Agência Estado
postado em 27/10/2019 08:14
Policiais que trabalham na segurança da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) ficaram em alerta nos últimos meses. Deputados estaduais foram cercados por grupos sob intensa gritaria e se tornaram alvo de ofensas nos corredores da Casa e nas redes sociais. Houve o registro de pelo menos uma ameaça. O acesso a reuniões então passou a ser controlado por soldados da PM, tapumes bloquearam a entrada de sessões, e parlamentares optaram por andar escoltados.
O motivo é a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Venda de Animais, que investiga irregularidades na criação e comércio de cães, gatos e outros pets. Após boatos de que a comissão poderia recomendar a proibição da venda, a Assembleia passou a receber caravanas com centenas de criadores de animais e representantes de ONGs protetoras dos bichos.
Enquanto os criadores veem na CPI uma ameaça ao seu trabalho e sua fonte de renda, os ativistas condenam os maus-tratos e pedem a criminalização de quem submete animais a situações degradantes.
Os deputados, surpreendidos pelos confrontos sobre o tema, dizem que a intenção é apenas regulamentar um setor em que não há regras nem punições claras. A proibição do comércio de pets não foi tema central das reuniões, mas uma visita de deputados a um canil em situação considerada precária desencadeou uma onda de hostilidades.
"Tenho vídeos das pessoas falando que vão acabar comigo", conta o relator da CPI, deputado Delegado Bruno Lima (PSL). A situação piorou após a Câmara de Vereadores de Santos, no litoral, aprovar uma lei que proíbe a venda de animais a partir de 2020. Criadores chegaram a usar um trio elétrico em frente à Alesp, para protestar em alto e bom som.
Em um dia de reunião da comissão, assessores do deputado Lima encontraram no chão do gabinete um papel com a seguinte mensagem: "Ou você abandona a CPI dos animais ou irá sofrer as consequências, deputado medíocre". O recado havia sido passado pelo vão da porta de entrada.
Relator da CPI, o delegado da Polícia Civil se destacou nas redes sociais no "caso Manchinha", quando um cachorro foi morto a pauladas no estacionamento de um supermercado em Osasco, em novembro do ano passado. Bruno Lima foi até o local, conversou com testemunhas e acompanhou de perto o processo, que acabou com o estabelecimento comercial assinando um Termo de Compromisso em que se comprometeu a pagar R$ 1 milhão a um fundo destinado à proteção animal.
Com mais de 680 mil seguidores em sua página no Facebook, ele participa com frequência de diligências para o resgate de animais, e costuma divulgar nas redes sociais. Afastado da polícia para exercer o mandato, Lima tem ido a Brasília para defender um projeto de lei federal que aumentaria a pena para os crimes de maus-tratos e mutilação de animais. Hoje, a punição vai de três meses a um ano de reclusão, e a bancada pró-animais quer prisão de até quatro anos.
"Particularmente, eu sou contra o comércio de animais, mas hoje estou trabalhando como relator e, meu objetivo ali é ficar um pouco mais neutro", afirmou o deputado. "A gente escuta todo mundo e prepara um relatório final." As sugestões que o parlamentar pode fazer no relatório da CPI geraram apreensão e boatos, que também foram explorado nas redes sociais.
"Chegaram a achar que nós iríamos proibir cães-guia", afirmou o presidente da CPI, deputado Bruno Ganem (Podemos), também eleito com a bandeira da defesa dos bichos. "Trouxeram alguns deficientes visuais aqui, na última reunião, e foi bastante constrangedor. Temos total respeito (pelos deficientes visuais), e as pessoas estavam ali achando que, por algum motivo, nós éramos contra eles terem a possibilidade do suporte do cachorro. É um absurdo, nunca se cogitou isso."
Para ele, "existe uma falsa polêmica na CPI". Ganem chama atenção para a falta de regulamentação do setor de comércio de animais. Segundo dados da comissão, há menos de cem criadores certificados pelo Conselho Regional de Medicina Veterinária (CRMV), mas o número de empresas do ramo registradas na Junta Comercial ultrapassa 1,9 mil. Até representantes do setor concordam que uma legislação é necessária.
"Somos contra qualquer tipo de maus-tratos e favoráveis à regulamentação. Lutamos pelo bem-estar animal, mas é fundamental a preservação da criação", disse o coordenador da Confederação Brasileira de Cinofilia (CBKC) Renato de Almada. "Parece que no transcorrer dos trabalhos houve um desvirtuamento da CPI, talvez até por força de outras entidades contrárias à criação. Passou-se a discutir, mesmo que de forma velada em alguns casos, a proibição da criação como forma de resolver o problema."
Trégua
Após semanas de briga, um momento de conciliação veio na última reunião da CPI. O relator garantiu que levará em conta as recomendações de todos os grupos que compareceram às oitivas. Ele chamou todos para comparecer às reuniões em seu gabinete que têm embasado tanto o relatório da comissão quanto o projeto de lei que deve sair dela.
"É importante a participação de todos para enriquecer o debate", disse. Houve suspiros aliviados. Quase todos elogiaram o progresso e o clima repentino de tolerância. "Saio dessa CPI uma outra pessoa, vendo um mundo para o qual nunca tive olhos", afirmou o deputado Márcio Nakashima (PDT) na reunião.
Não há previsão, por enquanto, de mudanças no esquema de segurança da Alesp. A comissão deve funcionar até a primeira semana de novembro, e, até lá, a PM ficará em alerta nos dias de sessão para evitar novas confusões. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.