postado em 27/09/2019 04:11
Seis dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) votaram, ontem, a favor de uma tese que pode levar à anulação de condenações judiciais em todo o país, inclusive no âmbito da Operação Lava-Jato. Segundo o entendimento majoritário, os delatores deverão apresentar as alegações finais, nos processos judiciais, sempre antes dos réus que não fizeram acordo de colaboração premiada. O presidente da Corte, Dias Toffoli, suspendeu a sessão e disse que os trabalhos serão retomados na próxima semana, quando ele apresentará o seu voto. O ministro, entretanto, adiantou que concorda com a tese adotada pela maioria do plenário. O magistrado ainda frisou que apresentará uma proposta para delimitar a abrangência da decisão da Corte. Um balanço da Lava-Jato indica que o entendimento do STF pode anular 32 sentenças, envolvendo 143 condenados na força-tarefa.
O caso concreto examinado pelos ministros é um habeas corpus apresentado pelo ex-gerente de empreendimentos da Petrobras Márcio de Almeida Ferreira, condenado em primeira instância pela Lava-Jato a 10 anos e três meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. No recurso, a defesa reclama que o juízo não permitiu acesso ao conteúdo das alegações finais dos delatores, sendo autorizada apenas a conhecer os novos documentos que foram apresentados por eles.
Na sessão de quarta-feira, ao apresentar o seu voto, o ministro Edson Fachin, relator do habeas corpus, indeferiu o recurso por entender que a definição de uma ordem para a apresentação de alegações finais não está prevista no Código de Processo Penal, na lei que disciplina as delações premiadas nem na jurisprudência do STF. Ele alertou para as repercussões que o deferimento do HC traria para todas as ações penais que tenham a figura da delação premiada.
Na continuidade da sessão, ontem, o primeiro a votar foi o ministro Alexandre de Moraes, que abriu a divergência com entendimento de que o delatado tem o direito de apresentar as alegações finais depois do delator. Ele defendeu que o processo relacionado ao HC retorne à fase de alegações finais na primeira instância, o que significaria a anulação da condenação do ex-gerente de Empreendimentos da Petrobras.
Segundo Moraes, todo delator, embora não seja assistente do Ministério Público, é ;partícipe da acusação; e tem como principal interesse a condenação do corréu, sem a qual ele não receberá os benefícios previstos no acordo de colaboração premiada. ;A relação entre delator e delatado é antagônica;, afirmou o ministro.
Moraes acrescentou que as alegações finais do delator não se configuram um ato de defesa, uma vez que ele já se defendeu em fase anterior ao celebrar o acordo de colaboração premiada. ;O delator quer é se salvar;, disse Moraes, frisando que o corréu que não fechou acordo de delação deseja se defender.
;O devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório exigem que o delatado, assim solicitando, tenha acesso a todo o acervo probatório antes de apresentar as alegações finais;, ressaltou o ministro, destacando que, no caso relacionado ao HC em julgamento, a defesa do réu fez esse pedido.
Inexistência
Na sequência, votou o ministro Luís Roberto Barroso, seguindo o entendimento do relator, Edson Fachin, de que inexiste previsão legal a respeito da ordem de apresentação de alegações finais de delatores e delatados. Da mesma forma que o relator, ele alertou que o HC em julgamento não é um caso isolado, mas capaz de repercutir em todos os processos que tiveram o instrumento legal da delação premiada. Segundo frisou, o recurso estava sendo analisado no ;contexto do esforço imenso da sociedade no combate à corrupção que devastou o país;.
Ao citar grandes escândalos de corrupção no país, como o do Banestado e o mensalão, Barroso disse que o ex-gerente de Empreendimentos da Petrobras Márcio de Almeida Ferreira, autor do HC, foi condenado a 10 anos e três meses por corrupção e lavagem de dinheiro, após ter desviado R$ 37 milhões da estatal.
Barroso afirmou, também, citando trechos do processo em primeira instância, que a defesa do ex-gerente pediu e foi autorizada pelo juízo a apresentar as alegações finais após os delatores. Segundo o ministro, embora a defesa tenha recebido novo prazo, não fez qualquer manifestação. ;Não falou porque não quis, não precisava e não tinha o que falar;, destacou.
Ao fim da apresentação do voto, ele disse que, se o plenário decidir criar uma norma jurídica prevendo que delatores sejam os primeiros a apresentar as alegações finais, ele poderá mudar seu voto, desde que os efeitos sejam aplicados em casos futuros, não causando a anulação de condenações anteriores.
O julgamento foi suspenso quando o placar estava 6 a 3 a favor da tese majoritária. Além de Alexandre Moraes, votaram nesse sentido os ministros Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Cármen Lúcia ; esta última, embora tenha votado a favor da tese, se posicionou contra o HC, por entender que o ex-gerente da Petrobras não teve violado o seu direito à ampla defesa.
Já Luiz Fux acompanhou o relator. ;Há algum dispositivo no Código de Processo Penal, ou na alteração do Código de Processo Penal, ou na lei de delação premiada (...) que permite ao delatado falar depois do delator? Absolutamente não;, argumentou.
A tese vencedora do julgamento é a mesma que levou a 2; Turma do STF, no fim de agosto, a anular a condenação, imposta pelo então juiz federal Sérgio Moro, do ex-presidente do Banco do Brasil e da Petrobras Aldemir Bendini. A sentença foi a primeira de Moro na Lava-Jato a ser derrubada pelo STF.
Como votaram
Veja como se posicionaram os ministros sobre anular a sentença
de Márcio de Almeida Ferreira. Faltam os votos de Dias Toffoli
e de Marco Aurélio Mello, que ficaram para a semana que vem
A favor Contra
Alexandre de Moares Edson Fachin (relator)
Rosa Weber Luís Roberto Barroso
Cármen Lúcia Luiz Fux
Ricardo Lewandowski
Gilmar Mendes
Celso de Mello
Caso Lula
Segundo especialistas, o entendimento a ser firmado pelo plenário do STF agora pode afetar processos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, como o do sítio de Atibaia, mas não a condenação imposta por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do triplex do Guarujá. Isso porque, no caso do apartamento, não havia réus com acordo de colaboração premiada homologado pela Justiça na época da condenação em primeira instância.