postado em 01/11/2019 04:04
A cúpula da Procuradoria-Geral da República (PGR) avalia que a fala do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) sobre um ;novo AI-5; é uma opinião que está protegida pela imunidade parlamentar. A polêmica declaração reacendeu dentro da PGR, do Supremo Tribunal Federal (STF) e de tribunais superiores o debate sobre a extensão da imunidade parlamentar e a possibilidade de o parlamentar responder na Justiça pelo posicionamento.
Segundo a Constituição, os congressistas são ;invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos;. Isso não significa, porém, que tudo é permitido pela Justiça. Em junho de 2016, por exemplo, a Primeira Turma do STF aceitou denúncia contra o então deputado federal Jair Bolsonaro por dizer, nos corredores da Câmara, que a petista Maria do Rosário (RS) não ;merecia ser estuprada; por ser ;muito feia; e porque ela ;não fazia seu tipo;.
A avaliação do colegiado na época foi a de que as declarações não guardavam relação com a função de deputado, não devendo ser protegidas pela imunidade parlamentar. A ação foi suspensa depois que Bolsonaro assumiu o Palácio do Planalto, já que o presidente não pode ser responsabilizado por ato anterior ao mandato.
Dois integrantes da cúpula da PGR ouvidos reservadamente avaliam que a declaração de Eduardo Bolsonaro está protegida pela imunidade parlamentar. Um deles define o posicionamento do filho do presidente da República como ;simples opinião;. Um outro membro da cúpula da PGR diz que acionar, hoje, a Justiça contra Eduardo Bolsonaro equivale a reprimir quem falava contra o AI-5 nos anos de chumbo. ;Quem fala o que quer ouve o que não quer. Essa é a regra da liberdade;, afirmou.
Dentro do STF, no entanto, um ministro acredita que a fala representa um ataque à democracia, uma ameaça ao Estado de direito, e pode ser enquadrada até na Lei de Segurança Nacional. Sancionada em 1983, em plena ditadura militar, a lei prevê detenção de um a quatro anos para quem fizer, em público, propaganda de ;processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política ou social;.
Um outro integrante do Supremo, que pediu para não ser identificado, concorda com a posição da cúpula da PGR de que as falas estão protegidas pela liberdade de expressão e a imunidade parlamentar. Para esse integrante, muitas pessoas defendem o regime militar, e ;não há como enquadrar ideias;.
A extensão da imunidade parlamentar é um tema recorrente em julgamentos no STF. Em 2014, a Primeira Turma da Corte recebeu denúncia contra o então deputado Abelardo Camarinha (PSB-SP) por injúria, depois que ele deu entrevista em que acusava um vereador de ter adquirido bens com dinheiro de origem ilícita. ;A atividade parlamentar tem no uso da palavra sua expressão mais significativa, mas o abuso da palavra pode ter, sim, implicações criminais civis e criminais;, disse a ministra Rosa Weber na ocasião.
Presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), onde também atua, Rosa ainda não se manifestou sobre a controversa declaração de Eduardo Bolsonaro. Para um ministro do TSE, Eduardo não infringiu nem ofendeu ninguém e nenhuma instituição, e sim ;falou bobagem;. Já um ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) respondeu ao questionamento da reportagem com outra pergunta: ;A questão é: pode um parlamentar usar a imunidade parlamentar, atributo da democracia, para defender a ditadura?;
Falta de decoro
Juristas afirmam que a declaração do deputado Eduardo Bolsonaro em defesa de ;novo AI-5; pode justificar uma abertura de processo de cassação do mandato na Conselho de Ética da Câmara dos Deputados. No entanto, afastam a possibilidade de uma responsabilização criminal do deputado. ;A responsabilização pessoal dele eu acho difícil do ponto de vista criminal, porque ele está falando em hipótese;, disse Belisário dos Santos Jr., ex-secretário de Justiça de São Paulo. Santos considera, porém, que a declaração fere ;profundamente; a dignidade e o decoro da Câmara. ;O deputado jurou cumprir a Constituição. Sob o ponto de vista ético, pode ser responsabilizado.; Para Floriano de Azevedo Marques, diretor da Faculdade de Direito da USP, Eduardo pode ser alvo de um processo de cassação do mandato.