A julgar pelos últimos acontecimentos e decisões tomadas por alguns deputados e senadores, os partidos políticos correm o risco de se reduzirem a uma insalubre sopa de letrinhas no Congresso. Evidenciada pela declaração do presidente Jair Bolsonaro, que mandou apoiadores ;esquecerem o PSL; ; legenda que o elegeu na disputa pelo Palácio do Planalto, a crise dos partidos fez com que lideranças do Congresso vissem, com preocupação, o que é mostrado desde o início do mandato, há 10 meses: a estrutura das legendas, como conhecemos, está em franca decadência.
O atrito entre os líderes e bancadas, fortalecido pela briga de Jair Bolsonaro com o PSL, deixou rastros nas estruturas partidárias desde o surgimento da ;nova política;, que prega maior independência dos detentores de mandato, mais influência das redes sociais e menor participação das siglas. Para uma legislatura tão curta, o tempero está forte: houve casos de expulsão; desobediência à orientação da bancada; aliados que se tornaram rivais; busca por protagonismo; e, contra tudo o que foi falado na nova política, exemplos de carreirismo eleitoral, um dos mais antigos hábitos da velha política.
;O enfraquecimento da imagem dos partidos ocorre por várias razões, como o grande número de legendas disponíveis, a facilidade de filiação e uma crise existencial pela volatilidade dos temas;, acredita o cientista político Ivan Ervolino, criador da startup de monitoramento legislativo SigaLei. Nos últimos anos, acredita, os partidos afrouxaram as agendas para votar conforme ;a maré dos interesses;, o que descreditou as estruturas políticas. ;Deputados do mesmo partido discordam em temas de recorte estadual, como a reforma tributária; há disputa de recursos e, no fim, isso traz grande enfraquecimento à agenda transversal que havia antigamente.;
Ervolino lembra que, embora os partidos estejam sem força perante a independência dos novos congressistas, ficar sem legenda pode ser prejudicial ao mandato. ;Sem vaga em uma legenda, o parlamentar fica sem cadeiras em comissões, perde apoio e até funções dentro e fora do Congresso. Sem isso, o mandato deixa de ser aglutinador;, pondera. Ele apresentou, com exclusividade ao Correio, um gráfico que analisa a fidelidade partidária na Câmara dos Deputados. ;As votações não têm trazido tantos problemas em se tratando de temas gerais. Embora a fidelidade esteja em alta, colocou-se em xeque os temas mais ideológicos. E são eles que trazem desafios de verdade;, completa.
O presidente Bolsonaro, cita Ercolino como exemplo, mudou de partido oito vezes em três décadas. ;A maioria dessas vezes foi justamente pelo alinhamento político do momento. Nas votações ;menores;, ele estava com o partido. Mas, quando pensava muito diferente, acabava saindo alegando ;conflito de ideias;. É isso que enfraquece de verdade;, afirma.
Bases frágeis
Para o cientista político Creomar de Souza, da Dharma Consultoria, as bases dos partidos estão muito frágeis. ;As pessoas se reúnem em votações especiais, mas não compram as ideias das legendas, o que rompe a tradição dos partidos;, explica. Outro problema que o especialista aponta é a forma de distribuição dos recursos, como os fundos eleitoral e partidário. ;Esse dinheiro serve para pagar a estrutura eleitoral e as bancadas não demonstram sabedoria ao fazê-lo. Deputados e senadores são marcadores do recurso recebido, mas quem controla a verba é o presidente do partido. E esse modelo não tem funcionado;, acrescenta.
Conflitos recentes
Atritos entre os partidos e os detentores de mandato têm demonstrado a falta de força das legendas nesta legislatura. Veja alguns exemplos:
; Deputado Alexandre Frota (PSDB-SP), então apoiador do presidente Bolsonaro, deixou o PSL rumo à legenda tucana por sentir-se relegado. Então aliado do governo, o parlamentar tornou-se um dos maiores críticos do Planalto após ser expulso do partido.
; A inércia do PDT, que colocou Tabata Amaral (SP) na geladeira após ela se posicionar diferentemente da orientação do líder (ela votou a favor da reforma da Previdência), fez com que a deputada cobrasse publicamente um posicionamento do partido, que a ameaçou de expulsão.
; Sem perspectiva de apoio caso decida disputar as eleições municipais pelo PSL em 2020, a líder do governo no Congresso, deputada Joice Hasselmann (SP), namora com o DEM e pode ser uma nova baixa na sigla.
; Em busca de protagonismo, deputados Alessandro Molon (PSB-RJ) e Júlio Delgado (PSB-MG) tentam conquistar apoio às ideias entre os colegas, causando um racha no partido, que já pediu aos dois que ;concentrem as forças fora da legenda;.