Para especialistas, as estatísticas demonstram o tamanho do dilema que o governo tem pela frente para a aprovação da PEC do Pacto Federativo 188/2019, que prevê repasses de R$ 400 bilhões da União para estados e municípios, em 15 anos, com a contrapartida de que eles não se endividem. O texto também prevê redução do salário e da jornada em momentos de crise e adiamento de reajustes, além da extinção de municípios com menos de 5 mil habitantes e arrecadação menor do que 10% da receita total.
A economista Mônica Pinhanez, da Fundação Getulio Vargas (FGV-RJ), destaca que, por precisar ajustar as contas, o governo fez a opção de baixar drasticamente o gasto com a folha de pagamento. Usou o argumento, também, de que a verba economizada com o enxugamento será investida em saúde, educação e segurança. A especialista, no entanto, vê uma contradição. ;Por mais que se invista em tecnologia, os setores mais próximos da ponta não sobrevivem sem servidores. A política restritiva deixa a população desassistida, em um momento de drástico desemprego. Isso tem forte impacto na política industrial e de saúde pública;, destacou. ;O PIB só cresce com qualificação, justamente o que a população de baixa renda não consegue acessar. Assim, o mercado, em vez de criar oportunidades, produz bolsões de pobreza.;
Roberto de Góes Ellery Júnior, coordenador do curso de Economia da UnB, admitiu que as contas públicas precisam de ajustes, mas, segundo ele, não por descontrole da folha de salários. ;Falar em explosão da folha, que vem se mantendo em cerca de 4% do PIB, não condiz com os dados. O governo foi infeliz ao manipular os números. Somou a folha de pessoal com o regime geral (aposentados da iniciativa privada), ao apresentar o Plano Mais Brasil, para dizer que cerca de 65% dos gastos é com a folha, quando, na verdade, as despesas com pessoal estão em torno de 25%;, criticou. Ele considera interessantes alguns pontos da PEC que suspende promoções e progressões de carreira em tempos de crise, mas vê perigo no fim da estabilidade. ;Não podemos deixar os municipais (servidores) à mercê de governantes de plantão;, alertou.
De acordo com Félix Lopez, pesquisador do Ipea, as remunerações mensais médias variam significativamente entre os três níveis de governo. A dos federais aumentou de R$ 5 mil, em 1986, para R$ 9,2 mil, em 2017, com alta real anual de 1,9% e avanço acumulado de 84%. No nível estadual, passou de R$ 3,6 mil para R$ 5 mil, no período, um crescimento médio anual de 1% e aumento real acumulado de 39%. Já a média dos municipais foi de R$ 2 mil para R$ 2,9 mil, avanço anual de 1,1%, e acumulado de 41%. O que significa, conforme Lopez, que, apesar de representarem 60% do setor público, os municipais ganhavam, em média, três vezes menos que os federais.
Na comparação entre os Três Poderes, o Judiciário tem salários cinco vezes maiores que o Executivo, na média. Apenas um em cada 10 servidores é da esfera federal. O levantamento destaca, ainda, que os dados apresentados estão longe de revelar um setor público em expansão descontrolada, em tamanho e despesa. ;Portanto, falar em superssalários é manipulação discursiva. As despesas com servidores subiu apenas de 9,5% para 10,4% do PIB, de 2011 a 2017. Temos que qualificar a narrativa;, assinalou Félix.
O estudo reforça: ;Indagamos, a partir desse cenário, se o debate sobre a expansão mais rápida das despesas previdenciárias contaminou a percepção sobre o que de fato ocorre na despesa com servidores ativos. Embora não sejam temas independentes, o apropriado é tratar ativos e inativos, sempre, separadamente;, destaca o texto. ;Ainda mais relevante é o fato de tanto a despesa como o crescimento relativo do número de servidores ativos estarem concentrados no Executivo municipal, o que deve ser analisado à luz das crescentes atribuições e demandas por serviços públicos assumidas nesse nível por determinação constitucional.;
Áreas prioritárias
O aumento do funcionalismo municipal não ocorreu por acaso, conforme o estudo. Eles têm de cumprir a obrigação constitucional com serviços em áreas mais intensas de contratações ; 40% dos profissionais estão nas áreas de educação ou saúde: professores, médicos, enfermeiros e agentes de saúde.Avanço para as mulheres
A participação da mulher no mercado de trabalho avançou nos 32 anos avaliados pelo estudo do Ipea, de acordo com a análise da série histórica, embora elas continuem ganhando menos do que os homens, em todos os níveis. Uma explicação possível para a situação é a probabilidade de que elas estejam predominantemente em ocupações com menor remuneração (respondem pela maior parte das vagas nas áreas de saúde e educação). A média salarial dos homens era 17,1% superior à das mulheres em 1986, diferença que subiu para 24,2%, em 2017.
Planalto mantém sob sigilo gastos de cartão
O Palácio do Planalto decidiu ignorar decisão recente do Supremo Tribunal Federal (STF) e manter sob sigilo os gastos com cartão corporativo da Presidência. Desde 1967, um decreto militar ampara a decisão de não divulgar as despesas da Presidência. Há 30 dias, no entanto, o STF derrubou o artigo 86 do decreto-lei 200/67, segundo o qual a movimentação dos créditos destinados à realização de despesas reservadas ou confidenciais do presidente ou de ministro deveria ser feita sigilosamente.O governo foi notificado em novembro sobre a mudança, mas não alterou o seu procedimento. Um mês após a decisão do Supremo, provocada por uma ação do partido Cidadania (ex-PPS), a Secretaria-Geral da Presidência (SGP) continua mantendo os gastos presidenciais em sigilo e disse que não pretende torná-los públicos. Segundo dados do Portal da Transparência do Governo Federal, a Presidência desembolsou, na gestão de Jair Bolsonaro, R$ 14,5 milhões com cartões corporativos.
Para justificar a preservação do sigilo, o governo informou que lança mão de outra legislação, a Lei de Acesso à Informação (LAI), de 19 de novembro de 2011. ;Sobre o assunto, cabe esclarecer que a legislação utilizada pela Presidência da República para classificar as despesas com grau de sigilo é distinta daquela que foi objeto da decisão do STF;, disse, em nota, a assessoria de comunicação do Palácio do Planalto.
Na interpretação do Executivo, mesmo que o Supremo tenha decidido pela derrubada do artigo que permitia o sigilo, outra lei, a da Transparência, possibilita que a Presidência mantenha os gastos dos cartões corporativos sem serem revelados.
A nota cita, ainda, o artigo 24 da LAI, segundo o qual a informação em poder dos órgãos e entidades públicas, ;observado o seu teor, e em razão de sua imprescindibilidade à segurança da sociedade ou do Estado, poderá ser classificada como ultrassecreta, secreta ou reservada;.
As informações passíveis de pôr em risco a segurança do presidente, do vice-presidente e dos respectivos cônjuges e filhos serão carimbadas como reservadas, de acordo com o Planalto, ficando sob sigilo até o término do mandato em exercício ou do último mandato, em caso de reeleição.
;Feitas as considerações acima, esta Secretaria compreende que a decisão do STF não modifica os procedimentos atualmente adotados, em face da legislação de fundamentação ser norma específica distinta do Decreto-Lei n; 200, de 1967;, afirmou a SGP.
Na avaliação da secretária executiva do Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas, Marina Atoji, o trecho da LAI citado pelo Planalto para manter os gastos com cartão corporativo em segredo não justifica essa decisão. ;Simplesmente porque as informações que eles classificaram sob essa justificativa não colocam em risco a segurança do presidente;, afirmou Marina. ;Manter o sigilo é incompatível com o princípio constitucional da publicidade e com o discurso do governo de combate à corrupção e controle de gasto público;, argumentou.