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Primeiro ano do governo Bolsonaro teve reformas nas mãos do Congresso

Temas fundamentais, como o ajuste no sistema tributário e o enxugamento do Estado, dependerão muito mais do empenho dos parlamentares para serem aprovados do que do governo. Foi assim com as mudanças no regime previdenciário

postado em 23/12/2019 06:00
ilustração de um carrinho de mão com o congressoA grande vitória do primeiro ano de governo de Jair Bolsonaro pode ser resumida em reforma da Previdência, matéria que não afundou nem mesmo diante da articulação precária do governo, das brigas políticas e das disputas de ego. O Executivo comemorou a aprovação e já mira nas próximas reformas, mesmo sabendo que a maior parte da resistência sobre as mudanças nas regras de aposentadoria foi quebrada durante a presidência de Michel Temer e que, no Congresso, o mérito da aprovação é colocado todo na conta do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

No segundo capítulo da série sobre o primeiro ano do governo Bolsonaro, políticos e especialistas vaticinam: alguns dos próximos passos mais importantes para o país continuarão sendo tocados dessa forma, com protagonismo do Congresso, avaliam especialistas. Isso vale para as reformas mais aguardadas, com destaque para tributária e administrativa. ;O governo não tem articulação suficiente para pautar o que quiser. Se continuar com a sorte de coincidir a agenda com a do Parlamento, vai para a frente;, acredita o analista político César Alexandre de Carvalho, da CAC consultoria.

Ou seja, o Planalto pode até ter interesse nos assuntos, mas deve ser coadjuvante na discussão. ;Em anos anteriores, o governo conseguia passar qualquer coisa ou pelo menos dominava o debate. Hoje, não. É acordo entre os partidos;, compara o cientista político Sérgio Praça, da Fundação Getulio Vargas (FGV). E, a julgar pelo que tem sido discutido entre os parlamentares, algumas reformas devem avançar em 2020, com ou sem contribuição do Executivo.

A tributária é exemplo claro dessa dinâmica. Mesmo que a comissão mista para tratar do assunto, cuja criação foi anunciada por Rodrigo Maia e pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre, conte com a participação do Ministério da Economia, o tema já tem sido discutido há meses no Congresso. As propostas que avançam são dos parlamentares, não da equipe econômica. O texto de consenso, que deve resultar dos debates do colegiado, não deve levar em consideração a principal ideia do governo: taxar transações financeiras.

Nada de CPMF

Desde o início das discussões, o governo mencionou algumas vezes a criação de um imposto nos moldes da extinta Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). Agora, a mais nova ideia da equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, é cobrar de quem fizer transações ou pagamentos por meio digital, como por aplicativos de bancos. Maia resumiu a visão do Congresso sobre o assunto, ao descartar qualquer tipo de imposto sobre movimentação financeira, ;com o nome que se queira dar;.

;A reforma tributária é para reduzir o peso em imposto de consumo e aumentar a tributação na renda;, diz o presidente da Câmara. Resta saber como o assunto chegará ao plenário em fevereiro, já que a comissão mista atua de maneira informal e, no fim das contas, é preciso escolher uma versão mais palatável às duas Casas. Ainda há disputas. Senadores querem ficar com a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 110, e deputados, com a PEC 45.

Os dois projetos têm em comum o preceito básico de unificar os tributos, ao criar um imposto único no lugar dos que incidem hoje sobre o consumo. A principal diferença é que o Senado propõe que ele substitua nove tributos ; lista que inclui alguns de competência de estados e de municípios, além da União ;, enquanto a Câmara defende que fique no lugar de cinco, todos federais.

O governo deve contribuir nesse debate, com estudos da equipe econômica, mas já descartou enviar uma PEC própria, apesar de Guedes dizer, em setembro, que a proposta estava ;praticamente pronta;. O ministro admite que seria ;tolice mandar outra PEC para tumultuar o jogo;. A impressão dos parlamentares é de que o interesse do governo na pauta diminuiu a partir do momento em que o Congresso descartou, de cara, a criação de uma nova CPMF. ;O problema é que a proposta do Executivo é apresentar um novo imposto. Isso ficou claro. Como o assunto morreu, não chegou nada ao Congresso;, afirma um deputado envolvido no assunto.

Serviço público

O governo também está atrasado na reforma administrativa, ainda que já tenha citado os pontos básicos do projeto que vai acabar com a estabilidade para novos servidores. O que chegou ao Congresso sobre o assunto foi a PEC 186, conhecida como PEC Emergencial, que trata de situações em que é possível diminuir gastos no serviço público, com corte de salário e de jornada, em casos extremos, de deficit fiscal. A forte reação da categoria preocupa o governo, que promete enviar a proposta ao Legislativo em 2020.

O projeto vai tratar do fim da estabilidade e regulamentar as avaliações de desempenho e possíveis demissões pelos resultados ruins. Os critérios para exoneração de funcionários ficarão mais duros. Além disso, o servidor poderá não ser efetivado após os três primeiros anos de trabalho. Hoje, não há estabilidade nos dois primeiros anos, mas, em geral, todos são efetivados depois. As progressões também ficarão mais lentas, com salários menores de entrada.

A proposta só deve avançar depois da tributária, mas ainda em 2020, dizem líderes dos partidos. Pelo calendário de Rodrigo Maia, o projeto passa ainda no primeiro semestre. O objetivo, segundo ele, é melhorar a qualidade do serviço público, com ;o mínimo de meritocracia possível;. Uma das queixas do presidente da Câmara é de que a única regra para conseguir a estabilidade, hoje, é passar em um concurso público. ;A garantia tem que ser a qualidade do serviço que ele [funcionário público] presta à sociedade;, defende.

Maia cobra do governo que a reforma administrativa seja enviada ainda no início do ano, até o fim de janeiro, porque a do Congresso já está ;bem encaminhada;. Técnicos mapearam toda a estrutura administrativa do Congresso, que tem mais de 4 mil funções. Algumas, segundo o deputado, são um desperdício de dinheiro público e devem ser questionadas. Na Câmara, especificamente, são 2,7 mil cargos, dos quais um terço deve desaparecer nos próximos 10 anos. A meta é que todas as vagas abertas por aposentadorias sejam extintas.

Judiciário

O presidente da Câmara também quer começar a discutir os privilégios de juízes. Ele diz que é preciso começar o debate sobre os salários acima do teto constitucional e sobre os 60 dias de férias da categoria. ;Isso custa para o Estado, em média, sete anos de serviço. Não que você vá impor isso ao outro Poder, porque eles vão derrubar, mas vamos chamá-los para o debate. Falar: é bom que se faça também a (reforma administrativa) do Poder Judiciário;, defende.

Além disso, o Congresso deve discutir as três PECs enviadas por Guedes ao Senado, o pacote que configura uma espécie de ;reforma de Estado;. Por enquanto, nenhuma delas chegou ao plenário da Casa. A mais polêmica é a PEC Emergencial, que cria mecanismos de controle de despesas públicas e é alvo de protesto de servidores.

A PEC 187 trata da avaliação e extinção dos fundos públicos. Por meio dela, o governo quer permissão para destinar R$ 220 bilhões que estão em fundos específicos para o pagamento da dívida pública. A PEC 188, terceira do pacote, é a do Pacto Federativo, com o objetivo de aumentar os recursos e a autonomia financeira de estados e municípios. Uma das principais propostas é redefinir a partilha de recursos do pré-sal, o que beneficiaria os entes com R$ 400 bilhões a mais em 15 anos.

Sindicatos

Outra reforma que está no radar é a sindical. A PEC 196/2019, aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara, acaba com a unicidade sindical. Ou seja, passa a permitir que haja mais de uma organização representativa de cada categoria profissional por base territorial. Mas só poderá representar uma classe se tiver um percentual mínimo de filiados.

A proposta também retira a participação do Estado na manutenção dos sindicatos, ao cortar a regulação pela Secretaria do Trabalho, vinculada ao Ministério da Economia, exigência atual para o processo de constituição de um sindicato. Esse papel passa a ser cumprido pelo Conselho Nacional de Organização Sindical, formado por seis representantes das organizações de trabalhadores e seis das confederações de empregadores.

Sobre a permissão de mais sindicatos, as organizações estão divididas. A Central Única dos Trabalhadores (CUT), a Força Sindical e União Geral dos Trabalhadores (UGT) concordam com a medida, mas outras dizem que a exigência de um número mínimo de filiados enfraquece o movimento. Quanto à criação do Conselho Nacional de Organização Sindical, a maioria é contra. O presidente da CUT, Sérgio Nobre, defende que sejam câmaras separadas e autônomas.
ilustração de dados sobre a reforma

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