Politica

Cogitação não é crime

Para ex-PGR, sobra vaidade e falta serenidade para tomar decisões no STF e no MPF

Correio Braziliense
Correio Braziliense
postado em 01/10/2019 04:09

O jurista Aristides Junqueira não vê crime na confissão do ex-procurador-geral da República (PGR) Rodrigo Janot sobre sua revelação de ter tido a intenção de matar o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes. Ele, que também ocupou o posto de PGR, entre 1989 e 1995, durante o governo de José Sarney, diz não se arrepender de ter articulado a indicação de Janot à PGR, mas avalia que Janot não deveria publicar um livro com os detalhes de sua atuação no cargo, pois estava a serviço. Para Junqueira, a Operação Lava-Jato tornou-se uma ;entidade paralela ao Ministério Público;. Em entrevista ontem ao CB Poder, programa do Correio em parceria com a TV Brasília, ele lamentou que a vaidade esteja suplantando a prestação de serviço à comunidade tanto na PGR como no STF. Leia abaixo os principais trechos da entrevista:
Que avaliação o senhor faz das declarações do ex-procurador Rodrigo Janot em relação ao
ministro Gilmar Mendes? Qual o impacto na PGR? E no STF?
São duas instituições da nossa República, que têm que permanecer independentemente de seus ocupantes. Importantes são as instituições. Esse fato que está causando celeuma e essa perplexidade toda aconteceu há mais de dois anos, e não tem contemporaneidade. A gravidade da conduta do então PGR é inquestionável. Mas se eu for olhar pelo ponto de vista do direito penal, por exemplo, não houve crime. Eu não posso, no direito penal, tomar alguma providência contra alguém que ficou apenas na cogitação. Se ele não começou a executar o ato tendente ao fim pretendido, eu não posso falar em crime. Isso é o direito.
No livro de Janot, que já vazou na internet, ele diz que o senhor foi um dos articuladores para que ele fosse indicado para PGR. Se arrependeu?
Não. Eu acho que as pessoas são o que são. Se ele revelou uma faceta dele, que não me parece que seja a personalidade dele, isso deve ter sido um momento de sentimentos que eu penso que um PGR tem que abafar. Eu diria que, tanto o Supremo quanto o PGR exercem poder. Eu não sei se o que está faltando no Brasil é aliar poder, exercício de poder com prestação de serviço. Você tem poder para prestar serviço à comunidade, e não poder por poder. O poder pode inebriar quando você esquece que tem poder para prestar serviço. Eu, sempre, quando fui procurador-geral e funcionário público, soube que estou ali para prestar serviço.
Qual é sua principal crítica em relação ao que vem sendo feito no STF e na PGR?
Eu acho que falta deixar a vaidade suplantar a sensação, o convencimento de que está ali para prestar serviços à comunidade. Eu me lembro de que quando eu fui PGR, eu fui muito criticado porque o STF não condenou o que eu havia denunciado (caso do ex-presidente Fernando Collor). E eu achava aquela uma injustiça muito grande, mas jamais abri a boca para dizer que eu estava sendo injustiçado. Quem estava falando era meu patrão, era o povo, e eu não podia reclamar porque estava ali para prestar serviços. O que eu vejo que está acontecendo é que está faltando serenidade porque a vaidade está suplantando a prudência. Eu convivi com o Supremo há 24 anos e era tudo muito bem pensado. Você ruminava, elaborava até tomar uma decisão. Hoje, me parece que as decisões são tomadas precipitadamente, não se prevê as consequências.
O senhor acha que esse livro escrito por Janot deve ser lançado? Ele diz que o ex-presidente Michel Temer pediu para ele não denunciar Eduardo Cunha. Isso pode ser anexado a um processo contra Temer?
Não. Eu penso que o país inteiro tem direito de saber o que acontece no serviço público, mas há detalhes que não precisam ser ditos nem propagados. Se eu fosse escrever os seis anos que passei na PGR, detalhe por detalhe, o que eu passei, conversas com os ministros, minhas conversas com o presidente da República, isso não vai interessar muito para a história. E, como eu disse, como PGR, estou prestando serviço. Exerci a autoridade, fui uma autoridade, mas para prestar serviço, e eu nunca me esqueci disso, tanto é que quando sai, me senti não aliviado, mas com dever cumprido. É difícil dizer isso (sobre Temer) porque aí também se pode ir para cima do PGR e perguntar por que ele não tomou providências em relação a isso, e é por isso que eu acho que essas coisas não devem ser ditas. As suas confidências, próprias do exercício do cargo, ou você toma providência ou não toma.
O atual PGR não foi eleito a partir de uma lista tríplice. O senhor acha que Augusto Aras tem capacidade de amenizar esse clima?
Eu fui PGR sem lista tríplice. Na minha época, não existia. Isso foi criação da própria associação dos PGRs. Não quero criticar a lista, mas também o MP fazer o que fez com relação à lista tríplice, eu não acho que isso seja um caminho legal. Foi feito através de imprensa, de rebelião, de inconformismo. Quando você não se conforma com uma coisa, há instrumentos para fazer isso, a não ser ficar berrando para a sociedade toda que isso está errado, que não vai obedecer. Vai ali no Congresso e pede uma emenda constitucional para prever lista tríplice para procurador-geral da República.
Como vê os vazamentos dos diálogos da Lava-Jato? Pode acabar em punição ao juiz Sérgio Moro e a outros procuradores?
Ou tudo deve ser desprezado?
Não pode (ser desprezado). Se saiu do trilho, tem que consertar. Esse nome não pode continuar, a meu ver, sendo uma entidade paralela ao MP. Nunca poderia ter sido colocado lá (o nome Lava-Jato). É um nome midiático criado pela PF, como vários outros. Esse pegou, e virou uma entidade paralela ao MP, quase que um MP à parte. Isso tudo, para mim, é sair dos trilhos. Toda ultrapassagem de limite legal é, a meu ver, abuso de poder. Não sei se houve porque não acompanho fato a fato, mas, com base no que eu leio na imprensa, com esses vazamentos, que houve excesso, houve. Eu não tenho dúvidas de que saíram do trilho.
A maioria do Supremo já decidiu que os réus delatados devem apresentar as alegações finais
depois dos delatores. Qual sua opinião?
Meu pensamento sempre foi esse. Está errado? no caso específico, eu entendo que delator é acusador. Eles chamam de colaborador, mas é um colaborador que está pretendendo um benefício. Discutimos isso há dois anos e eu disse que não se pode prometer um benefício a alguém e depois querer tirar, depois que ele contou tudo.
Que futuro o senhor vislumbra no caso do ex-presidente Lula, que está para ir para o regime
semiaberto, mas disse que só sai se for inocentado?
Isso é uma das perguntas que eu mesmo me faço, mas não tenho solução. Ir para regime aberto é um direito. E se eu não quiser? Eu quero cumprir regime fechado, ou regime aberto, posso? Eu penso que o juiz, ao decretar regime aberto, você não pode desobedecer, porque também não se pode ficar na cadeia indefinidamente porque você quer ficar, deve haver um motivo. E, se cessou o motivo pelo qual você estava na cadeia, você tem que sair, senão está no lugar indevidamente. O que eu não concordo é que, em regime aberto ou semiaberto, que você use outros instrumentos que cerceiem a liberdade, por exemplo, tornozeleira eletrônica, porque aí você não está em regime semiaberto. Isso é o que eu não concordo, não sei nem se a lei permite ou não, eu acho que não deveria permitir.

*Estagiária sob supervisão de Cláudia Dianni

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