Renato Souza
postado em 16/10/2019 06:00
À medida que se aproxima o julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) que vai decidir sobre a constitucionalidade da prisão em segunda instância, nesta quinta-feira (17/10), o debate sobre o assunto ganha intensidade. Nesta terça-feira (15/10), o Fórum Nacional de Juízes Criminais (Fonajuc) divulgou nota afirmando que, caso o tribunal derrube o entendimento que vem mantendo desde 2016, o Brasil pode se tornar ;o único país de todos os Estados-membros das Nações Unidas (ONU) a não permitir a prisão após condenação em primeira ou segunda instâncias, acarretando graves consequências para a sociedade brasileira;.Segundo a entidade, composta de magistrados estaduais, federais e militares de todas as regiões do país, a prisão em segunda instância não contraria a Constituição. Na nota, o Fonajuc afirma que essa sempre foi a interpretação do STF, em toda sua história, com exceção do período entre 2009 e 2016. E acrescenta que a reversão desse entendimento ;acarretaria a soltura imediata de mais de 164 mil presos condenados em segunda instância por crimes graves a penas superiores a oito anos de reclusão;.
O STF deve julgar amanhã três ações diretas de constitucionalidade apresentadas pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), pelo PCdoB e pelo Patriotas, respectivamente. As ações pedem que seja declarado constitucional o texto do artigo 283 do Código de Processo Penal, que estabelece que ;ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva;.
Se o texto for validado pelo Supremo, a pena poderá ser aplicada, num grande número de casos, somente após o fim do processo, ou seja, quando todos os recursos forem julgados por todas as instâncias do Poder Judiciário. Nesse caso, detentos de todo o país podem ser liberados, inclusive nomes ligados à Lava-Jato, como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O ministro Alexandre de Moraes, do STF, rebateu as críticas que vem sendo feitas à Corte em relação à possibilidade de soltura de milhares de detentos. De acordo com o magistrado, pessoas condenadas por crimes graves, como estupradores e homicidas, não seriam beneficiados caso o Supremo mude o entendimento e decida proibir a prisão em segunda instância. Nos bastidores do tribunal, outros ministros também criticaram avaliações sobre o impacto da medida.
A decisão, dizem fontes do tribunal, não terá validade para quem cumpre prisão temporária, decretada no curso da investigação policial, que pode ser de cinco dias, prorrogáveis por igual período, nos casos de crimes simples, ou de 30 dias, prorrogáveis por mais um mês no caso de crimes hediondos (contra a vida). Quem estiver em prisão preventiva, que pode ser decretada em qualquer fase do processo ou da investigação e não tem prazo para terminar, também não poderá ser solto.
Desserviço
Para Moraes, a amplitude do efeito, caso o Supremo mude seu entendimento sobre o momento da prisão, será menor do que está sendo propagado. ;O homicida vai ser solto? O homicida fica preso desde o flagrante. Não tem nada a ver. Depois, vem a sentença de primeiro grau, ele continua preso. Um estuprador vai ser solto por causa disso? O estuprador fica preso desde o flagrante. É um desserviço que estão fazendo atrapalhando a discussão;, afirmou.
No entanto, quando o STF mudou o entendimento, em 2009, a decisão beneficiou com a impunidade um fazendeiro que deu cinco tiros num rapaz que, supostamente, estava ;cantando; a mulher dele. Recurso após recurso, o réu empurrou o processo adiante até a prescrição da pena. Agora, Moraes acusa quem se posiciona contra o fim da prisão em segunda instância de politizar a questão.
;Politizou-se uma coisa que é jurídica, falando-se que, por causa de uma pessoa, podem ser soltos 139 mil. Vai olhar, 42% são detentos com prisão preventiva decretada. Dos outros, quase 90% já têm trânsito em julgado;, completou.
Para o presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), Victor Hugo, a derrubada da prisão em segunda instância pode beneficiar pessoas condenadas por crimes graves. Em nota, a entidade, que representa mais de 14 mil procuradores e promotores de Justiça, manifestou-se contra a revisão da interpretação do Supremo sobre o tema. ;A eventual reversão desse entendimento implicaria evidente retrocesso jurídico, dificultando a repressão a crimes, favorecendo a prescrição de delitos graves, gerando impunidade e, muitas vezes, até inviabilizando o trabalho desenvolvido pelo Sistema de Justiça Criminal e, em especial, pelo Ministério Público brasileiro no combate à macrocriminalidade;, diz trecho da nota divulgada pela associação.
Em julgamentos anteriores, Moraes se posicionou a favor da prisão a partir de segunda instância, mas indica ter mudado de opinião. Outros ministros, ouvidos sob a condição de anonimato, acreditam que haverá maioria para derrubar o entendimento atual do Supremo. A Corte está diante de três alterativas: manter a situação atual, permitindo o cumprimento da pena após condenação em segunda instância; decidir que a prisão poderá ocorrer a partir de condenação no Superior Tribunal de Justiça (STJ), tese apoiada pelo presidente do STF, Dias Toffoli; ou seguir por uma linha mais profunda, deixando livre todos os que ainda têm recursos pendentes na Justiça. Neste caso, o ex-presidente Lula e outros réus da Lava-Jato seriam beneficiados.
Dois votos contra Geddel
O ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), acompanhou o relator do caso, Edson Fachin, e votou pela condenação do ex-ministro Geddel Vieira Lima e do irmão dele, o ex-deputado Lúcio Vieira Lima. Ambos são acusados pela ocultação de R$ 51 milhões encontrados no apartamento ligado a Geddel em Salvador. ;Estão plenamente comprovados nos autos a materialidade e a autoria do delito de lavagem de dinheiro e de associação criminosa;, disse o ministro durante o julgamento. Após o voto dele, a sessão da Segunda Turma foi suspensa pela ministra Cármen Lúcia e deve ser retomada posteriormente. O adiamento ocorreu para dar lugar a outros processos que estavam parados.