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Para PGR, mudar prisão seria triplo retrocesso

Parecer da Procuradoria-Geral da República encaminhado aos ministros do STF afirma que derrubar a possibilidade de réus começarem a cumprir pena após condenação em segunda instância pode colocar em xeque a estabilidade jurídica no país e a credibilidade da Corte

Correio Braziliense
Correio Braziliense
postado em 18/10/2019 04:04
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Em memorial encaminhado aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), a Procuradoria-Geral da República (PGR) afirma que derrubar a possibilidade de prisão de réus após a condenação em segunda instância, que começou a ser julgada ontem, representaria um ;triplo retrocesso; no sistema jurídico, que atingiria, inclusive, a credibilidade depositada pela sociedade brasileira na Corte. O documento é assinado pelo vice-procurador-geral da República, José Bonifácio de Andrada, que deve falar em nome do Ministério Público Federal (MPF) na sessão do STF da próxima quarta-feira.

De acordo com a Procuradoria, mudar a atual jurisprudência do tribunal ; que permite a prisão após condenação em segunda instância ; seria um retrocesso para o sistema de precedentes do Judiciário, que perderia ;em estabilidade e segurança jurídica e teria sua seriedade posta em xeque;. A mudança seria prejudicial também ;para a persecução penal no país, que voltaria ao cenário do passado e teria sua efetividade ameaçada por processos infindáveis;, recursos protelatórios e ;penas massivamente prescritas;. Por fim, seria ruim ;para a própria credibilidade da sociedade na Justiça e na Suprema Corte, como resultado da restauração da sensação de impunidade;, sustenta a PGR.

Código
No julgamento iniciado ontem, os 11 ministros da Corte analisam três ações diretas de constitucionalidade que contestam a prisão em segunda instância. Elas pedem a validação do artigo 285 do Código de Processo Penal, que afirma que ;ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva;.

As ações foram apresentadas pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e pelos partidos Patriota e PCdoB. Ao abrir a sessão, o presidente do Tribunal, ministro Dias Toffoli, tentou amenizar a polêmica criada em torno do caso. Sem citar diretamente o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ; um dos que poderão ser beneficiados pela eventual mudança no entendimento do Supremo ; Toffoli declarou que o julgamento não tem como objetivo afetar ;nenhuma situação particular;.

Na sessão de ontem, falaram advogados das instituições que entraram com as ações e representantes de entidades que se declararam e foram aceitas pelo tribunal como interessadas no tema. Na próxima semana, a Procuradoria-Geral da República (PGR) e a Advocacia-Geral da União (AGU) devem se manifestar no plenário, e, por fim os ministros revelarão seus votos.

Encarceramento
O advogado Héracles Marconi, que representa o Patriota, destacou que a legenda, que defendia o encarceramento apenas depois de examinados todos os recursos possíveis, mudou de opinião e, agora, entende que a prisão em segunda instância é um mecanismo para combater a criminalidade. ;Na ação penal n; 470 (processo do mensalão) houve um único grau de jurisprudência. Na Lava-Jato, houve um duplo grau. Uma pessoa, da qual não vou falar o nome, foi condenada e está presa. Houve a quebra de um paradigma. É preciso ter uma resposta satisfatória desta Corte aos anseios da sociedade;, disse.

Atuando pelo Conectas, organização que luta pela proteção aos direitos humanos, a advogada Silvia Souza, expressou visão contrária, afirmando que a prisão antes do fim do processo prejudica as pessoas mais pobres e, principalmente, as de pele negra. ;Um debate tão sério quanto a relativização da presunção de inocência tem sido pautado como se afetasse apenas os condenados de colarinho-branco, quando, na verdade, nós sabemos muito bem que o aparato penal do Estado se endereça aos pretos, pobres e periféricos;, sustentou.

O advogado Juliano Breda, da OAB, afirmou que o Código de Processo Penal recebeu a chancela do Poder Legislativo, a quem pertence a atribuição de criar leis e regulamentar os artigos da Carta Magna. ;O entendimento da OAB é no sentido de reafirmação da Constituição, da independência e da liberdade do poder Legislativo;, disse.

Tuíte incômodo
Uma mensagem postada em uma rede social do presidente Jair Bolsonaro ajudou a aumentar a tensão no julgamento do STF sobre as prisões em segunda instância. ;Aos que questionam, sempre deixamos clara nossa posição favorável em relação à prisão em segunda instância. Proposta de emenda à Constituição que se encontra no Congresso Nacional sob relatoria da deputada federal Carol de Toni;, dizia um post publicado no Twitter do presidente. Tempos depois, o conteúdo foi apagado. Filho do presidente, o vereador carioca Carlos Bolsonaro assumiu a autoria da mensagem. ;Eu escrevi o tweet sobre segunda instância sem autorização do presidente. Me desculpem todos! A intenção jamais foi atacar ninguém! Apenas expor o que acontece na Casa Legislativa!”, afirmou.


Análise da notícia

Se eles tiverem razão, o mundo está errado

; Plácido Fernandes Vieira

Há uma gritante contradição entre o notório saber jurídico de meia dúzia de ministros ditos garantistas do STF e de juristas de, praticamente, todo o planeta. Um exemplo disso, citado pelo fórum que reúne juízes criminais brasileiros, são os 153 países que integram a Organização das Nações Unidas (ONU). Em todos eles, alertaram os magistrados em nota, condenados cumprem pena após condenação em primeira ou segunda instância. O problema, dirão alguns, é que a Constituição Federal, no inciso LVII do artigo 5;, estabelece que a presunção de inocência de um réu só acaba quando esgotado o último recurso no Supremo. No mesmo artigo 5;, mais adiante, o inciso que trata especificamente de prisão, o LXI, aponta em sentido oposto ao que entendem as sumidades. Vamos aos fatos.

Basta saber ler para compreender o que diz o inciso LXI: ;Ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei;. Simplificando: só se pode prender uma pessoa no caso de flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de uma juíza ou juiz. Prestem bem atenção: não fala em esperar recurso ao STF para determinar a prisão. Agora, voltando ao ;entendimento; dos supremos garantistas: que trecho da Constituição estabeleceria a presunção de inocência até o último recurso no STF? Eles alegam que está no inciso LVII. Será?

Vejam o que dispõe o inciso LVII: ;Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;. Para os tais garantistas estarem certos, o inciso LXI teria de ser declarado inconstitucional. Mas o fato é que eles estão errados. Não há contradição na Constituição. Como assim? Explico: é que nem o STJ nem o STF julgam crimes cometidos por pessoas sem foro privilegiado. Logo, o trânsito em julgado de ações penais desse tipo de réu se esgotam na segunda instância. É assim no mundo inteiro. Em todos os países da ONU. E é isso que está na nossa Constituição. E no Brasil sempre foi assim, com exceção de um breve momento, entre 2009 e 2016, em que sinto até vergonha de contar. Mas vamos à história.

Dez anos atrás, o STF mudou a jurisprudência ao analisar o caso de um fazendeiro rico que deu cinco tiros num homem que, supostamente, estava ;cantando; a mulher dele, no meio de um evento agropecuário no interior de Minas. Resultado: o fazendeiro ficou impune. O período de ;exceção jurídica;, felizmente, durou pouco. Em 2016, o então ministro Teori Zavascki explicitou o absurdo da situação e convenceu colegas do STF a reconduzirem o Brasil ao rol dos países civilizados. Mas, no meio do caminho, condenaram e prenderam Lula... Sim, é isso: nessa celeuma toda não existe nenhuma sapiência jurídica inalcançável a reles mortais. O objetivo é um só: destruir a tal da Lava-Jato, aquela operação de combate ao crime que ousou prender bandidos de colarinho branco.

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