Desde que estourou o escândalo do uso de candidatas laranja por partidos políticos para fraudar as eleições de 2018, no início do ano, deputados e senadores apresentaram várias sugestões para evitar que a mesma situação aconteça nos próximos pleitos. Ao mesmo tempo em que surgem tentativas de acabar com a cota obrigatória de 30% de candidaturas femininas, com o argumento de que a medida não funciona, várias ideias para aprimorá-la ganham mais atenção no Congresso.
Além de garantir mulheres na corrida eleitoral, o objetivo das propostas é que elas, de fato, ocupem as cadeiras. Da tribuna do plenário da Câmara, a deputada Soraya Santos (PL-RJ) deu o recado, na última quarta-feira: ;a mulher não quer ser trampolim de candidatura masculina;.
As iniciativas se intensificaram a partir de fevereiro, quando a Polícia Federal (PF) e o Ministério Público Federal (MPF) começaram a apurar denúncias de que o PSL, partido do presidente Jair Bolsonaro, teria usado candidatas laranja para desviar recursos eleitorais. Desde então, o assunto voltou à tona e parlamentares dos mais variados partidos, da direita a da esquerda, discutem o que fazer para evitar que o escândalo se repita.
Com 77 deputadas, parte da maior bancada feminina da história da Câmara comemora ter barrado o avanço de um projeto que, entre outros pontos, busca acabar com a penalização de partidos que não preencherem a cota de 30% de candidaturas de mulheres. Apresentado pela deputada Renata Abreu (Podemos-SP), o texto prevê que as vagas não preenchidas fiquem vazias.
Se tivesse sido aprovado até o início de outubro, ele poderia valer para as eleições municipais de 2020, mas está na Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, onde não conta com apoio. ;A bancada feminina articulou para levar o texto à comissão e conseguiu evitar um grande retrocesso;, comemora a deputada Fernanda Melchionna (PSol-RS).
A presidente do colegiado, Luisa Canziani (PTB-PR), afirmou, na última quarta-feira, que o grupo enfrenta projetos, cujo objetivo é provocar, segundo ela, retrocessos em importantes conquistas das mulheres no Legislativo nos últimos anos. Ao Correio, ela reforça que é preciso ;debater e aprimorar a legislação acerca das candidaturas femininas, inclusive a reserva de cadeiras para mulheres;.
Dose dupla
Contrária ao fim da cota, a deputada Margarete Coelho (PP-PI) é autora de um projeto que sugere que os votos em mulheres contem por dois para fins de cálculo do fundo partidário e do fundo eleitoral, assegurada a cota mínima de 30% dos recursos. ;Com isso, os partidos teriam todo o interesse em buscar mulheres competitivas, que tenham capital eleitoral;, acredita.
Também está na Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher um projeto de lei complementar que amplia a cota de gênero e garante que metade das cadeiras na Câmara sejam reservadas a mulheres. Na hora de definir quem deve tomar posse, seriam formadas duas listas: uma de mulheres e outra, de homens. Assim, seria possível garantir que as mais votadas fossem empossadas no limite da cota, explicam os autores do projeto, Sâmia Bomfim (PSol-SP) e Marcelo Freixo (PSol-RJ), no texto.
Outro projeto, de autoria da deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC) e assinado por outras 10 de partidos como PCdoB, PDT, PSol, PT, PL e Cidadania, sugere que uma das duas vagas no Senado seja disputada apenas por mulheres, quando a eleição for para renovar dois terços da Casa. Apresentado em setembro, o texto está na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara.
A proposta de Renata Abreu não foi a única tentativa de ;flexibilizar; ou acabar com a reserva de vagas. Outro projeto de lei nesse sentido foi apresentado pelo senador Ângelo Coronel (PSD-BA), em março. O dele era mais direto: sugeria declaradamente o fim da cota de gênero. O argumento era que o percentual de 30% era ;elevado diante da dificuldade de encontrar candidaturas femininas viáveis;. O texto foi rejeitado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado em abril.
A bancada feminina, em geral, concorda que o problema não é a falta de interesse de mulheres na política. Luisa Canziani ressalta que 44% das filiações partidárias são de mulheres, mas só 15% das vagas são ocupadas por elas na Câmara. O difícil não é que elas se interessem pela política, é garantir que terão recursos e espaço para as próprias candidaturas, não só o registro para cumprir a cota.