Politica

Apreensão com decisão do STF

O próprio Judiciário e o Ministério Público estão preocupados com o entendimento do Supremo que pode anular condenações da Operação Lava-Jato. Presidente da Corte, Dias Toffoli diz que ministros não têm a intenção de sabotar o combate à corrupção

Correio Braziliense
postado em 28/09/2019 04:09 / atualizado em 14/10/2020 12:17

Na quarta-feira, o plenário do Supremo definirá a abrangência da decisão  tomada nesta semana

O Judiciário e o Ministério Público trabalham em clima de apreensão por causa da decisão do Supremo Tribunal Federal que pode levar à anulação de dezenas de condenações relacionadas à Operação Lava-Jato. Até agora, a maioria dos integrantes da Corte decidiu que quem for acusado em um acordo de colaboração com a Justiça deve apresentar defesa após o réu delator. O que falta definir é a extensão da decisão. Os magistrados precisam decidir se quem não entrou com recurso em relação às alegações finais no curso do processo será beneficiado ou se apenas os que  questionaram podem ter as ações revistas. Na quarta-feira, o presidente do Supremo, Dias Toffoli, deve apresentar ao plenário uma proposta para delimitar a abrangência da decisão.

Em meio ao clima de alta-tensão, Toffoli disse, ontem, que, ao fixar a tese, o Supremo não teve a intenção de provocar a anulação de condenações decretadas em todo o país. À Rádio Jovem Pan, afirmou que as decisões tomadas pelos integrantes da Corte não pretendem sabotar o combate à corrupção e são importantes para evitar que “excessos, abusos e erros” se repitam no futuro. Ele voltou a dizer que “a Lava-Jato só existe graças ao STF”.

“Todos os marcos normativos, lei de transparência, lei de acesso à informação, lei de combate à corrupção, lei que alterou o crime de lavagem de dinheiro, lei que regulamentou, no Brasil, o combate às organizações criminosas com a possibilidade da delação premiada… Todas elas foram fruto de propostas do STF e aprovadas pelo Congresso Nacional”, frisou o presidente da Corte.

O magistrado alegou que o Supremo tem a obrigação de impedir erros no âmbito judicial, até mesmo para preservar investigações em todo o país. “Excessos, abusos, cabe exatamente às instâncias do Judiciário decidir sobre eles. E os excessos que foram cometidos… Muitas vezes, há concessão de uma decisão, mas isso não significa que se está contra a Lava-Jato, contra o combate à corrupção, ou que a Lava-Jato vai acabar”, argumentou. “Muito pelo contrário, essas decisões são exatamente para evitar futuros erros, futuras anulações, e elas foram poucas, poucas decisões.”

Ativismo judicial

Na opinião da advogada constitucionalista Vera Chemim, mestre em direito público administrativo pela Fundação Getulio Vargas (FGV), o resultado, a favor da tese, configura ativismo judicial. “Houve criação de jurisprudência onde não havia omissão da lei. Não seria ativismo se a legislação tivesse alguma lacuna, para que o Judiciário decidisse, mas não é o caso”, defendeu.

Para Chemim, a situação aumenta a insegurança jurídica. “Vai anular vários processos, que vão ter que voltar para a primeira instância. Do ponto de vista processual, isso traz um prejuízo muito grande, em termos de tempo, energia e financeiro. Sem falar do perigo de prescrever, já que volta para a primeira instância”, ressaltou.

O professor João Paulo Martinelli — doutor em direito penal pela Universidade de São Paulo (USP) e professor de direito da Escola Aberta do Brasil — acredita que a decisão do Supremo corrige um erro que limitava a defesa dos réus. “A partir do momento em que o Ministério Público faz um acordo com o réu e o juiz homologa, é sinal de que as informações são relevantes. Se não forem, não existe acordo”, ressaltou.

Para o especialista, no entanto, a decisão deve ser limitada a acusados que já haviam se manifestado, apontando prejuízos a seu julgamento. Caso contrário, segundo ele, poderia gerar um efeito de grande impacto na punição aos crimes de corrupção. “Eu acredito que o Supremo vai alentar isso para quem fez o pedido desde a primeira instância. Vai ter uma decisão retroativa para quem já fez o pedido e não foi atendido”, disse. “O Supremo vai reconhecer que houve um prejuízo para a defesa. Agora, se o réu delatado não manifestou qualquer tipo de prejuízo, eu não acredito que o Supremo vá abrir essa brecha. Teria um efeito cascata muito grande.”

Eduardo Bolsonaro critica

Um dia depois de o STF acolher tese que pode golpear a Lava-Jato, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) disse que a Corte “atropela o Congresso”.
No Twitter, o filho do presidente Jair Bolsonaro escreveu: “Neste cenário, a cada decisão do STF que atropela o Congresso e bota adiante a agenda progressista (aborto, gênero, livrar corruptos da Lava-Jato presos) mais pessoas vão para o radicalismo”. O parlamentar também postou que “o que mais queremos é viver em harmonia sob o império das leis, mas o STF não tem deixado”.

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