Politica

Governo negocia com Congresso e STF para aprovar pacote de PECs

Ministro da Economia, Paulo Guedes, entra em campo para buscar apoio dos parlamentares ao pacote de medidas do Executivo. Em reunião com senadores, ele afirma que nenhum ponto das propostas é inegociável, e afaga parlamento

Anna Russi
postado em 07/11/2019 06:00
[FOTO1]Depois de apresentar no Senado o Plano Mais Brasil, um pacote de medidas para reestruturar as contas públicas, o governo inicia o trabalho de negociação com os parlamentares para aprovar a matéria, composta de três propostas de emenda à Constituição (PECs). Nesta quarta-feira (6/11), o ministro da Economia, Paulo Guedes, se encontrou com 40 senadores na residência oficial do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP).

Na reunião, Guedes fez afago ao parlamento. De acordo com ele, encarar algum ponto das PECs como inegociável seria uma ;arrogância tola;. ;O ministro da Fazenda ou da Economia que disser que tem algum ponto inegociável não está preparado para o exercício em uma democracia. O Congresso é soberano;, frisou. ;O presidente da República é um poder constituído. O Supremo é outro poder, já o ministro não tem voto, é um servidor público temporário.;

Apesar de ter sido na residência de Alcolumbre, a reunião foi conduzida pelo vice-presidente do Senado, Antonio Anastasia (PSDB-MG), a pedido do presidente da Casa, que, segundo a assessoria de imprensa, passou a madrugada com o filho pequeno no hospital.

Guedes destacou que a equipe sabe quais são os pontos críticos e que precisam ter maior foco e atenção. ;Esses pontos são justamente o que estamos sugerindo. Precisamos de uma cultura de responsabilidade fiscal;, ressaltou. O ministro já havia comentado sobre a necessidade de o país e de os gestores terem maior responsabilidade fiscal para acabar com o ;endividamento em bola de neve;.

Segundo Guedes, a construção das medidas ocorreu em conjunto com agentes políticos, como os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, bem como com o presidente Jair Bolsonaro. ;Fizeram um tempero político para que calibrássemos as propostas. Isso é basicamente uma agenda de trabalho do Congresso;, disse. ;O Estado brasileiro está em transformação, em direção a políticas públicas descentralizadas: saúde, educação, saneamento, segurança. Por isso, serão transferidos de R$ 450 bilhões a R$ 500 bilhões da União para os entes federativos. Estamos desenhando junto ao Congresso essa agenda;, reforçou.

O ministro acredita que a negociação das medidas não promoverá muitas alterações em relação ao texto originalmente enviado ao parlamento. ;Desta vez, nós nos entendemos e calibramos juntos. Então, não é que mandamos uma coisa que será muito modificada, muitos pontos já foram alterados (antes do envio). Acho que é diferente da previdenciária, na qual realmente mandamos com economia de R$ 1,2 tri e houve cortes para proteger os segmentos mais frágeis, mas foram mudanças compreensíveis e louváveis em uma democracia;, elogiou. ;O próprio BPC (Benefício de Prestação Continuada) merece aplausos. Prefiro uma reforma de R$ 800 bi que traga estados e municípios em vez de uma que não traga e economize R$ 1 tri.;

Tramitação

O líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), garantiu que as lideranças das duas Casas vão se esforçar para que a PEC Emergencial seja apreciada em ambas até o fim de 2019. ;Temos um prazo exíguo, mas temos também uma emergência fiscal que já está caracterizada em pelo menos três estados e outros que estão prestes a entrar na mesma situação;, argumentou. ;O Senado, como casa da Federação, terá peso grande para acelerar a tramitação do texto, no sentido de oferecermos um caminho de resgate para esses entes federativos.;

Já a expectativa do governo, segundo o senador, é de que as PECs, assim como os próximos textos a serem enviados, sejam apreciados e votados em dois turnos em ambas as Casas até meados do próximo ano.

Após reações no Senado, o governo já recuou e concordou com a retirada da inclusão das despesas com salários de inativos de estados e municípios no piso de gastos (valores mínimos) com saúde e educação, prevista na matéria encaminhada ao parlamento. Em coletiva de imprensa após a entrega das PECs, o secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues, admitiu ter sido um equívoco da primeira versão enviada. ;Os inativos não estão incluídos nos mínimos constitucionais. Uma versão tinha (a inclusão dos inativos), outra não. Isso será tratado pelos autores da PEC com os parlamentares;, informou. Ainda de acordo com ele, outros itens que ;careçam de reavaliação; poderão ser retificados pelo Legislativo.

Um dos pontos mais polêmicos já criticado pela oposição é a sugestão de incorporação, por outra cidade, de municípios com até cinco mil habitantes e arrecadação própria inferior a 10% de sua receita total.

As propostas

As três PECs entregues ao Congresso são a do Pacto Federativo, que prevê, entre outros, a destinação de R$ 400 bilhões da União para estados e municípios em 15 anos e a incorporação, por cidade vizinha, de municípios com menos de cinco mil habitantes e arrecadação própria abaixo de 10% da receita total; a Emergencial, que dá instrumentos a União, estados e municípios para redução de jornada e salário de servidores em caso de aperto fiscal; e a dos Fundos, que determina a destinação de R$ 220 bilhões, parados em 248 fundos no país, para amortizar a dívida pública.

Relação com o Supremo

Além das negociações com o Congresso para aprovar o pacote de reforma do Estado, o ministro Paulo Guedes trabalha em outra frente de convencimento. Ciente de que algumas propostas podem parar no Supremo Tribunal Federal (STF), ele almoçou nesta quarta-feira (6/11) com ministros da Corte. Em agosto deste ano, a maior parte da cúpula do Supremo se manifestou contrária a cortes de salários de servidores.

O julgamento foi interrompido, sem data de retorno definido, pela ausência do ministro Celso de Mello, por motivos de saúde. No entanto, 10 dos 11 ministros do STF proferiram seus votos à época, sendo que desses, cinco acompanharam o ministro Edson Fachin, que abriu a divergência e interpretou a irredutibilidade das remunerações como um direito constitucional, sem poder ser usado para o equacionamento das contas públicas.

No Plano Mais Brasil fica prevista que as despesas obrigatórias serão desindexadas, ou seja, não terão correção automática pela inflação. De acordo com a equipe econômica, só estarão garantidos os reajustes dos benefícios previdenciários e o do Benefício de Prestação Continuada. Assim, os mecanismos das propostas encaminhadas definem que, após declarado estado de emergência fiscal, União, estados e municípios ficam proibidos de promoverem funcionários públicos e poderão reduzir em até 25% a jornada de trabalho e de salário do servidor.

A redução da jornada e dos salários, proporcionalmente, é uma tentativa de solucionar, temporariamente, a crise fiscal dos entes federativos. A Lei de Responsabilidade Fiscal determina que estados e municípios não podem ter mais de 60% das receitas com gasto de pessoal. Caso o percentual extrapole, serão tomadas medidas de redução, como a extinção de cargos e funções comissionadas. Tal recomendação, entretanto, está suspensa há 16 anos por decisão liminar do STF.

Entre os próximos passos do governo federal está o encaminhamento à Câmara da proposta de emenda à Constituição da reforma administrativa, que vai reestruturar o funcionalismo público do país. O texto faz parte da agenda econômica pós-Previdência e deve ser apresentado ao Legislativo na próxima semana.

Para Nelson Marconi, professor de economia da FGV/SP, a equipe econômica já adiantou algumas coisas da reforma administrativa nas propostas apresentadas na terça-feira. ;Eu entendo que ele já colocou coisa da administrativa nesse pacote. Não está claro se as coisas se complementam ou se essas são uma propaganda para ver a reação, já que, no fundo, o governo não está muito bem politicamente;, comentou. Na visão do economista, o pacote como um todo, no entanto, é polêmico e poderá gerar resistência. (AR)

Município de Bolsonaro a perigo

Entre os municípios brasileiros com menos de cinco mil habitantes, a cidade de Glicério (SP), onde nasceu o presidente Jair Bolsonaro, é uma das mais de mil cidades que poderão ser extintas, caso uma das medidas apresentadas na terça-feira ao Congresso, pela equipe econômica, seja aprovada. De acordo com um dos pontos da PEC do Pacto Federativo, municípios com menos de cinco mil habitantes e arrecadação própria abaixo de 10% da receita total seriam incorporados por cidades vizinhas. O prefeito de Glicério, Ildo Souza (PSDB), em entrevista à rádio CBN, disse que não apoia a proposta. Segundo ele, há municípios pequenos e com dificuldades ;devido à política de distribuição de renda;. O Palácio do Planalto não quis comentar a entrevista do prefeito ou a possibilidade de incorporar a cidade natal de Bolsonaro a Penápolis, município vizinho a Glicério.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação