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Prisão após segunda instância: PGR alerta para ''triplo retrocesso''

Parecer da Procuradoria-Geral da República encaminhado aos ministros do STF afirma que derrubar a possibilidade de réus começarem a cumprir pena após condenação em segunda instância pode colocar em xeque a estabilidade jurídica no país e a credibilidade da Corte

Luiz Calcagno, Renato Souza
postado em 18/10/2019 06:00

[FOTO1]Em memorial encaminhado aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), a Procuradoria-Geral da República (PGR) afirma que derrubar a possibilidade de prisão de réus após a condenação em segunda instância, que começou a ser julgada nesta quinta-feira (17/10), representaria um ;triplo retrocesso; no sistema jurídico, que atingiria, inclusive, a credibilidade depositada pela sociedade brasileira na Corte. O documento é assinado pelo vice-procurador-geral da República, José Bonifácio de Andrada, que deve falar em nome do Ministério Público Federal (MPF) na sessão do STF da próxima quarta-feira.


De acordo com a Procuradoria, mudar a atual jurisprudência do tribunal ; que permite a prisão após condenação em segunda instância ; seria um retrocesso para o sistema de precedentes do Judiciário, que perderia ;em estabilidade e segurança jurídica e teria sua seriedade posta em xeque;. A mudança seria prejudicial também ;para a persecução penal no país, que voltaria ao cenário do passado e teria sua efetividade ameaçada por processos infindáveis;, recursos protelatórios e ;penas massivamente prescritas;. Por fim, seria ruim ;para a própria credibilidade da sociedade na Justiça e na Suprema Corte, como resultado da restauração da sensação de impunidade;, sustenta a PGR.

Código

No julgamento iniciado nesta quinta-feira (17/10), os 11 ministros da Corte analisam três ações diretas de constitucionalidade que contestam a prisão em segunda instância. Elas pedem a validação do artigo 285 do Código de Processo Penal, que afirma que ;ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva;.

As ações foram apresentadas pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e pelos partidos Patriota e PCdoB. Ao abrir a sessão, o presidente do Tribunal, ministro Dias Toffoli, tentou amenizar a polêmica criada em torno do caso. Sem citar diretamente o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ; um dos que poderão ser beneficiados pela eventual mudança no entendimento do Supremo ; Toffoli declarou que o julgamento não tem como objetivo afetar ;nenhuma situação particular;.

Na sessão desta quinta-feira (17/10), falaram advogados das instituições que entraram com as ações e representantes de entidades que se declararam e foram aceitas pelo tribunal como interessadas no tema. Na próxima semana, a Procuradoria-Geral da República (PGR) e a Advocacia-Geral da União (AGU) devem se manifestar no plenário, e, por fim os ministros revelarão seus votos.

Encarceramento

O advogado Héracles Marconi, que representa o Patriota, destacou que a legenda, que defendia o encarceramento apenas depois de examinados todos os recursos possíveis, mudou de opinião e, agora, entende que a prisão em segunda instância é um mecanismo para combater a criminalidade. ;Na ação penal n; 470 (processo do mensalão) houve um único grau de jurisprudência. Na Lava-Jato, houve um duplo grau. Uma pessoa, da qual não vou falar o nome, foi condenada e está presa. Houve a quebra de um paradigma. É preciso ter uma resposta satisfatória desta Corte aos anseios da sociedade;, disse.

Atuando pelo Conectas, organização que luta pela proteção aos direitos humanos, a advogada Silvia Souza, expressou visão contrária, afirmando que a prisão antes do fim do processo prejudica as pessoas mais pobres e, principalmente, as de pele negra. ;Um debate tão sério quanto a relativização da presunção de inocência tem sido pautado como se afetasse apenas os condenados de colarinho-branco, quando, na verdade, nós sabemos muito bem que o aparato penal do Estado se endereça aos pretos, pobres e periféricos;, sustentou.

O advogado Juliano Breda, da OAB, afirmou que o Código de Processo Penal recebeu a chancela do Poder Legislativo, a quem pertence a atribuição de criar leis e regulamentar os artigos da Carta Magna. ;O entendimento da OAB é no sentido de reafirmação da Constituição, da independência e da liberdade do poder Legislativo;, disse.

Marco Aurélio prevê mudança

O ministro Marco Aurélio Mello, relator das ações apresentadas ao STF contra a prisão em segunda instância, leu seu parecer sobre o caso, embora ainda não tenha votado. No entanto, antes da sessão se iniciar, o magistrado arriscou uma previsão sobre qual será o resultado do julgamento, que deve ser conhecido na próxima semana. Para ele, pelo menos sete integrantes do plenário apoiam a revisão do entendimento atual da Corte sobre o assunto. ;Sete a quatro é o meu palpite;, disse.

Embora não tenha declarado o voto, Marco Aurélio deve ser um dos ministros a apoiar o fim da prisão em segunda instância. ;Eu costumo julgar os colegas por mim, às vezes sou otimista em excesso. É apenas a minha percepção, eu sempre acredito no melhor;, declarou. Ele acrescentou que seu voto tem entre sete e oito páginas e deve demorar cerca de 30 minutos para ser lido no plenário.

Ao ler o relatório, Marco Aurélio chegou a criticar Toffoli por ter derrubado, no final do ano passado, uma decisão tomada por ele que determinava a soltura, em todo o país, de presos que cumprem pena por terem sido condenados na segunda instância. Na época, Toffoli argumentou que a liminar acarretaria a soltura de 169 mil presos, com efeitos negativos sobre a sociedade. Para Marco Aurélio, porém, Toffoli exorbitou do poder.

;É inconcebível visão totalitária e autoritária no Supremo. Os integrantes ombreiam, apenas têm acima o colegiado. O presidente é coordenador e não superior hierárquico dos pares;, argumentou. Toffoli não rebateu, mas ao final elogiou o parecer do colega e disse que o fez ;ter mais respeito; por ele.

Contrário à prisão após o julgamento em segunda instância, o criminalista e professor de direito penal e econômico da Escola de Direito do Brasil João Paulo Martinelli divide o julgamento em dois aspectos. Ou os ministros do STF levam em consideração o que diz à Constituição Federal, ou fazem uma leitura consequencialista. ;Não tem dúvidas do que está escrito ali. Eu sempre concordei com a posição de que o trânsito em julgado é que define quando se executa a pena. Não se altera nem com emenda. Somente uma nova Constituição. E o entendimento atual está em desacordo;, afirmou.

A professora Vera Chemim, constitucionalista e mestre em direito público administrativo pela Fundação Getúlio Vargas, tem visão diferente. ;Do ponto de vista jurídico, considero que o princípio da presunção da inocência não é afrontado pela prisão em segunda instância. Isso porque somente a primeira e segunda instâncias examinam os fatos e provas. A partir daí, de acordo com o ordenamento jurídico brasileiro, a defesa do réu só vai interpor recurso junto ao STJ se algum tipo de lei federal tiver sido afrontada no processo. A partir do momento que os fatos e as provas foram corroborados na segunda instância, o réu é culpado;, argumentou.

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