Politica

Aras dá a largada na gestão da PGR

Visto com desconfiança por colegas, novo procurador-geral da República terá de reduzir tensões internas no Ministério Público e convencer a sociedade de que agirá com independência em relação ao presidente Jair Bolsonaro

postado em 30/09/2019 04:09
Sede da Procuradoria-Geral: crises internas da gestão de Raquel Dodge, como a gerada por grupos que defendem aumentos salariais, terão que ser administradas pelo novo chefe do órgão


Após meses de indecisão e dezenas de entrevistas com candidatos ao cargo mais importante do Ministério Público Federal (MPF), o subprocurador Augusto Aras foi escolhido pelo presidente Jair Bolsonaro para ocupar o posto deixado por Raquel Dodge. No entanto, após todo esse processo, Aras assume a função sob a desconfiança de colegas e a expectativa da sociedade. Por não ter feito parte da lista tríplice escolhida pela categoria, ele tem um desafio duplo, e terá de se desdobrar para reduzir tensões internas e manter a independência do órgão. A tendência é que se mantenha fora dos holofotes nos próximos meses, até conseguir a confiança de que precisa para obter sucesso em sua gestão.

Os primeiros dias de Aras como procurador-geral da República foram dedicados à escolha da equipe. Entre os nomes apresentados, estão profissionais que agradam ao governo, como o subprocurador Aílton Benedito, e outros que trafegam entre grupos de oposição ao Executivo, como José Bonifácio de Andrada, que atuou em posição de destaque na gestão do ex-titular da PGR Rodrigo Janot. Até a próxima quarta-feira, Aras vai realizar uma série de reuniões e apresentar suas intenções aos demais integrantes do órgão. Ele chega ao cargo com o Ministério Público dividido entre procuradores que o rejeitam, por supostamente colocar em risco a independência do órgão, e os que o apoiam, por ver nele um perfil diferente dos que passaram pelo posto recentemente. Também precisará atuar em crises internas criadas na gestão Dodge, como a gerada por grupos que defendem o retorno de regalias e o aumento de salários.

Durante a sabatina no Senado, etapa necessária para ser confirmado no cargo, Aras ressaltou que sua gestão defenderá direitos das minorias, sem destacar quais, e garantiu que vai atuar sem comprometimento com as pautas do Executivo. ;Não há alinhamento no sentido de submissão a nenhum dos Poderes, mas há evidentemente o respeito que deve reger as relações entre os Poderes e suas instituições. Eu asseguro a Vossas Excelências que não faltará independência a esse modesto indicado. Harmonia no sentido de que o sagrado interesse público prevaleça... A independência por si só, excluída a harmonia, pode gerar conflito, e o Estado conflituoso não ganha;, afirmou, em discurso.


Índios
O procurador-geral defendeu o desenvolvimento de atividades de agricultura em terras indígenas. A medida é polêmica, pois contraria defensores dos povos tradicionais, que ressaltam a importância de manter as raízes culturais dessas populações e de evitar a interferência dos demais grupos da sociedade. ;O índio não quer pedir esmola e viver ao lado de quem produz no agronegócio, se ele tem 100 mil hectares de terra disponíveis. Ele é tratado como índio que tem que continuar vivendo como caçador e coletor. Mas é preciso que ele também possa usar suas próprias terras, dentro da legalidade, para produzir grãos, pecuária, ou aquilo que possa ser permitido ao índio, pois sabemos que existem no Centro-Oeste comunidades indígenas produzindo grãos e enriquecendo como qualquer pessoa ou cidadão. E existe índio ao lado que está passando fome, sem recursos, pois não tem direito de usar suas terras para cultivar e sobreviver com dignidade;, completou.

Um procurador, ouvido sob a condição de anonimato, disse que não existe tanta preocupação em relação às mudanças que Aras pode fazer nas equipes de investigação que atuam em operações como a Lava-Jato. ;A lei garante a independência do Ministério Público. Os procuradores e subprocuradores têm grande liberdade para fazer seu trabalho. Existe uma força grande em torno de pautas comuns, como o combate à corrupção. Pouco se pode mudar em relação a isso por vontade apenas do PGR;, disse.

Escolhido para ocupar a Secretaria de Direitos Humanos do Ministério Público Federal (MPF), o procurador Aílton Benedito tem grande apoio entre os simpatizantes do presidente Jair Bolsonaro. Ele foi confirmado no cargo na última sexta-feira, o que causou apreensão entre alguns integrantes do órgão, apesar de estar cotado há semanas para integrar a equipe de Aras. Benedito chegou a ser indicado por Bolsonaro para a Comissão Sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, mas teve a nomeação barrada pelo Conselho Superior do Ministério Público Federal (MPF).

De perfil conservador, a indicação fez parte da estratégia do presidente da República para mudar a composição da comissão e provocar mudanças na visão da história da ditadura militar instaurada em 1964, de modo a ressaltar que grupos esquerdistas combatidos pelo regime não lutavam pela democracia, mas por um outro tipo de governo totalitário, de inspiração marxista. Na época, o nome de Benedito foi rejeitado por seis votos a quatro, sendo um dos contrários o da ex-procuradora-geral da República, Raquel Dodge. A indicação dele foi também alvo de reclamações de políticos de esquerda e de entidades ligadas à proteção dos direitos humanos.

Além de Ailton Benedito, outra nomeação que chamou a atenção de integrantes do MP foi a do general Roberto Severo. Ele será Assessor Especial para Assuntos Estratégicos no gabinete de Aras. O general terá como missão avaliar gestões anteriores e analisar atos que até agora não são públicos, como investigações relacionadas a integrantes da carreira e demais autoridades. Severo foi chefe de gabinete do ex-ministro da Casa Civil Eliseu Padilha (MDB-RS) e integrou o governo Bolsonaro até o fim do primeiro semestre deste ano.

;Não há alinhamento no sentido de submissão a nenhum dos Poderes, mas há evidentemente o respeito que deve reger as relações entre os Poderes e suas instituições. A independência por si só, excluída a harmonia, pode gerar conflito, e o Estado conflituoso não ganha;

Augusto Aras, procurador-geral da República

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