Rafaela Gonçalves*
postado em 16/10/2019 20:05
[FOTO1]Para o ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4; Região (TRF-4) e ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Gilson Dipp, a afirmação de que uma mudança de entendimento sobre a prisão em segunda instância pode libertar centenas de milhares de presos no país é "terrorismo jurídico".
"(Uma alteração) não vai atingir 160 mil pessoas. Isso é terrorismo intelectual, terrorismo jurídico. Cada caso vai ser apreciado, dado dois exemplos: o ex-governador Sérgio Cabral e o ex-deputado Eduardo Cunha... Esses não têm condenação com trânsito julgado, mas não serão postos em liberdade porque estão presos por outros motivos, requisitos que já estão na lei", afirmou.
;As estatísticas que começaram com o CNJ são estatísticas frias. Eu não tenho a menor dúvida de que esses números não condizem com a realidade", acrescentou, em entrevista nesta quarta-feira (16/10) ao programa CB.Poder, do Correio e da TV Brasília (assista à integra do programa abaixo).
Nesta quinta-feira (17/10), o Supremo Tribunal Federal (STF) começa a julgar três ações que questionam a constitucionalidade da prisão logo após condenação em segunda instância. Para Dipp, que foi ainda corregedor nacional de Justiça e idealizador das varas especializadas em julgar crimes de lavagem de dinheiro e combate ao crime organizado, dá-se muito mais atenção ao tema do que ele de fato merece, sob o ponto de vista jurídico.
[SAIBAMAIS]"Há muita expectativa no mundo jurídico e político por uma questão que já vem sendo observada, julgada e debatida há muito tempo. Eu diria que essa discussão só está tendo essa repercussão em função, primeiro, da Lava-Jato e, em segundo, pela possibilidade do ex-presidente Lula vir a sair da prisão", disse.
Para o jurista, qualquer decisão que sair do STF será boa para a normalidade jurídica do país. "A partir da decisão do Supremo, seja qual for, a normalidade jurídica voltará a estar presente no debate político e jurídico brasileiro", ressaltou.
Lula seria solto?
Questionado da soltura imediata do ex-presidente Lula caso o STF vote contra a prisão após segunda instância, Dipp disse que essa possibilidade não pode ser descartada. "O caso do presidente Lula também vai ser apreciado dentro das circunstâncias do processo", disse.
E prosseguiu: "Ele foi preso em função da condenação do triplex do Guarujá por uma decisão do TRF-4, que editou uma súmula que, com o trânsito em julgado automaticamente, iria à prisão. A decisão do Supremo, que o relator foi o ministro Teori Zavascki, não disse que era automática em todos os casos a prisão em segundo grau. Poderia haver a prisão com a condenação a segundo grau, é aquilo que eu disse a vocês, esse poderia há em determinados casos outros fundamentos para a prisão que não apenas a condenação. No caso do presidente Lula me parece que o fundamento único foi esse e em tese ele poderá sim ser solto, como poderia ser solto através da progressão de regime".
Dipp também comentou o processo no qual a defesa de Lula pede sua liberdade alegando que o então juiz Sérgio Moro era suspeito para julgar o ex-presidente. Para o jurista, os vazamentos de diálogos podem influenciar na decisão. "O habeas corpus que fundamenta o pedido de suspeição é muito anterior ao vazamento do The Intercept. A defesa juntou e eu acho que, evidentemente, o juiz não está fora do mundo e alheio aos fatos. Esses diálogos são muito graves, foram obtidos de forma ilícita sim, e não podem ser usados como prova. (Mas) o conteúdo dessas interceptações nunca foram desmentidos e, consequentemente, isso, de forma direta ou possivelmente de forma indireta, vai sim influenciar e já está influenciando na intenção do julgador que vai examinar o habeas corpus completo."
Acertos e abusos da Lava-Jato
Dipp ainda declarou que são evidentes os abusos e excessos cometidos durante a operação Lava-Jato. "Eu digo que é a operação de enfrentamento à corrupção e lavagem de dinheiro mais bem-sucedida do mundo, não tenho dúvida. Mas, agora, é claro, ficou evidente e não é de hoje, que muitos abusos foram cometidos, e esses excessos, talvez até pela grandiosidade da operação, ficaram muito evidentes. Agora com essas interceptações se vê que os procuradores tinham sim ideologia política", avaliou.
Entrevista com Gilson Dipp na íntegra:
*Estagiária sob supervisão de Humberto Rezende