postado em 21/10/2019 04:17
[FOTO1]Nesta semana, a Suprema Corte entra em uma fase decisiva para o futuro do processo criminal no país. Na próxima quarta-feira, às 9h30, os 11 ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) se reúnem para dar continuidade ao julgamento de ações que questionam a constitucionalidade da prisão em segunda instância. Está em discussão se réus podem ou não ser presos antes do último recurso ser avaliado pelo STF. O caso chega na fase mais crítica, em que os ministros começam a proferir seus votos.
A sessão será aberta com o voto de Marco Aurélio Mello, relator de três ações diretas de constitucionalidade (ADCs) que foram apresentadas ao tribunal pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e pelos partidos Patriota e PCdoB. Em cerca de 30 minutos, ele vai defender que o momento da prisão seja atrasado e só possa ocorrer assim que todos os recursos dos condenados sejam analisados pelo Poder Judiciário.
O Supremo já julgou casos com esse teor pelo menos quatro vezes desde 2016. No entanto, desta vez a situação tem maior importância, pois a decisão terá o efeito erga omnes. Isso significa que, a partir de agora, o entendimento da Corte sobre o caso deve ser, obrigatoriamente, seguido por todos os tribunais e aplicados por todos os juízes do país. Caso os ministros decidam proibir a prisão no curso do processo, o efeito será imediato. Milhares de presos vão conquistar o direito à liberdade até o fim do processo.
A gama de detentos afetados contempla desde acusados de crimes simples, como furto, até delitos contra a vida, como latrocínio, homicídios, passando por condenados por crimes sexuais, como estupro, abrangendo mesmo os casos que envolvem corrupção e lavagem de dinheiro.
Divergência
Os dados relacionados ao impacto da decisão são divergentes. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) afirma que 4.985 detentos poderiam pedir liberdade, caso o Supremo mude seu entendimento. O dado é referente a mandados de prisão emitidos entre o fim de 2018 e 15 de outubro deste ano. No entanto, questionado pelo Correio, o órgão admitiu que ;apenas oferece e mantém; ativo o Banco Nacional de Mandados de Prisão (BNMP), mas que ;a alimentação e a acurácia das informações é de responsabilidade dos tribunais; regionais e tribunais do Júri de todo o país.
Em dezembro de 2018, por meio de uma liminar, o ministro Marco Aurélio Mello determinou a soltura de todos os presos em segunda instância. Horas depois, em uma decisão que suspendeu o ato do colega, o presidente do Supremo, Dias Toffoli, alegou que o ato atingira 169 mil detentos. Ele usou dados do próprio CNJ.
A possibilidade de mudança no entendimento da Corte divide a opinião de especialistas, juízes, procuradores e do setor político. Um maior entrave para o encarceramento pode resultar na liberação de presos da Lava-Jato, como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-ministro José Dirceu, os ex-gerentes da Petrobras Pedro Augusto Cortes Xavier e Roberto Gonçalves e o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares.
O presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), Victor Hugo, afirma que o STF deve levar em conta o cenário social para tomar uma decisão. ;A interpretação atual sobre este tema é razoável. Tanto que é adotada pelo Supremo em um período histórico significativo. Esse entendimento, que permite a prisão a partir de condenação em segunda instância, está mais afinado ao contexto político e social;, disse.
Para ele, o sistema jurídico deve não só punir, mas também coibir práticas criminosas. ;O combate à corrupção e a criminalidade, eu não tenho dúvida que haverá prejuízo (se o STF mudar o entendimento). O direito penal deve ter um papel intimidatório. Quando as pessoas sabem que se praticarem algum ato serão apenadas, elas deixam de executar. Se a gente passar a viver em um país de impunidade, este papel desaparece;, completa.
A jurista Maristela Basso, professora de direito internacional da Universidade de São Paulo (USP), entende que autorizar o cumprimento após segunda instância contribui para manter na cadeia pessoas inocentes. ;O que se pretende agora no Brasil é mudar preceito constitucional da presunção de inocência, assim como aquele do devido processo legal ; para por na cadeia desafetos políticos, ideológicos etc com a justificativa de que o processo penal no Brasil leva muito tempo e o réu fica livre. Ora, se isso é verdade, e o é, devemos tornar o devido processo legal mais rápido, célere e eficaz. Aumentando o número de juízes, tornando-os mais eficientes, coibindo e punindo os atos de procrastinação dos advogados;
Perspectiva
O ministro Marco Aurélio Mello, relator das ações apresentadas contra a prisão em segunda instância, chegou a opinar sobre qual será o resultado, que deve ser conhecido nesta semana. Para ele, pelo menos sete integrantes do plenário apoiam a revisão do entendimento atual da Corte sobre o assunto. O magistrado é favorável a prisão apenas ao final do processo. Seu voto, que tem oito páginas, deve defender que a Constituição não permite o cumprimento da pena antes que todos os recursos sejam julgados.
Além dele, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli e Alexandre de Moraes têm demonstrado afinidade com o discurso de derrubada da prisão em segunda instância. Toffoli deve apresentar um voto médio, para que os réus possam ser presos assim que tiverem seus recursos julgados no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Marco Aurélio afirmou que sua aposta se trata de uma visão otimista do caso. ;sete a quatro é o meu palpite. Não sei, como é que chegamos a sete? Eu costumo julgar os colegas por mim, às vezes, sou otimista em excesso. É apenas a minha percepção, eu sempre acredito no melhor;, declarou.
;A interpretação atual sobre este tema é razoável. Tanto que é adotada pelo Supremo em um período histórico significativo. Esse entendimento, que permite a prisão a partir de condenação em segunda instância, está mais afinado ao contexto
político e social;
Victor Hugo, presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp)
;O que se pretende agora no Brasil é mudar preceito constitucional da presunção de inocência, assim como aquele do devido processo legal ; para por na cadeia desafetos políticos, ideológicos etc com a justificativa de que o processo penal no Brasil leva muito tempo e o réu fica livre;
Maristela Basso, jurista, professora de direito internacional da USP