postado em 19/11/2019 04:33
Ministro no pelourinho
O choque entre o presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, e o procurador-geral da República, Augusto Aras, incendiou a conjuntura política, às vésperas do julgamento da polêmica liminar a favor do senador Fávio Bolsonaro (RJ), que sustou também cerca de 935 investigações policiais com base em dados do Coaf, obtidos sem autorização jundicial, entre as quais a do famoso caso Queiroz, que investiga ligações do filho do presidente Jair Bolsonaro com as milícias do Rio de Janeiro. Toffoli foi para o pelourinho das redes sociais, sendo duramente questionado por uma decisão que muitos consideram um ;abuso de poder; e que será examinada amanhã pelo plenário do Supremo.
Ao confrontar Dias Toffoli, num movimento que consolida sua liderança interna no Ministério Público Federal (MPF), Aras ofusca a força-tarefa da Lava-Jato, mas gera mais tensão política no país. Escolhido por um ;dedazo; do presidente Jair Bolsonaro, o procurador-geral não fazia parte da lista tríplice indicada pela corporação, após eleiçao interna. Sua nomeação foi muito contestada internamente, porém teve amplo respaldo político no Congresso. Agora, o novo procurador-geral atua como quem quer demonstrar que não está à sombra de ninguém. De certa forma, ao se insurgir contra Toffoli, defende a revogação da decisão que blindou o filho do presidente da República. É um jogo pesado, que mobiliza a opinião pública, formadores de opinião e movimentos cívicos contra o presidente do Supremo, mas expõe também o flanco do clã Bolsonaro.
A decisão de Toffoli contrária ao pedido de Aras para que reconsiderasse a liminar, na sexta-feira passada, lançou luz sobre um assunto delicado para a força-tarefa da Lava-Jato, embora o ônus da questão esteja no colo do Supremo. O presidente da Corte pediu informaçoes sobre todos os agentes cadastrados na Receita Federal para obter os relatórios de operações atípicas, suas instituiçoes de origem e as pessoas investigadas; também solicitou ao Ministério Público Federal que informasse, voluntariamente, quais os procuradores autorizados a requerer informações, os requerimentos feitos e as pessoas sob investigação sem autorização judicial. Ou seja, Toffoli quer cruzar esses dados e abrir uma caixa-preta dentro de outra-caixa preta. Virou um Deus nos acuda.
Guilhotina
Esse é um confronto inédito entre o Supremo e o Ministério Público, no qual Toffoli aparece como homem mau e Aras, como o mocinho. Todo apoio à Lava-Jato é uma ideia-força na sociedade, com viés jacobino, ou seja, que deseja as cabeças dos ministros do Supremo Tribunal Federal que querem enquadrar a força-tarefa de Curitiba, principalmente o presidente da Corte e os ministros Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes. Os três perderam a guerra de versões com o ministro da Justiça, Sérgio Moro, e os procuradores da República. Inclusive quanto à investigaçao em curso no Supremo sobre a suposta quebra de sigilo de ministros da Corte pela força-tarefa da Lava-Jato. Comandada pelo ministro Alexandre de Moraes, que está no olho do furacão, essa investigação é tão polêmica quanto a decisão de Toffoli, pois o Ministério Público Federal alega que essa competência é dos procuradores da República e dos delegados da Polícia Federal, e não dos ministros do Supremo.
Ontem, o Ministério Público Federal informou que 935 apurações estão paradas desde julho, quando Toffoli emitiu sua liminar, à espera de decisão do Supremo sobre o compartilhamento de dados entre órgãos de inteligência. O plenário deve decidir se o compartilhamento pode ser global (dados genéricos) ou detalhado (dados completos). São investigações sobre crimes contra a ordem tributária (446), lavagem de dinheiro (193), crimes contra o sistema financeiro (97) e sonegação de contribuição previdenciária (54). Há duas discussões sobre o assunto, ambas doutrinárias, ou seja, o direito constitucional de cada cidadão ter sua privacidade fiscal respeitada; e as competências de cada órgão no âmbito das investigações criminais.
Em tese, uma queda de braços entre o Supremo e o Ministério Público sobre as respectivas competências é uma não conformidade, pois o papel de poder moderador é do Supremo, a quem cabe dirimir dívidas sobre matéria constitucional. Quando o Ministério Público cresce dessa forma contra a Suprema Corte, esse poder moderador entra em xeque, o que não é nada bom para a democracia. Outra dimensão é o que está ocorrendo no Congresso, quando se discute o impeachment de ministros do Supremo e a CPI da Lava-Toga. Em teoria, a cúpula do Congresso está alinhada com o Supremo, mas política é como uma nuvem.