legislativo.

Ele saiu em defesa da indicação do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) ao cargo de embaixador nos Estados Unidos. O presidente da República ainda não encaminhou o nome do filho ao Senado, para sabatina, mas diz que o fará em breve.

O momento de maior turbulência no colegiado ocorreu quando o senador Fabiano Contarato (Rede-ES) mostrou uma lista de compromissos assinada pelo subprocurador em que um dos itens se referia a cura gay. Em resposta, Aras respondeu que assinou sem ler. Acompanhe outros trechos da sabatina no Senado.

Coaf

Todos sabem que o servidor público, lato sensu, tem o dever de comunicar o conhecimento da prática de qualquer ilícito, e que a pessoa privada pode ou não comunicar a existência de um ilícito. Nós temos o dever de denunciar, de comunicar os ilícitos, porventura existentes. Os auditores fiscais, por isso, estariam no dever de comunicar as eventuais irregularidades

Meio ambiente

A força-tarefa (do Ministério Público Federal) deu grande passo para o combate às queimadas na Amazônia. Temos um kit ação, em que cada vez que o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) fornecia e detectava uma queimada, imediatamente a 4; Câmara encaminhava para o procurador da área um kit ação para ajuizar com todos os dados, que eram técnicos e fornecidos pelo Inpe. Sabemos que houve um debate sobre a qualidade das informações (divulgadas), mas quero dizer da minha preocupação técnica com essas três mil ações ajuizadas proibindo as queimadas. A minha preocupação é jurídica. Por que jurídica? Porque as ações civis públicas que visam impedir as queimadas produzem um efeito da coisa julgada material. Cada sentença dada e transitada em julgado que, por ventura, tenha julgado improcedente no mérito da ação, significa atestado de autorização para queimar. Isso me preocupa de sobremodo, e são meus cabelos brancos que me preocupam, pois, no Brasil, não existe técnica americana para ser dado dos efeitos da coisa julgada. A técnica do direito americano é uma técnica que o Brasil não adota e põe em risco as ações. Cada ação proposta no mero procedimento padrão pode gerar um grave problema.

Desenvolvimento

Temos de compreender certas linguagens, incluindo a física e a termodinâmica. Vamos lembrar aos senhores que temos de imaginar três círculos que se encontram uns nos outros. O primeiro é crescimento econômico, o segundo, a proteção ao meio ambiente, e o terceiro, seria direito à repartição igualitária de todos os cidadãos sobre recursos naturais. O desenvolvimento sustentável é tudo que desejamos. É aquele espaço entre os círculos que tendem a se aproximar. Quando uma sociedade aproxima cada vez mais os círculos, aumentando a zona comum do crescimento econômico com proteção ambiental e mais direito igualitário de repartição dos recursos naturais, temos a proteção ao meio ambiente, o desenvolvimento sustentável, e não mais um discurso vazio, mas um discurso científico.

Índios

(Defendo que os) índios possam explorar suas terras e ser remunerados por isso. Temos tantas riquezas, que são dos índios e que possam gozar delas, respeitando, evidentemente, os povos isolados. Temos de compreender a necessidade de preservar a cultura, a compreensão de como pensa o outro, e nos enriquece profundamente, porque nós deixamos de ter uma certa hegemonia do pensamento racional ocidental, de matriz ocidental, para compreender que, para o indígena, que enxerga a sucuri como elo entre o céu e a terra e, se for comido pela sucuri, a sucuri também passa a ser ele, essa importante visão perspectivista, é preciso compreender. Não é fácil para nós, de raciocínio ocidental, mas é preciso compreender que índio, na sua dignidade, quer, também, uma vida boa, compatível com suas necessidades. O índio não quer pedir esmola e viver ao lado de quem produz no agronegócio, se ele tem 100 mil hectares de terra disponível, pois ele é tratado como índio que tem de continuar vivendo como caçador e coletor. É preciso que ele também possa usar dentro de suas próprias terras, para, dentro da legalidade, produzir os grãos, pecuária, ou aquilo que possa ser permitido ao índio, pois sabemos que existe, no Centro-Oeste, comunidades indígenas produzindo grãos e enriquecendo, como qualquer pessoa ou cidadão. E existe índio ao lado que está passando fome, sem recursos, pois não tem direito de usar suas terras para cultivar e sobreviver com dignidade.

Eduardo Bolsonaro

O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) ainda vai ser objeto de sabatina nesta Casa (indicação à embaixada brasileira nos Estados Unidos), mas posso dizer, com tranquilidade, que a Súmula que disciplina o nepotismo não se estende a agentes políticos. Em todos os estados e municípios há filhos e parentes de primeiro e segundo graus ocupando cargos de secretaria sem que isso atinja nenhum valor constitucional. É evidente que esta Casa é soberana e poderá decidir o que pensa acerca desse tema, e terá meu respeito, pois meu pensamento é que nós somos e devemos ser um Estado, seguindo essa carta constitucional.

Ativismo judicial

Creio eu que não poderia ter ativismo judicial, entre eles aborto e descriminalização da maconha. São temas caros, relevantes, que devem merecer a apreciação do Congresso e não ser objeto de ativismo judicial, mas, dentro também do Supremo Tribunal Federal, tem dois instrumentos dinâmicos para fazer com que a realidade constitucional possa se adaptar à carta jurídica que a assegure. (...) Cada caso dúbio, como aborto, a questão da criminalização da homofobia, a questão do casamento homossexual, da união estável homoafetiva, a questão da descriminalização da maconha, é preciso saber em que nível está operando. Está no nível de interpretação, da mutação, ou está usurpando as competências do Senado e da Câmara? É com isso que me coloco à disposição para dizer que, com harmonia e independência, construamos um Estado democrático de direito.

Casamento gay

Eu não quero, jamais, dizer a vossas excelências que alguém não tenha família. Isso não passa pela minha cabeça. Não posso deixar de compreender todos os fenômenos sociais, humanos e que possam ser acrescidos cognitivamente, e posso dizer que respeito muito vossas excelências. Tenho amigos e amigas que têm casamento homoafetivo. A minha única ressalva é de ordem formal. Eu me sentiria muito mais confortável, por mim e pelos meus amigos e amigas que têm casamento em todos os sentidos com pessoas de mesmo sexo, com uma legislação, uma norma constitucional, em que eu não leia, nesta Constituição, ;homem e mulher;, e sim ;pessoa, cidadã, cidadão;, pois a Constituição disciplina a matéria de uma forma não contemporânea. Vossa excelência (senador Fabiano Contarato) pode recorrer à hermenêutica para a atualização. Meus respeitos a vossa excelência, a vossa família, filhos, pois são iguais aos meus.

Regime militar

O movimento de 1964 teve apoio da família brasileira, teve apoio da Igreja Católica brasileira, foi gestado dentro do Congresso Nacional. Não é apropriado agora discutir se foi golpe ou revolução.

Abuso de autoridade

Esta Casa, ontem (terça-feira ; 25/9, reduziu a 18 os vetos à lei sobre abuso de autoridade), e, com isso, eu creio que temos, no Brasil, uma lei de abuso de autoridade que possa alcançar, sim, a finalidade social a que se dirigia a norma e pode, sim, produzir um bom efeito, porque é preciso que quem trate com a coisa pública tenha o respeito devido à população. Não o conflito permanente e eterno entre sociedade e Estado. A democracia e sua maturidade podem revelar a profundidade dessa declaração, porque só assim veremos que a política é responsabilidade, e todos têm o direito de participar.

Posse será nesta quinta-feira (26/9)

Está marcada para esta quinta-feira (26/9), às 10h, no Palácio do Planalto, a cerimônia de posse do subprocurador Augusto Aras na Procuradoria-Geral da República (PGR). Nesta quarta-feira (25/9), após a aprovação do Senado, ele se encontrou, no fim da tarde, com o presidente Jair Bolsonaro no Palácio da Alvorada. Agradeceu ao chefe do Executivo e ressaltou que prezará por uma postura de independência. A nomeação de Augusto Aras para PGR foi oficializada na edição extra do Diário Oficial da União (DOU) desta quarta-feira (25/9). Ele substitui Raquel Dodge, que encerrou o mandato no último dia 17.

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