Politica

Agora estou gostando mais de Brasília

Correio Braziliense
Correio Braziliense
postado em 06/10/2019 04:14



No primeiro semestre eu não gostava muito de Brasília. Mas eu não conhecia nada. Agora estou gostando mais. No começo foi muito difícil, pessoalmente. Profissionalmente, fiz uma boa atuação, trabalhei muito, mas estava me sentindo sozinha. Aqui é diferente. Cresci na periferia de São Paulo. Não foi nem no centro. Moro em uma comunidade nordestina, que muitas portas ficam abertas e tem sempre gente na sua casa. Comunidade é uma coisa muito forte. Quem dava comida e roupa para gente não era o Estado, era a igreja. Me sinto muito sozinha aqui, pois adoro viver com muita gente. Eu tenho 25 anos, quero casar, ter filhos, ser saudável, ter vida. Comecei a mudar algumas coisas. Então, terça-feira de manhã eu comecei a fazer aula de dança com uma professora daqui. Quarta-feira de manhã, estou indo ao Parque da Cidade. Já consegui ir quatro semanas seguidas. Eu sempre vim um pouco mais para cá. Aquela coisa de quem vem segunda faz a pauta, eu acredito um pouco nisso. E, de fato, eu faço muita reunião de pauta segunda. Sempre venho segunda, e vou embora quinta à tarde ou à noite. Eu acabo perdendo tempo que eu poderia ter na agenda em São Paulo, mas como eu não tenho família constituída, tudo bem. Então, sexta e sábado, eu trabalho, e tiro domingo para ficar com minha mãe e com meu irmão. Em resumo: eu estou conseguindo ficar bastante aqui. Faço mercado. Antes eu não estava nem fazendo meu café da manhã. Comecei a entender que eu moro em Brasília. Decorei, montei a rede. Minha mãe comprou cuscuzeira, vou trazer. Botei as plantas, os cactos, porque eu estou vindo morar aqui de verdade. Eu moro em Brasília hoje. Tudo está melhorando, estou me acostumando e começando a gostar da cidade. Recebi um imóvel que liberaram faz uns três meses...


A senhora foi convidada para outros partidos?
Sim, alguns me convidaram, mas não sentei com ninguém. Eu não acho que o PDT foi correto comigo após a votação da Previdência, mas isso não faz com que eu não seja correta com eles. Eu ainda estou filiada. Mas quem precisa dar uma resposta aqui é o PDT, porque eu não pedi para sair do partido. Tenho uma votação bem coerente com a campanha, com o partido... Estava construindo coisas bem legais em São paulo e quero que o PDT diga se me quer no partido ou não.

Se eles disserem que sim, que querem que você fique, qual vai ser seu posicionamento?
Não vou aceitar nenhum tipo de punição. Não houve fechamento de questão (sobre a Previdência). A decisão de votar contra foi tomada antes mesmo de recebermos o texto do governo. Então, não está correto com o estatuto do partido.

O que espera antes de tomar essa decisão?
Não pedi pra sair do partido. A gente tinha um comprometimento de que o PDT em São Paulo fosse o primeiro partido a ter metade da lista feita de mulheres. Colocar mulheres na política é uma das pautas mais caras pra mim. A gente estava recrutando e formando centenas de mulheres, só que agora estamos fazendo isso de forma suprapartidária. Então, eles que digam o que acham disso tudo. Eles começaram.

Essas confusões fazem trazem desânimo em relação à escolha do partido? O PDT é um dos grupos que você gostaria de estar?
Eu não sei se é isso que me deixa desanimada. A vida em Brasília é muito dura. É áspera. E duplamente áspera para as mulheres. Sou muito consciente sobre o que é machismo e nunca me senti tão exposta por ser mulher. Nunca fui tão assediada nem tão criticada, nunca questionaram tanto a minha capacidade, minha inteligência... Nunca inventaram tanta história sobre minha vida pessoal. Comentam até sobre o meu corte de cabelo. Um deputado pegou o microfone para dizer que não sou capaz de relatar um projeto. E aí, não importa o que você estudou, se foi a melhor aluna, a que faculdade você foi... Você é uma mulher jovem na política e isso incomoda muita gente. Então, dá para escrever um tratado sobre ser mulher em Brasília. É muito difícil. Não tem muita gente de centro-esquerda, que topa falar sobre o combate à desigualdade e de ser fiscalmente responsável. Claro que eu fico magoada com as ameaças, com as mensagens pornográficas que recebo diariamente. Mas tenho que tirar forças disso tudo. E, por isso, quero trazer mais meninas, mais mulheres para a política. Se não, continuará sendo estranho ser mulher. Vão continuar me desafiando, me interrompendo, dizendo que tem um homem mandando no meu mandato. Precisamos de mais mulheres. Apresentei um projeto com a deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC). É para começar a discussão, mas impõe que, nos anos eleitorais com duas vagas de senador, a cada oito anos; uma das cadeiras seja para mulheres.

O ambiente machista é maior em Brasília?
Eu estudei astrofísica. Então, entendo um pouco do machismo na Academia. Nas cinco competições que eu fui representando o Brasil, eu era a única menina. Foram cinco mundiais. Tenho alguma experiência de ser a única mulher na sala. E nunca sofri tanta violência quanto agora.

De onde vem essa violência? Dos parlamentares mais jovens, mais velhos?
Isso vem de todo mundo. Das pessoas que colocam a mão no peito para me barrar em uma reunião e tenho de explicar que sou deputada. Tem parlamentares mais velhos e mais novos que querem saber se sou casada com alguém, se meu pai é de família importante, que homem me colocou na política. Vem quando me interrompem, dizem que eu não sou capaz, quando me chamam de burra, de débil mental ; palavras que já usaram no plenário. Vem das redes sociais, onde as pessoas se sentem no direito de me enviar mensagens pornográficas. Que se sentem no direito de me ameaçar de morte, de comentar como estou vestida... É muito violento.

Os ataques nas redes sociais se intensificaram após a votação da reforma da Previdência?
Sim, aumentaram muito. A impressão que eu tenho é que eles vêm de um grupo bem específico. Quando eu vejo, os primeiros comentários são das mesmas pessoas. Devem colocar notificação para saber quando eu posto alguma coisa. Aumentou o nível de ódio depois da reforma da Previdência, mas não sei dizer se são eleitores. Tem uma galera que nem é de São Paulo, mas esses ataques são bem partidários. Você entra no perfil dessas pessoas e sabe de que partido elas são, se têm cargo... Não é população em geral. Eu moro no lugar onde cresci. Conheço as pessoas há 25 anos. Nunca fui abordada na rua. Vou à missa todo domingo, vou todo fim de semana para a minha casa. Então, é muito distante o que acontece nas redes e o que acontece nas ruas. Isso é coisa de partido.

E a participação de mulheres na política ? O que a senhora acha do projeto que permite o corte de 30% de candidaturas femininas?
Eu e 90% da bancada feminina somos completamente contra. Entendo as motivações da Renata Abreu (PODE-SP) ; que apresentou o projeto. Conversamos diversas vezes. Para mim, ter mais mulheres na política não é capricho. Estou comprometida com um país que tem políticas sociais melhores, políticas econômicas melhores... Que as meninas possam sonhar o mesmo que os meninos. Não vou aceitar que a gente tenha nenhum tipo de retrocesso. Por que não colocar cotas no parlamento, nas cadeiras? Vários países já mostraram que funciona. É um pouco do projeto que mostramos agora para as vagas do Senado. Não dá para flexibilizar. Se você não forma as mulheres, não dá espaço e dinheiro, elas vão duvidar das próprias candidaturas. Não é porque elas não querem, é porque têm de andar 10 km a mais que os homens para se candidatar. É muito mais difícil.

Existe uma ruptura entre a Câmara e o Senado sobre a agenda econômica do governo. Há disputa por protagonismo?
Eu fiz essa mesma pergunta para um senador. Não sei a resposta. Mas, na leitura dele, é que não. Até a discussão que ocorreu entre o Cid (Gomes, senador do PDT pelo Ceará) e o Arthur Lira (PP-AL) ; sobre a divisão do dinheiro proveniente da venda de petróleo do pré-sal ; ficou entre eles dois, não evoluiu para os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). Então, a impressão que eu tenho é que não existe essa briga entre as Casas. Quando a gente falou do Fundeb e da Previdência, vi as coisas fluírem muito bem. Tínhamos uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) para a Previdência com o Felipe Rigoni (PSB-ES) sobre um fundo especial para crianças. A gente esquece que seguridade é para todos os vulneráveis, o que inclui as crianças. Não conseguimos emplacar na Câmara, mas foi para o Senado. E isso me deixou feliz. Às vezes, o que respinga nessas questões são as trapalhadas do Executivo. Essa questão de eles quererem associar a reforma do Estado com a reformulação do Pacto Federativo, por exemplo, me parece mais uma confusão do Executivo.

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