postado em 29/10/2019 04:13
[FOTO1]A vitória do candidato kirchnerista Alberto Fernández nas eleições de domingo na Argentina não agradou ao presidente Jair Bolsonaro, que decidiu não cumprimentar o peronista e falou em retaliação ao país vizinho, caso haja mudança de orientação com relação ao acordo assinado, em junho, entre o Mercosul e a União Europeia. No primeiro discurso após o resultado das urnas, ao lado da vice, a ex-presidente e senadora argentina Cristina Kirchner, Fernández causou mal-estar ao clamar pela liberdade do ex-presidente Lula. ;Lamento. Não tenho bola de cristal, mas acho que a Argentina escolheu mal;, disse Bolsonaro. Em julho, durante a campanha, Fernández visitou Lula em Curitiba, onde o ex-presidente está preso desde 7 de abril do ano passado. Horas antes de ser declarado vencedor, o argentino postou uma foto em rede social parabenizando o petista pelo aniversário de 74 anos, fazendo a letra ;L; com o polegar e o indicador de uma das mãos.
;O primeiro ato do Fernández foi Lula livre, dizendo que (ele) está preso injustamente. Já disse a que veio. É uma afronta à democracia brasileira. Ao sistema judiciário brasileiro. Uma pessoa condenada em duas instâncias. Outras condenações a caminho. Ele está afrontando o Brasil de graça, no meu entender. Nós estamos aguardando seus passos para, talvez no futuro, tomar alguma decisão em defesa do Brasil. Decisões em defesa do Brasil;, criticou Bolsonaro.
;Se interferir (no acordo comercial), segundo o Paulo Guedes (ministro da Economia), a gente junta com o Paraguai, não sei o que vai acontecer na eleição do Uruguai, e pode ver se a Argentina fere alguma cláusula para suspendê-la. Mas a gente espera que isso não seja necessário. Que a Argentina não queira, na questão comercial, mudar seu rumo;, disse.
A Argentina é o principal parceiro comercial do Brasil na América Latina. De 2008 a 2018, o saldo médio anual da balança comercial entre os dois países (diferença entre exportações e importações) foi superavitário para o Brasil em US$ 3,58 bilhões. Neste ano, em razão da frágil economia argentina, há um deficit acumulado de US$ 339,19 milhões para o Brasil.
;Nós estamos preocupados, não há dúvida. A Argentina, em grande parte, faz comércio graças ao Brasil. Nós não queremos romper nada. Agora, eu digo aos meus ministros, cada um na sua pasta, nós temos de ter capacidade de nos anteciparmos a problemas. Obviamente, se tiver algo mais contundente, nós buscaremos conversar com a Argentina para, de fato, saber qual é a posição deles e, em função disso, nós tomaremos a nossa posição;, analisou.
Desde agosto, quando as prévias das eleições na Argentina já mostravam que Fernández era o favorito na corrida presidencial, a decepção de Bolsonaro era evidente e ele passou a defender que o atual presidente, Maurício Macri, fosse mantido no cargo. Em Israel, Benjamin Netanyahu, há mais de uma década como primeiro-ministro, renunciou a formar um novo governo após não conseguir maioria nas eleições gerais. Nos Estados Unidos, o presidente Donald Trump enfrenta um processo de impeachment, que ganha força inclusive no Partido Republicano. No Chile, o presidente de direita Sebastián Piñera é confrontado há mais de uma semana por protestos sem precedentes que chegaram a juntar mais de um milhão de chilenos em manifestações em Santiago, no fim de semana.
;Pretendo dialogar, sim. Não vamos fechar as portas. Agora, estamos preocupados e receosos, tendo em vista até pelo gesto que ele fez de Lula livre. Vamos esperar o tempo para ver qual é a real posição dele na política. Porque ele vai assumir, vai tomar pé do que está acontecendo e vamos ver qual linha ele vai adotar;, afirmou.
;A forças do mal estão celebrando;, postou o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, nas redes sociais.
O leão, as hienas e o juiz
Ontem, Bolsonaro publicou um vídeo no Twitter com um leão, identificado como ele, sendo atacado por hienas, identificadas como o PT, feministas, Rede Globo, isentões, STF e ONU. Depois da repercussão, ele apagou o post. Mais tarde, o ministro do STF Celso de Mello reagiu em nota. ;A ser verdadeira a postagem feita pelo senhor Presidente em sua conta pessoal no Twitter, torna-se evidente que o atrevimento presidencial parece não encontrar limites na compostura que um chefe de Estado deve demonstrar no exercício de suas altas funções, pois o vídeo, que equipara, ofensivamente, o STF a uma hiena culmina, de modo absurdo e grosseiro, por falsamente identificar a Suprema Corte como um de seus opositores. Esse comportamento revelado no vídeo, além de caracterizar absoluta falta de gravitas e de apropriada estatura presidencial, também constitui a expressão odiosa (e profundamente lamentável) de quem desconhece o dogma da separação de poderes e, o que é mais grave, de quem teme um Poder Judiciário independente e consciente de que ninguém, nem mesmo o Presidente da República, está acima da autoridade da Constituição e das leis da República. É imperioso que o Senhor presidente, que não é um monarca presidencial, como se o nosso País absurdamente fosse uma selva na qual o Leão imperasse com poderes absolutos e ilimitados, saiba que, em uma sociedade civilizada e de perfil democrático, jamais haverá cidadãos livres sem um Poder Judiciário independente, como o é a Magistratura do Brasil;, diz a nota.