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Supremo decide hoje sobre o compartilhamento de dados fiscais sigilosos

Plenário do STF julga, nesta quarta-feira (20/11), se órgãos fiscalizadores, como Receita Federal e UIF, precisam de autorização judicial para compartilhar informações sigilosas com entidades de investigação

[FOTO1]O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) se reúne, nesta quarta-feira (20/11), para votar se órgãos fiscalizadores, como a Receita Federal e o Banco Central, precisam de autorização judicial para compartilhar dados detalhados de contribuintes com entidades de investigação, como o Ministério Público e a Polícia Federal. O julgamento causa apreensão em autoridades de diversos segmentos. Desde julho, uma decisão liminar do ministro Dias Toffoli, presidente da Corte, paralisou investigações em todo o país que usavam dados dos órgãos sem autorização da Justiça. Entre os casos afetados está o do assassinato da vereadora Marielle Franco, no Rio de Janeiro, e diligências relacionadas à Operação Lava-Jato.

Um levantamento do Ministério Público aponta que 935 investigações com participação do órgão aguardam a posição do STF. Para que uma decisão seja tomada, é necessário que pelo menos seis dos 11 ministros do Supremo votem no mesmo sentido. A sessão que trata do caso estava agendada, inicialmente, para esta quinta-feira (21/11), mas foi adiantada para esta quarta-feira (20/11) por determinação de Toffoli, a quem cabe definir a agenda do plenário. Ele é o relator da proposta e deve ser o primeiro a votar, após as sustentações orais, em que se manifestam advogados, entidades admitidas para falar no processo e o procurador-geral da República, Augusto Aras.

Nos últimos dias, o caso deixou o Supremo e o MPF em lados opostos. Aras defendeu, em documento enviado à Corte, que a Unidade de Inteligência Financeira (UIF), antigo Coaf, e a Receita Federal possam compartilhar informações financeiras de pessoas físicas e jurídicas sem a necessidade de aval do Poder Judiciário. De acordo com o procurador, a medida é necessária para garantir o combate à corrupção no país. Parte das investigações sobre a morte da vereadora Marielle Franco e do motorista dela, Anderson Gomes, está parada por utilizar dados detalhados dos suspeitos. O mesmo ocorre em casos da Lava-Jato e de milhares de outras diligências sobre crimes comuns.

Para determinar o congelamento das investigações que utilizam dados financeiros sem autorização da Justiça, Toffoli atendeu a um pedido da defesa do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ). O parlamentar é alvo de uma investigação no Rio de Janeiro pela suposta prática de ;rachadinha;, em que ele teria recebido parte do salário de assessores quando era deputado estadual. A defesa alega que o parlamentar teve o sigilo fiscal quebrado indevidamente pelo MP. O recurso dos advogados de Flávio foi apresentado no processo que trata da acusação de sonegação de impostos contra dois donos de um posto de combustíveis. O crime teria ocorrido em 2003, no interior de São Paulo.

Para Aras, proibir o intercâmbio de informações que não tenham autorização prévia gera ;enfraquecimento do microssistema brasileiro de combate ao crime de lavagem de ativos, impactos à imagem do país junto a organismos internacionais, como o Grupo de Ação Financeira Internacional (Gafi) e o Banco Mundial, além da possibilidade de que sejam instauradas apurações contra pessoas sobre as quais não recai qualquer suspeita;. A manifestação dele será avaliada pelos ministros do Supremo no julgamento.

Impacto

A determinação de Toffoli, em relação ao caso, gerou forte impacto na produção de Relatórios de Inteligência Financeira (Rifs). Dados do Ministério da Economia revelam uma queda de 84,4% na produção dos relatórios entre junho e agosto. Um mês antes da decisão do ministro, foram produzidos 876 Rifs. Em julho, já sob efeito do ato do ministro, o número final é menor, com 533 levantamentos concretizados. No mês seguinte, é possível notar, de acordo com os dados, uma queda acentuada, com a realização de apenas 137 análises.

Os levantamentos, sob responsabilidade da UIF, são utilizados para embasar investigações em curso. Por meio do monitoramento de dados sobre movimentações suspeitas, a unidade repassa para órgãos, como Polícia Federal e Ministério Público Federal e dos estados, informações importantes de transações que podem estar relacionadas a crimes como tráfico de drogas, lavagem de dinheiro, tráfico de pessoas e até a organizações terroristas. A Polícia Civil foi o destino de 1.026 relatórios neste ano, até outubro. A corporação foi seguida pela PF, a segunda maior destinatária, que recebeu 924 análises.

Série de danos

Aras afirmou também que impor limite à troca de informações entre órgãos pode comprometer não só a reputação internacional do Brasil quanto sua atuação nos principais mercados financeiros globais. Entre as consequências mais concretas ; elencou ele ; estão a dificuldade de acesso a créditos internacionais para projetos de desenvolvimento, a redução do rating de investimento do país por agências internacionais de classificação de risco e a dificuldade de pagamentos a exportadores brasileiros em transações comerciais internacionais, ;além de danos político-diplomáticos;.

Moraes prevê placar acirrado

O ministro Alexandre de Moraes, do STF, disse, nesta terça-feira (19/11), que o julgamento desta quarta-feira (20/11) deve envolver ;todos os órgãos de controle, porque, senão, toda vez ter que rediscutir é cansativo, não dá segurança jurídica;, frisou. Ele prevê um placar acirrado.

O ministro também criticou a possibilidade de o Supremo modular os efeitos da decisão do julgamento, algo que vem sendo discutido reservadamente por integrantes da Corte. ;Não sei por que vocês amam tanto modular os efeitos. Vocês não sabem nem qual é a decisão e já querem modular os efeitos. Modular o efeito do quê?;, questionou Moraes a jornalistas.

Indagado se o Supremo poderia fixar um marco temporal para a aplicação do novo entendimento, o ministro respondeu. ;Se a maioria entender que é constitucional o compartilhamento, continua. Se a maioria entender que é inconstitucional o compartilhamento, se é inconstitucional é nulo. Aí, levando em conta que são direitos fundamentais pode modular? Pode, mas precisa de oito votos. Agora, provavelmente será acirrada, né? Tudo acirrado.;

PEC para liberar dados do Coaf

Às vésperas do julgamento, no STF, sobre o compartilhamento de dados de órgãos de controle, um grupo de 29 senadores apresentou uma proposta de emenda constitucional (PEC) para liberar o envio de dados ao Ministério Público sem a necessidade de autorização judicial prévia. ;Cremos ser papel do Parlamento se antecipar ao STF para trazer luzes à controvérsia;, afirmam os senadores, na justificativa da PEC. Parte deles compõe o movimento Muda Senado, grupo que pede impeachment de ministros do STF e a CPI da Lava-Toga, com foco na atuação dos magistrados.

Ação contra Dallagnol

O ministro Luiz Fux, do STF, liberou, nesta terça-feira (19/11), para julgamento no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), uma ação movida contra o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da Lava-Jato no Paraná. No dia 11 deste mês, Fux havia determinado que o assunto fosse retirado da pauta do conselho, em atendimento a um recurso de Dallagnol, alegando haver vícios no processo administrativo aberto contra ele. Dallagnol é acusado de ;manifestação pública indevida;, por ter dito, em entrevista que as decisões do Supremo ;passam uma mensagem de leniência com a corrupção;. A próxima reunião do conselho é no dia 26.

Toffoli dispensa dados da Receita

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, revogou, nesta terça-feira (19/11), uma decisão que determinava que a Receita Federal enviasse à Corte cópias de todos os relatórios fiscais utilizados para abrir investigações criminais nos últimos três anos. Os dados são sigilosos e, de acordo com o ministro, serviriam para nortear o julgamento sobre compartilhamento de dados financeiros, que ocorre nesta quarta-feira (20/11), no plenário do Supremo.

Na segunda-feira, Toffoli já havia recuado da decisão que obrigava a Unidade de Inteligência Financeira (UIF, antigo Coaf) a entregar Relatórios de Inteligência Financeira (RIFs) dos últimos três anos. Os levantamentos do período solicitado pelo magistrado se referem a 600 mil pessoas físicas e jurídicas.

Explicação

De acordo com o ministro, a Receita já repassou informações suficientes para a análise do caso, e, por isso, ele voltou atrás na determinação. ;Diante das informações satisfatoriamente prestadas pela RFB, em atendimento ao pedido dessa Corte, em 25/10/19, que melhor permitiu a compreensão da controvérsia jurídica a respeito do objeto da Repercussão Geral em análise, torno sem efeito a decisão na parte em que foram solicitadas cópias das Representações Fiscais para Fins Penais (RFFP;s), expedidas nos últimos 3 (três) anos;, destaca um trecho do despacho do Ministro.

O pedido de Toffoli gerou reações de procuradores, integrantes do Poder Judiciário e de políticos. No último fim de semana, pelo menos 30 cidades realizaram protestos contra o ministro do Supremo. O magistrado alegava, nas solicitações, que os dados eram importantes para embasar o julgamento desta quarta-feira (20/11). Ele chegou a solicitar que o próprio Ministério Público Federal (MPF) enviasse, voluntariamente, informações sobre quais de seus servidores tiveram acesso a relatórios de atividades financeiras. À Receita, Toffoli solicitou os dados de quais órgãos receberam relatórios.