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Governo aposta em mais proximidade com congressistas no ano que vem

Por melhor que seja o diálogo com o Planalto e que novas frentes de negociação sejam estabelecidas, parlamentares pretendem manter a independência para tocar as reformas que precisam ser aprovadas ao longo de 2020

Ingrid Soares, Rodolfo Costa
postado em 22/12/2019 08:00

Por melhor que seja o diálogo com o Planalto e que novas frentes de negociação sejam estabelecidas, parlamentares pretendem manter a independência para tocar as reformas que precisam ser aprovadas ao longo de 2020As expectativas para 2020 entre governo e Congresso estão divididas. O Palácio do Planalto acredita no amadurecimento da relação e prevê um ano mais produtivo sob a ótica da convivência. Entre parlamentares, alguns acreditam na maturação do relacionamento, outros, em mais cisão. O cenário que se avizinha vai impor desafios para ambos os lados, sobretudo em decorrência das eleições municipais e da maior descentralização de recursos no Orçamento, o mais impositivo desde a redemocratização.

O Executivo atuará para inserir mais atores na articulação técnica, a fim de melhorar a comunicação de matérias com a aposta no mérito. Ao encaminhar um projeto de lei, uma Medida Provisória (MP) e uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), o governo vai trabalhar para explicar os motivos, tirar dúvidas e focar na necessidade da aprovação na tentativa de convencer deputados e senadores. A meta é manter o que vem sendo feito, mas com mais presença do Planalto nas pautas.

Na área econômica, congressistas reconhecem que o ministro da Economia, Paulo Guedes, e, principalmente, o secretário especial de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho, tiveram boa atuação para defender os méritos das redações encaminhadas. Contudo, criticam a pouca interlocução de muitos ministros e técnicos de outras pastas. O objetivo é desafogar a articulação política e auxiliar melhor o trabalho do ministro-chefe da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos.

Da parte da interlocução governista, Ramos planeja aprimorar a atuação. Ele reconhece que existe sempre espaço para melhorar e, portanto, vai buscar trazer os líderes para reuniões no Planalto. Outra meta é avaliar os vice-líderes governistas e fazer uma reengenharia no processo, preservando os mais atuantes. ;E buscar mais aproximação com o presidente (da Câmara) Rodrigo (Maia), porque, somente nos últimos três meses que a gente conseguiu essa aproximação. E também quero buscar um inter-relacionamento com os demais ministros, porque também não me conheciam. Cheguei em 4 de agosto, e só agora surgiu um relacionamento;, destaca.

Amadurecimento

A meta, endossa o líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), é refinar o diálogo, não mudar. ;Não tem nenhum indicativo de mudança do presidente ou do ministro Ramos. É lógico que o governo vai amadurecendo em todas as pastas, é natural que isso aconteça. A legislatura também vai se conhecendo. O ano que vem terá um complicador, que são as eleições municipais, então, a tendência é de melhora da articulação;, pondera.

Com base na vivência de 2019, o governo sabe com quem pode contar e com quem não. Para Vitor Hugo, esse é um diferencial que facilitará a articulação no próximo ano. ;Não vamos iniciar 2020 naquela expectativa se partido tal vai ser da base, partido tal vai votar com a gente. Temos já uma noção de quem vota com o governo e quem não vota, quem, na última hora, levanta algum tipo de problema para poder ter a atenção do governo ou não;. justifica.

Da parte do Congresso, o sentimento de algumas lideranças é semelhante. O deputado federal Efraim Filho (DEM-PB), escolhido líder do partido por aclamação para 2020, avalia que 2019 foi um ano de amadurecimento e projeta para o próximo ano os frutos desse processo. ;Vai ter uma relação mais amadurecida, porque os poderes entenderam como a relação pode funcionar, como diz a própria Constituição, harmônica, mas independente. E nossa expectativa é de que haja redução desse tensionamento na relação entre os Poderes;, explica.

O deputado federal Celso Sabino (PSDB-PA), eleito líder do partido na Câmara para 2020, faz boa avaliação da autonomia conferida ao Congresso no modelo de diálogo proposto pelo governo, e acredita que esse relacionamento possibilitará a continuidade da aprovação de matérias importantes para o país, como a reforma tributária e as Propostas de Emendas à Constituição (PECs) que reestruturam o setor público. ;Sempre defendi a autonomia e a independência do Parlamento. Em 2019, foi inaugurada uma nova forma de relação entre o Executivo e o Legislativo, que colocou o Congresso na posição de vanguarda das reformas. Então, acho que isso é importante;, analisa.

Há, no entanto, quem faça outra avaliação. O deputado federal José Nelto (Podemos-GO), líder do partido na Câmara, coloca em xeque a possibilidade do amadurecimento do diálogo e acredita que o relacionamento continuará desgastado. ;Essa relação será conflituosa até o último dia do mandato do presidente Bolsonaro, porque esse é o jeito dele de governar. E ninguém vai mudá-lo;, avalia. Para o parlamentar, o Legislativo também não vai se adaptar ao jeito do capitão reformado. ;Não vai, o Parlamento não vai se adaptar ao Bolsonaro. Ele toca a pauta dele e nós tocamos a nossa. O Congresso é reformista, vai continuar a sua independência e soberania;, frisa.

Desafio da popularidade

O governo precisará encontrar a melhor sintonia do diálogo com o Legislativo. Caso a articulação não funcione, dependerá muito de uma melhora da economia para tocar a ampla agenda de reformas defendida pelo ministro Paulo Guedes e manter a pauta, de um jeito ou de outro. Tradicionalmente, o presidente eleito costuma ter a seu favor o apoio popular no primeiro ano de mandato, um elemento chave para induzir o Parlamento a apoiá-lo. A aprovação de Jair Bolsonaro, contudo, caiu de quase 50%, no início do ano, para 29%, aponta o Ibope. O índice é o mesmo atingido pelo ex-presidente Fernando Collor, que sofreu impeachment e, em seu primeiro dia de governo, anunciou o confisco da poupança.

Basicamente, Bolsonaro mantém uma taxa dos que consideram seu governo ótimo ou bom em um patamar próximo aos 31% do índice de intenção de votos que tinha antes do primeiro turno das eleições de 2018, de acordo com o próprio Ibope. Em outras palavras, o presidente não consegue agregar apoio de parte da sociedade além dos eleitores fiéis. O senador Otto Alencar (BA), líder do PSD no Senado, alerta para as dificuldades no relacionamento com o Executivo e associa a incapacidade em agregar às próprias decisões tomadas.

O parlamentar cita, como exemplo, as cisões internas do governo. ;O próprio partido que o elegeu, o PSL, se dividiu. Quem não pensa igual, Bolsonaro tira do caminho. Isso dificulta a relação, mas o Congresso está tendo muita responsabilidade e votando a favor do equilíbrio;, afirma. Alencar considera negativa a instabilidade institucional que o presidente transmite. ;Ninguém consegue decifrar o caminho que ele vai tomar, muda de opinião de uma hora para a outra, tem descontroles verbais que constrangem os próprios aliados. O governo é confuso e instável, tanto que, em um ano, trocou muita gente. Ele faz sempre diáspora dentro do próprio grupo, mantendo um estado completo de beligerância;, explica.

Segundo mandato

A análise é endossada pelo senador Humberto Costa (PT-PE), líder do partido na Casa. Para ele, Bolsonaro tem característica autoritária, e isso se reflete em dificuldades para debater opiniões diferentes. ;Na cabeça dele, o Congresso deveria ser uma extensão do governo, dos desejos dele. Mas o Congresso é autônomo, independente e tem se posicionado assim. O que favorece é o fato de que a agenda econômica coincide com a agenda da maior parte dos congressistas, fica uma aparente imagem de que tem maioria, mas não tem. Uma das dificuldades é que ele ficou prisioneiro do discurso de que não ia ter ;toma lá, dá cá;, que não ia fazer jogo com o Congresso. Mas está sendo feito o tempo todo. Nunca houve um governo que tirasse tanta verba de ministérios e colocasse para emendas;, acusa.

A jornalistas, ontem, no Palácio da Alvorada, Bolsonaro fez uma avaliação de seu primeiro ano, que considera bom. Enalteceu o trabalho feito pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, a quem chamou de seu ;patrão;, e projetou um cenário positivo para 2020, com foco na economia. Ele bancou a aprovação da reforma tributária, mas destacou que o carro-chefe para o próximo ano será a criação de empresas. ;O que nós queremos é facilitar a vida de quem empreende;, sustenta. Diz, inclusive, ter pedido ao chefe da equipe econômica para lançar o plano ;Minha Primeira Empresa;.

A economia, na cabeça de Bolsonaro, se confirmada a recuperação projetada por analistas de mercado, será a sua grande ponte para o segundo mandato. O governo aposta que o Produto Interno Bruto (PIB) crescerá entre 2,5% e 3% em 2020, índice suficiente para reduzir a taxa de desemprego para próximo de 10%. A seu favor, terá ainda a inflação sob relativo controle e os juros nos níveis mais baixos da história. O grande desafio do presidente, em meio a esse quadro favorável, será domar o instinto de criar problemas. Bolsonaro sabe que aí mora o seu grande ponto fraco. (IS)

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