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Com Brasil sob pressão, Bolsonaro não vai à conferência climática da ONU

Sem a presença de Bolsonaro, tem início hoje a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP25). Em meio a recentes polêmicas sobre a Amazônia e a declarações do presidente, o Brasil será representado pelo ministro Ricardo Salles

Cláudia Dianni, Simone Kafruni
postado em 02/12/2019 06:00
[FOTO1]Começa nesta segunda-feira (2/12), em Madri, a COP 25, marcada inicialmente para acontecer no Brasil, mas cancelada ainda em dezembro de 2018, pelo então presidente eleito Jair Bolsonaro, que também não comparecerá à reunião de chefes de Estado que abre o encontro. Transferida há um ano para o Chile, em novembro, a COP acabou mudando novamente para a Espanha, às pressas, devido à instabilidade política no país sul-americano. A presidência do evento, porém, continua com o Chile.

O Brasil chega nesta etapa da Conferência das Partes, órgão supremo da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, que se negou a sediar, representado pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e com uma sucessão de problemas ambientais e sem perspectivas de cumprimento de metas. O ministro chegará ao encontro disposto a exigir recursos dos países em desenvolvimento para combater a destruição da Amazônia, a maior floresta tropical do planeta.

O objetivo da COP25 é regulamentar o Acordo de Paris, assinado em 2015, que começa a ser implementado em 2020. O encontro vai ocorrer em regime de urgência, principalmente depois da divulgação, na semana passada, do relatório de emissões da ONU Meio Ambiente, segundo o qual, para uma chance de 66% de limitar o aquecimento global em 1,5;C acima dos níveis pré-industriais, será preciso cortar as emissões globais de gás carbônico em 7,6% em todos os anos, daqui até 2030. O acordo de Paris estabeleceu em 2;C o limite de aquecimento até 2030, ou seja, com reduções de 2,7% ao ano. ;A conclusão óbvia dos especialistas é que os compromissos são insuficientes;, disse Diego Araya, da Embaixada do Chile, para quem está claro que os compromissos assumidos até agora não são suficientes para evitar as catástrofes previstas pelos especialistas.

;Para o Chile, as mudanças climáticas são algo real. As pesquisas colocam o Chile entre os 10 países mais afetados pelos efeitos extremos, como secas, incêndios florestais e enchentes. As mudanças de temperatura no Chile entre 1901 e 2018 são evidentes. Por isso, vamos procurar avançar. Não podemos permanecer apenas falando;, completou.

Para o representante da Comissão Europeia no Brasil, embaixador Ignacio Ybañez Rubio, o acordo entre a União Europeia e o Mercosul, assinado em maio, mas pendente de ratificação pelos países dos dois blocos, será uma régua que pode nivelar as ações ambientais em um patamar mais elevado. ;Meio ambiente e clima são uma prioridade para a União Europeia. O Green Deal, novo acordo verde europeu, sai em dezembro e vamos criar uma legislação de mudanças climáticas, que será produzida em quatro meses;, disse.

Compromissos

Na COP 21, do Acordo de Paris, assinado em 2015, a Contribuição Nacional Determinada (NDC) assumida pelo Brasil foi reduzir em 37%, até 2025, as emissões de gases do efeito estufa em relação às emissões de 2005, e em 43% em 2030. Estimativa feita pelo Observatório do Clima, porém, com base nos dados do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG), mostra que o país não deverá cumprir nem mesmo a meta de 2020 determinada pelo próprio governo na Política Nacional sobre Mudança do Clima, de redução de 36,1% a 38,9% até 2020.

Para reduzir as emissões, o país se comprometeu a aumentar a participação da bioenergia sustentável, fortalecer o cumprimento do Código Florestal, restaurar florestas, alcançar o desmatamento ilegal zero na Amazônia, chegar a 45% na participação de energias renováveis na matriz energética; estimular medidas de eficiência e infraestrutura no transporte público e áreas urbanas, entre outras medidas. No entanto, como mostra o quadro ao lado, as ações do governo têm ido na direção oposta.

Para o coordenador de Políticas Públicas do Greenpeace, Márcio Astrini, o Brasil chega à COP ;com 11 meses de más notícias na área ambiental;. Segundo ele, pela primeira vez na história das negociações, o país assume uma posição negacionista do aquecimento global. ;Temos uma diplomacia que nega as mudanças climáticas. As duas coisas que o Brasil tinha de bom, que era sua política ambiental e a capacidade negociadora, foram perdidas. Agora o Brasil não é mais nem neutro, é negativo;, disse.

Ele lembra que Bolsonaro, antes mesmo de assumir o governo, já anunciava que desejava sair da Conferência do Clima, como fizeram recentemente os Estados Unidos, que deixaram o Acordo de Paris. ;No entanto, ele foi barrado pela reação do mercado internacional, portanto, ele não fez isso oficialmente, mas está fazendo na prática e os números mostram isso, já temos aumento de 30% de desmatamento na Amazônia e os dados preliminares de setembro a outubro indicam aumento de 100%;, disse. O Palácio do Planalto informou ao Correio que não vai se pronunciar sobre a COP25.

Impacto

Evitar o desmatamento ou a degradação florestal por meio da ocupação e uso sustentável dos recursos naturais em florestas públicas produz os seguintes resultados:

; No caso de 20 milhões de hectares de florestas totalmente desmatados:
; 6 bilhões a 8 bilhões de toneladas de CO2 equivalentes (tCO2eq) liberados na atmosfera

; No caso de 20 milhões de hectares degradados (50% de abertura na floresta):
; 3 bilhões a 4 bilhões de tCO2eq liberados na atmosfera

; Alternativa de 20 milhões manejados de forma sustentável (10% de abertura na floresta):
; 0,04 bilhão a 0,16 bilhão de tCO2eq liberados na atmosfera;
; 5,1 bilhões a 6,8 bilhões de tCO2eq armazenados no ecossistema florestal;
; 21 milhões de tCO2eq armazenados em produtos de madeira

; Aumento do PIB em R$ 1,6 bilhão só na cadeia de madeira

; R$ 73 milhões de impacto positivo na balança comercial

; Arrecadação de impostos e encargos da ordem de R$ 150 milhões

; Com 200 mil hectares por concessão, estabelecimento de 100 novas áreas para empresas privadas (hoje são 2 mil em operação): criação de 56 mil empregos diretos e 115 mil indiretos até 2030


Fonte: Centro de Estudos em Sustentabilidade da FGV EAESP (FGVces 2016)
Embate recente com DiCaprio

A polêmica mais recente foi a possibilidade aventada pelo governo de exportar madeira in natura da Amazônia, o que é proibido desde 1983, com exceção de uma única espécie. Bolsonaro também se viu no meio de uma polêmica com o ator americano Leonardo DiCaprio na semana passada. O presidente o acusou de colaborar com queimadas criminosas na Amazônia por meio de doações à WWF, ONG que atua na área ambiental. Em nota, DiCaprio negou ter feito doações a ONGs citadas em investigações sobre incêndios florestais no Brasil.

Dados do Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getulio Vargas (FGVces) apontam que o Brasil tem a maior extensão de florestas tropicais e a segunda maior cobertura florestal do mundo, uma área equivalente a 516 milhões de hectares (Mha). Desse total, 56% (290 Mha) são florestas públicas e menos de 7% (34 Mha) destinados à produção florestal. O país também é o terceiro maior produtor de madeira no mundo, com produção total estimada em 30 milhões de metros cúbicos (m3) de tora, sendo que a região amazônica concentra a produção de madeira nativa, ao passo que a produção proveniente de plantações ocorre no Sudeste e no Sul.

No entanto, segundo a diretora executiva da FSC ; Conselho de Gestão Florestal (Forest Stewardship Council na sigla em inglês), Aline Tristão Bernardes, apenas 1,2 Mha está sob concessão, onde o manejo sustentável garante um desmatamento responsável e agregação de valor à cadeia da madeira. ;O sistema é de baixo impacto e tem certificação. Os mecanismos existem, mas precisam ser implementados e respeitados;, diz.

Indicadores

O licenciamento do manejo sustentável permite a retirada de três a cinco árvores por hectare a cada 10 anos, com vários indicadores que devem ser cumpridos. ;Existem muitas madeireiras responsáveis, certificadas. A legislação inclusive criminaliza o importador se as regras não são obedecidas;, conta.

A engenheira florestal Anna Fanzeres ressalta que o manejo permite explorar a floresta sem desmatar e as áreas têm de ser recuperadas. ;É possível e viável economicamente. Porém, ao competir com o desmatamento ilegal, se retira toda a possibilidade de agregar valor à cadeia;, afirma. Segundo ela, o Serviço Florestal brasileiro, hoje no Ministério da Agricultura, estabelece as concessões. ;É preciso estabelecer uma agenda positiva para ampliar o manejo florestal e reduzir o desmatamento. É uma decisão política;, avalia.

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