Politica

Com uma possível CPI, Congresso Nacional mira o Supremo Tribunal Federal

Decisões do STF, que pode vir a ser alvo de CPI, vêm causando turbulências políticas, principalmente entre a base governista

Renato Souza, Luiz Calcagno
postado em 07/10/2019 06:00

Bia Kicis vê ''ativismo judiciário'' na atuação dos magistradosNos últimos meses, decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) consideradas controversas vêm causando turbulências no mundo político e no meio jurídico. A corte é alvo de críticas no Congresso Nacional e há risco, inclusive, de se tornar o centro de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre abusos do poder Judiciário. Entre os deputados e senadores indignados com o tribunal, estão, principalmente, os governistas.


A polêmica mais recente gira em torno da prisão em segunda instância. O presidente do Supremo, Dias Toffoli, pretende levar à Corte, ainda em outubro, três Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) que questionam a possibilidade de prisão após condenações em segunda instância. Se os ministros decidirem que a restrição de liberdade do réu nesses casos é inconstitucional, presos com recursos em tribunais superiores devem ser liberados em todo o país. A medida poderá beneficiar o ex-presidente Lula.

Toffoli também pode marcar, para a mesma sessão, a votação que vai fixar a tese sobre quem será beneficiado com a possibilidade de anular condenações em decorrência da ordem em que foram apresentadas as alegações finais nos julgamentos da Lava-Jato. Em outro caso, em março deste ano, o presidente do Supremo anunciou a abertura de um inquérito para investigar ;ataques e fake news contra a Corte;. O ministro Alexandre de Moraes foi nomeado relator do caso. A medida, que já começou polêmica, levantou ainda mais controvérsia quando o próprio STF emitiu mandados de busca e apreensão e determinou que fossem cumpridos pela Polícia Federal. Os primeiros alvos foram cidadãos comuns e autoridades, como o general do Exército Paulo Chagas, que foi candidato ao governo do Distrito Federal nas eleições do ano passado.

O ponto mais turbulento do inquérito ocorreu quando o Supremo determinou a retirada do ar de duas reportagens que criticavam Toffoli. Na determinação, havia a informação de que se tratavam de informações falsas. No entanto, o conteúdo da publicação, que ligou Toffoli à lista da Odebrecht, revelou-se verdadeiro em poucos dias. A medida foi suspensa após um documento com esse teor ser identificado no curso das investigações.

O mesmo inquérito foi utilizado no fim do mês passado para a determinação de um mandado de busca contra o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot, que afirmou ter entrado armado no Supremo para matar o ministro Gilmar Mendes. As declarações foram suficientes para que Janot recebesse, em casa, uma equipe da PF, que recolheu computadores, celulares e uma arma de fogo que ele utilizava, com autorização do poder público.

Homofobia

Em junho, ao analisar uma Ação Direta por Omissão (ADO), o Supremo decidiu equiparar a homofobia e a transfobia ao crime de racismo. A Corte entendeu que o Legislativo demorou para estabelecer punições para quem comete ataques verbais ou físicos contra integrantes da comunidade LGBT. Uma série de parlamentares, ligados à bancada evangélica ou da base do governo, fizeram uma romaria até o Tribunal para tentar barrar o avanço do julgamento.

Com a medida aprovada, parlamentares chegaram a ameaçar suspender a decisão via decreto legislativo. Uma das adversárias da Corte no Congresso, a vice-lider do PSL na Câmara, Bia Kicis (DF), chama a atuação dos magistrados de ;ativismo judiciário;.

;Na questão da criminalização, o STF desconsiderou o mais basilar princípio do Direito Penal. Não existe crime sem lei anterior que o defina. Isso é uma violação. O brasileiro não tem mais a segurança de que uma atitude sua não possa ser considerada crime pelo judiciário, mesmo sem lei;, argumentou. Segundo ela, há um grupo de parlamentares trabalhando em um projeto de lei que dê poder para o Congresso sustar ;decisões judiciais que ultrapassem o limite do Supremo e invadam as atribuições do Legislativo;.

Luz à polêmica

O jurista Adib Abdouni, pós-doutor em Direito Constitucional pela Universidade Sorbonne (França), entende que, mesmo diante das polêmicas, o Supremo apenas cumpriu obrigações legais e atuou dentro dos limites previstos na Constituição, inclusive no episódio do inquérito aberto por Toffoli. ;Dentro do contexto, havendo ameaça a algum membro do Supremo, ele é competente para instaurar esse inquérito e requerer que a Polícia Federal investigue o caso. A partir do momento em que membros do STF se sentem ameaçados, não existe impedimento. Mas é claro que precisa ter critérios. Entendo que a busca e apreensão do Rodrigo Janot foi viável, porque a manifestação dele gera um risco, induz ao crime;, disse.

Sobre a criminalização da homofobia, para o especialista, o Judiciário agiu para fechar uma lacuna deixada pelo Congresso. ;O crime de racismo é previsto na lei e a homofobia pode ser interpretada dessa forma. É uma questão de gênero, que cabe, sim, adequar à norma penal. A ADO (Ação Direta por Omissão) está prevista na lei, pode ser feita. Em toda omissão do Legislativo, o Judiciário precisa adequar. Só não pode ir contra a legislação. Essa medida deu um impacto positivo na sociedade.;

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