Thaís Moura*
postado em 02/10/2019 18:32
Um dia após afirmar que o grupo de trabalho da Câmara dos Deputados responsável por analisar o pacote anticrime do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, "trucidou" as propostas do projeto, a deputada federal Bia Kicis (PSL - DF) fez diversas críticas ao Judiciário, sobretudo ao Supremo Tribunal Federal (STF), e reforçou que tentará recuperar a "essência" do projeto do ex-juiz. "Felizmente, esse grupo (de trabalho) não tem poder de voto, não é uma comissão, é só uma sugestão feita ao plenário da Casa", disse, nesta quarta-feira (2/10), em entrevista ao programa CB Poder, parceria do Correio com a TV Brasília. Na entrevista, Kicis ainda defendeu uma Suprema Corte "de respeito" e a militarização de escolas do Distrito Federal (DF), criticou o mandato de busca e apreensão na casa do ex-procurador-geral Rodrigo Janot e comentou a relação do ministro da Justiça com o presidente da República. Para ela, a presença de Moro como eventual ministro do STF é um "caminho natural".
Em relação ao pacote anticrime de Moro, a parlamentar acredita que a proposta perdeu a essência no Congresso. "É claro que quando se chega ao parlamento, o projeto vai sofrer alguma alteração, mas era importante manter a essência do projeto, e ele virou um Frankenstein. Teve a questão da prisão em segunda instância, que foi retirada. Com essa história da menina Ágatha (que foi morta com um tiro de fuzil no Rio de Janeiro), usaram isso pra mexer na questão da legítima defesa, do excludente de ilicitude, sendo que uma coisa não tem nada a ver com a outra. Mexeram muito no projeto e apresentam um projeto muito retaliado", defendeu Kicis.
Na quarta-feira passada (25/9), os deputados aprovaram a retirada da chamada excludente de ilicitude da proposta, que eximia policiais de punição em situações de confronto. No entanto, a deputada do PSL afirmou que tentará "devolver a essência do projeto" no plenário. "A gente percebe que a esquerda trabalhou de forma muito forte contra esse projeto. Pelo simples fato de ser do ministro Moro, ele já tem uma predisposição por parte de vários parlamentares que estão envolvidos ou têm colegas, amigos, ou parentes envolvidos na Lava-Jato, mas temos que contar, inclusive, com a pressão da sociedade", acrescentou a parlamentar. Ela também reforçou que estará presente na campanha favorável ao Pacote Anticrime, que se inicia nesta quinta-feira (3/10).
Além da recente decisão do STF que pode anular sentenças da Operação Lava-Jato, como a do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a deputada também criticou a medida da Corte que enquadrou homofobia e transfobia como crimes de racismo. "Eu achava que o ápice era com a criação de um tipo penal sem lei, ou seja, o Supremo, com uma canetada, criar um crime, isso é um abusrdo", constatou Kicis. "O Congresso tipificou racismo, não tipificou a homofobia, não é crime. E cabe ao Congresso decidir se vai tipificar ou não, jamais você cria um crime por analogia. Isso é a lição número um de direito penal: não existe crime sem lei. O Supremo fez isso e eu achei que fosse o fim dos tempos. Mas aí piora, agora ele manda anular sentença judicial que foi feita de acordo com a lei, com base em uma nulidade que só está na imaginação deles", acrescentou ela.
"Não é à toa que se diz que a pior ditadura é a ditadura do Judiciário porque contra essa não há para quem reclamar. Mas estamos em uma situação muito complicada, e eu sou uma pessoa do meio jurídico, sempre defendi as instituições, creio que, para que a gente possa ter uma democracia, precisamos de instituições que funcionem, e precisamos de uma suprema corte de respeito", afirmou a deputada.
Questionada se as recentes declarações do ex-procurador-geral Rodrigo Janot, de que teria cogitado matar o ministro do STF Gilmar Mendes, poderiam prejudicar a Operação Lava-Jato, a parlamentar descartou a possibilidade disso ocorrer. Para ela, o mandato de busca e apreensão na casa do ex-PGR é um "absurdo", já que, em seu entendimento, a cogitação de um crime não é punível. "Hoje, a gente vive uma situação em que, no Brasil, se você cogita um crime pode ter seus bens apreendidos, pode ser alvo de investigação, mas se você comete crime e é condenado, você pode ser solto, como essa decisão do STF que mandou soltar gente já condenada por uma nulidade que não existe na lei, mas por uma mera interpretação. Essa é uma situação inaceitável", criticou a deputada. "Esperamos que haja um mínimo de modulação quanto a essa decisão, porque a incerteza em segurança jurídica na qual a Suprema Corte está jogando o povo brasileiro é digna de registro e de repúdio, como não é a primeira vez."
Em relação ao projeto de lei que define as situações em que será configurado crime de abuso de autoridade, a deputada acredita que o Supremo "pode colocar alguns limites" em relação à derrubada de vetos no projeto. A parlamentar aproveitou o assunto para fazer críticas à proposta. "A gente percebe que esse movimento de limpeza, de combate à corrupção e principalmente combate à impunidade, sofre com ataque de vários lados. Ataque por parte de alguns ministros do Supremo, por parte de alguns parlamentares. Achei lamentável o resultado dessa lei de abuso de autoridade, principalmente quando a gente vê juízes já se manifestando no sentido de soltar traficantes. A lei dá margem a muito subjetivismo, muita interpretação", alegou.
Moro no STF
Sobre a relação do presidente Jair Bolsonaro com o ministro da Justiça Sérgio Moro, Bia Kicis alegou que é preciso retirar qualquer tipo de "especulação" a respeito do relacionamento entre ambos, que segundo ela, é muito positivo. "O presidente Bolsonaro apoia completamente o ministro Moro, o relacionamento deles vai muito bem, e o resto é especulação", disse a parlamentar. Ela também reforçou que o ministro "não é uma pessoa política", e por isso, não acredita em uma eventual candidatura nas eleições de 2022. "Posso estar enganada, mas não vejo essa aspiração dele. Acho que a aspiração dele (de Moro) seja de um dia ir para o STF. Acho que esse seria o caminho natural, porque a população brasileira ficaria muito feliz de ter o ministro Moro no Supremo. Eu quero um Supremo forte, mas para isso precisamos mexer no que está errado", defendeu Kicis.
A respeito dos vazamentos de diálogos entre procuradores da Lava-Jato e o então juiz da força-tarefa, Sergio Moro, a deputada não vê nada que possa prejudicar a imagem do ministro. Ela também criticou os responsáveis pelo hackeamento e divulgação do material. "Não tem nada nos diálogos que pode manchar, riscar, arranhar a imagem do ministro Moro, absolutamente nada. Agora, o que estamos vendo ser apurado em relação a esses hackers, a (jornalista Glenn) Greenwald, ao deputado David Miranda (PSol-RJ), Manuela d;Ávila, aí a gente espera que haja uma punição, porque o crime cometido foi aí. Não foi por Moro, por Dallagnol. Invasão de privacidade, roubo, tudo isso é um absurdo. Nós estamos lutando para ter um país ordeiro, um país onde as leis prevalecem, em que as pessoas que cometem crimes sejam punidas. Como a gente pode conviver com esse tipo de coisa e achar que é normal?", questionou ela.
Para Kicis, que já foi procuradora do DF, o diálogo entre juizes, procuradores e advogados é "comum". "Dentro do que a gente vê hoje de como as pessoas se comportam no mundo jurídico, acho que eles (Moro e procuradores da Lava-Jato) não atravessaram em nada o sinal. E outra, qual é o problema de terem conversado no WhatsApp? Eu fui procuradora do DF, a gente ia até o gabinete do juiz, ele conversava com a gente, conversávamos com a outra parte. É normal você conversar, porque o seu objetivo é que o processo caminhe, é chegar ao final do processo e fazer a justiça. O processo não pode ser o fim em si mesmo. O final é a entrega da Justiça", defendeu ela.
A parlamentar também fez críticas aos advogados do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que segundo ela, "tripudiaram a Justiça". "Que eu saiba, o ministro Moro sempre recebeu os advogados do ex-presidente Lula e todos os outros. Eles não deviam conversar por Whatsapp mas aí é outra história, conversa pessoalmente, e se houve alguma conversa também, eles não divulgaram. Agora, em compensação do outro lado, os advogados do Lula tentaram de tudo, conversaram com ministros do Supremo", alegou Kicis. "Outro dia foi lamentável ver um advogado peticionar para a ministra Rosa Weber, dizendo ;Agradeço a demora no julgamento do processo, mas o cliente já morreu;, enquanto isso os advogados do Lula tripudiando a Justiça, entrando com milhões de recursos, todos eles passando na frente, o Supremo passando os recursos do Lula na frente de todos os outros. E o resto das pessoas que dependem da justiça? Só os advogados do Lula podem tudo? E o juiz Sérgio Moro não pode conversar com o Ministério Público? Isso é um absurdo."
Distrito Federal
Questionada sobre os pontos positivos e negativos da atual gestão do DF, sob mandato do governador Ibaneis Rocha, Bia Kicis afirmou que é preciso "cuidar mais da Polícia Militar (PMDF)". "A Polícia Civil já está mais avançada, estão conseguindo um destaque. O governador tem dedicado mais atenção a Polícia Civil, e acho que precisamos cuidar mais da nossa polícia militar também", defendeu a parlamentar. Em contraponto, ela elogiou o projeto de militarização para as escolas do DF e o foco do governador em "valorizar empresários". "No caso da educação, eu acho um ponto positivo o projeto para as escolas de gestão compartilhadas, que são as escolas militarizadas, acho que isso vai resolver um grande problema de indisciplina em sala de aula, professores que são agredidos por alunos, vemos isso muito", disse Kicis.
"Outro aspecto que tem que estar no foco do governador, e eu acho que é o foco dele, é a questão de valorizar o empreendedorismo, valorizar os empresários, diminuir a burocracia,porque não dá para a gente ficar vivendo só do estado, a máquina tem que diminuir e a gente tem que focar na iniciativa privada", concluiu a deputada.
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*Estagiária sob supervisão de Roberto Fonseca