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Criticado por aliados e adversários por AI-5, Eduardo Bolsonaro se desculpa

Deputado Eduardo Bolsonaro defende a reedição de medida semelhante ao AI-5, do regime militar, para conter possível radicalização de movimentos de esquerda. Criticado no Congresso, no Poder Judiciário e pelo próprio pai, pede desculpa e diz que foi mal-interpretado

Bernardo Bittar, Rodolfo Costa , Ingrid Soares
postado em 01/11/2019 06:00

[FOTO1]Recém-chegado da viagem à Ásia e ao Oriente Médio, o presidente Jair Bolsonaro tinha tudo para surfar uma onda de notícias positivas na economia, com queda de juros, desaceleração do desemprego e o leilão do pré-sal, marcado para a próxima semana. Mas foi atropelado nesta quinta-feira (31/10) pela declaração do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), líder do partido na Câmara, que sugeriu a possibilidade de um ;novo AI-5; ; uma das medidas mais truculentas adotadas pelo regime militar de 1964 a 1985 ; ;se a esquerda radicalizar;. A afirmação, feita em entrevista publicada nesta quinta-feira (31/10) no canal do YouTube da jornalista Leda Nagle, gerou forte reação do Congresso, do Supremo Tribunal Federal (STF) e de entidades da sociedade civil.

;Se a esquerda radicalizar a esse ponto, a gente vai precisar ter uma resposta. E uma resposta pode ser via um novo AI-5, pode ser via uma legislação aprovada através de um plebiscito, como ocorreu na Itália. Alguma resposta vai ter que ser dada;, declarou, ao fazer referência a manifestações como as que tomam o Chile atualmente. Apanhado em meio ao redemoinho de críticas, o presidente lamentou o comentário do filho e declarou que ;quem está falando em AI-5 está sonhando;, disse.

Mesmo depois de toda a polêmica, Eduardo voltou a defender o comentário, em vídeo publicado no Twitter. Disse que ;existe uma polêmica; e que usou os protestos no Chile para exemplificar a ;radicalização da esquerda;. ;O que a esquerda está chamando de protestos e querendo trazer para o Brasil (...) na verdade sabemos que são vandalismos e depredações, e chega, sim, a ser terrorismo. Querem fazer uma instabilidade política para retirar do poder um presidente que não é de esquerda (...). Isso tudo está perigando vir para o Brasil. O que ocorreu no Brasil nos anos de 1960 e 1970;, afirmou.

O deputado lembrou, ainda, casos envolvendo sequestros de aviões e citou personalidades que teriam participado de grupos de oposição ao regime militar. Ele ainda trouxe à tona o livro Verdades sufocadas, do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, um torturador da época da ditadura. ;Quem leu o livro vai ver nome, sobrenome e data de ataques terroristas. Ali tem Lula, Dilma;;, acrescentou Eduardo. Em entrevista ao programa Brasil Urgente, da TV Bandeirantes, no fim da tarde, o presidente disse ter conversado com o filho e sugerido que ele ;tire do vocabulário; o AI-5. ;Não existe isso, acabou.;

Antes, na saída do Palácio da Alvorada, Bolsonaro lamentou o ocorrido. ;Ele é independente. Tem 35 anos, se não me engano. Ele é dono do seu (próprio nariz). Mas, tudo bem. Lamento se ele falou isso, que não estou sabendo, lamento, lamento muito. (...) O AI-5 existiu no passado, em outra Constituição. Não existe mais, esquece. Cobre dele (Eduardo), não apoio. Quem quer que seja que fale de AI-5 está sonhando;, destacou.

Somente depois dos comentários do pai, Eduardo, também em entrevista ao programa Brasil Urgente, da TV Bandeirantes, se retratou. ;Eu peço desculpas a quem, porventura, tenha entendido que eu estou estudando o retorno do AI-5 ou a quem achou que o governo estudava alguma medida nesse sentido. Essa possibilidade é uma interpretação deturpada do que eu falei. Eu apenas citei o AI-5, não falei que ele estaria retornando. Eu fico bem confortável e bem tranquilo para deixar isso daí claro. Não existe retorno do AI-5;, disse. O deputado também postou vídeo em uma rede social para pedir desculpas.

Para saber mais

O que foi o AI-5

O Ato Institucional n; 5 (AI-5) foi uma das medidas mais duras e sombrias tomadas durante a ditadura militar. Emitido pelo presidente Artur da Costa e Silva em 13 de dezembro de 1968, resultou na suspensão de direitos políticos, demissões, intervenções nos estados e nos municípios e na suspensão de garantias constitucionais que resultaram na repressão, tortura e morte de opositores do regime.

O ato dava poderes quase que ilimitados ao presidente, como fechar o Congresso Nacional e demais casas legislativas por tempo indeterminado. Reuniões políticas não autorizadas pela polícia eram tidas como ilegais. Houve também a suspensão do habeas corpus por crimes de motivação política. O chefe do Executivo tinha ainda o poder de decretar a suspensão dos direitos políticos dos cidadãos considerados ;subversivos;, privando-os da capacidade de votação ou de eleição.

Durante os 10 anos de vigência, o documento fundamentou a cassação do mandato de 110 deputados federais e sete senadores, 161 deputados estaduais, 22 prefeitos e 22 vereadores. No total, essas cassações descartaram arbitrariamente mais de seis milhões de votos. Por meio do AI-5, também foram cassados três ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), além de professores universitários e pesquisadores.

Afronta

Em 13 de outubro de 1978, no governo Ernesto Geisel, uma emenda revogou os atos contrários à Constituição Federal. O professor de história Automagno da Silva Júnior avalia que aventar um novo AI-5 é, por si só, uma fala irresponsável e uma afronta à democracia. ;O AI- 5 teve atos absolutamente antidemocráticos, em que direitos civis foram desligados, as pessoas eram presas a qualquer hora sem nenhuma acusação concreta. Aboliram os princípios básicos da democracia. Foi o marco dos anos de chumbo e é uma temeridade que seja recolocado assim. Vivemos numa democracia. O AI-5 inaugurou um dos momentos mais sombrios da história, muitas pessoas foram injustamente presas e torturadas;, lembrou.

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