Jornal Correio Braziliense

Politica

Para não pagar a conta da falta de infraestrutura

É o setor privado que deveria ocupar o máximo possível do espaço que hoje se abre para os agentes econômicos que atuam na área

De tão óbvio, deveria ser desnecessário por muita ênfase na defesa da expansão da infraestrutura (transportes inclusive portos, energia, telecomunicações, saneamento etc.). Estudos demonstram que, além de ampliar a capacidade de produção, reduzir a pobreza e melhorar a distribuição de renda, investimentos em infraestrutura aumentam a produtividade (ou turbinam o motor do crescimento) mais que em quaisquer outras áreas.

Na década de 1980, os investimentos brasileiros em infraestrutura somavam valores ao redor da média de 5,2% do PIB desse mesmo período, sabendo-se que, sem investir algo ao redor dessa marca, o país não tiraria jamais a diferença entre o seu estoque de infraestrutura e o da média dos países emergentes. E que, para meramente cobrir a depreciação do estoque existente, precisaria investir pelo menos 2% do PIB, algo que não está acontecendo nos dias de hoje.

Com efeito, até meados dos anos 1990, esses mesmos investimentos desabariam para o ponto mínimo de 1,3% do PIB. Recuperariam-se, numa certa medida, por volta do Plano Real, diante da nova ênfase conferida às concessões privadas; mas voltariam a desabar no início dos anos 2000. E de lá para cá vêm se recuperando precariamente, não havendo, ainda, indícios claros de que estejamos entrando num novo ciclo relevante de sua retomada.

Ou seja, nesse quesito, que é crucial para a retomada do crescimento econômico, a situação do país está abaixo do desejável. Por trás disso, o investimento público vem desabando de forma firme e sistemática há bastante tempo. Já o comportamento da parcela privada tem alternado anos bons e ruins.

Como mesmo no plano federal, principal responsável pela retomada do crescimento da economia, inexiste até agora um caminho crível para a retomada desses investimentos, é o setor privado que deveria ocupar o máximo possível do espaço que hoje se abre para os agentes econômicos que atuam na área. (Não que inexistam propostas para equacionar o problema da escassez do investimento público. O novo governo é que não se manifestou ainda com clareza como pretende fazer isso).

Aqui reina uma das maiores contradições que permeiam a evolução econômica brasileira. É crescente a percepção, entre os analistas, de que condições mínimas devem ser criadas para a inversão privada prosperar no setor, mas em várias situações os dirigentes públicos têm agido como se o objetivo correto fosse exatamente o oposto.

Em parte, isso se deve à natural resistência da população a arcar com qualquer parcela dos custos dos serviços de infraestrutura, tanto mais forte quanto mais explícitos eles sejam. Já os políticos não enfrentarem isso é, contudo, uma atitude tipicamente populista, e infelizmente muito comum em nossas bandas.

Na verdade, ao assinarem a Constituição de 1988, os políticos da época não explicaram direito à população que os recursos públicos destinados à infraestrutura se reduziriam fortemente, para ceder lugar a outras prioridades, tais como pessoal, previdência e assistência social. Por isso, os investimentos federais (basicamente, em infraestrutura), que em 1987 representavam 16% do gasto não financeiro da União, hoje alcançam apenas 2,8% do total. Foi uma queda real e efetiva de quase seis vezes num período relativamente curto.

Nas demais esferas, eles praticamente desapareceram, apesar de a base de incidência dos antigos impostos únicos federais (antes vinculados a infraestrutura), ter sido anexada à do ICMS, ainda que sem a mesma vinculação. Mas nem que fosse apenas implicitamente, estava decretado que o setor privado é quem assumiria papel cada vez mais relevante na expansão do segmento de infraestrutura.

O lamentável é que, no afã de angariar apoio da população que vota nas eleições de hoje, parte relevante dos dirigentes do momento aja, sem aceitar que esteja fazendo isso, sistematicamente em favor de reprimir o esforço de investimento oriundo do setor privado. Destaque-se, aqui, a resistência a implementar reequilíbrios de contratos de concessão, especialmente quando levam a custos explicitamente mais elevados para os usuários, mesmo que sua causa esteja prevista nos contratos originais (ou se justifiquem como se lá estivessem, como quando a maior recessão de nossa história assolou recentemente o país). Nesses termos, as concessionárias são obrigadas a recorrer à Justiça para tentar obter seus direitos, num país onde esta é reconhecidamente muito lenta. Mesmo se estimando que um dia o agente privado terá seus direitos reconhecidos, isso cria (e posteriormente eleva) um passivo financeiro de monta contra ele.

Ninguém cuidou ainda de apurar a quanto monta esse passivo, ainda que antes da decisão judicial. Mas hoje o que se sabe já é suficiente para desestimular os potenciais interessados nos leilões de concessão, especialmente os novos entrantes no mercado brasileiro, naturalmente mais ressabiados. E a conta dramática da falta de infraestrutura vai recaindo, assim, cada vez mais sobre a população, especialmente os menos favorecidos.