postado em 24/12/2019 04:04
Nos últimos dois anos, as ações penais que resultaram das investigações da Polícia Federal, Ministério Público e demais órgãos integrantes da Lava-Jato chegaram aos tribunais de segundo grau. Nos primeiros anos, integrantes como o ministro da Justiça, Sergio Moro, então juiz da 13; Vara Federal de Curitiba, e procuradores como Deltan Dallagnol concentraram os holofotes sobre a investigação. No entanto, em 2018 e 2019 dividiram atenções com desembargadores, mais especificamente do Tribunal Regional Federal da 4; Região (TRF-4). Em 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) será peça-chave nos rumos da investigação.
A principal decisão no alvo da Suprema Corte que atinge a Lava-Jato gira em torno do processo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ; que tem um habeas corpus pendente de análise pelo plenário. Meses após Moro deixar o posto de juiz para assumir como ministro do governo de Jair Bolsonaro, conversas trocadas por ele com procuradores da força-tarefa da Lava-Jato vieram a público, vazadas pelo site The Intercept, e colocaram em debate a conduta do ex-magistrado. As atenções então se voltaram para os tribunais regionais federais, como o TRF-4, e as cortes superiores (STF e Superior Tribunal de Justiça -STJ).
A segunda instância tem atribuição de julgar recursos e o poder de revisar e até suspender condenações da instância anterior. De acordo com dados do TRF-4, 61% das penas relacionadas à Lava-Jato definidas em primeira instância foram aumentadas ou mantidas pelo Tribunal. Das que tiveram o tempo de condenação aumentado, a média de acréscimo foi de 11%. Em dias corridos, isso representou média de um ano e 30 dias. Outro ponto: 16% das absolvições em primeira instância foram revertidas em condenação no TRF4. Nesses casos, geralmente o Ministério Público recorre da primeira decisão, que entendeu pela inocência do acusado. Mais: 33% dos processos penais tiveram o tempo de condenação diminuído e 5% foram revertidas em absolvições.
Nas mensagens publicadas pelo The Intercept, Sergio Moro participa de diálogos controversos com procuradores. Em um deles, o ex-juiz indica uma testemunha para a acusação, ou seja, para o Ministério Público. O caso ocorreu no processo contra Lula, relacionado ao processo do triplex do Guarujá. Em 2016, às vésperas do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, Moro retirou o sigilo de uma gravação entre ela e Lula.
Na ocasião, o Supremo determinou que os autos fossem enviados à Corte, já que se tratava de uma conversa que envolvia a chefe do Executivo da época. A dúvida era se a divulgação da gravação exigiria autorização do STF, responsável por julgar casos relativos a chefes de Estado. Em ofício enviado à Suprema Corte, dias após o fato, Moro pediu ;escusas; e disse que não teve interesse político-partidário ao divulgar o conteúdo.
Na gravação, Dilma afirmava que estava enviando a Lula o termo de posse para um ministério. À época, havia a iminência de um pedido de prisão contra o petista. ;O levantamento do sigilo não teve por objetivo gerar fato político-partidário, polêmicas ou conflitos, algo estranho à função jurisdicional, mas, atendendo ao requerimento do MPF, dar publicidade ao processo e especialmente a condutas relevantes do ponto de vista jurídico e criminal do investigado do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que podem, eventualmente, caracterizar obstrução à Justiça ou tentativas de obstrução à Justiça;, escreveu o juiz.
Outra reportagem publicada pelo The Intercept apontou que o ato de Moro no caso Lula foi atípico, e não era igual a nenhuma das ações realizadas em oito investigações anteriores supervisionadas por ele. O atual ministro da Justiça afirmou que ;não reconhece a autenticidade e não comentará supostas mensagens de autoridades públicas colhidas por meio de invasão criminosa de hackers e que podem ter sido adulteradas e editadas;.
Desgate
O cientista político da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) Ricardo Ismael critica a ;forma criminosa; como as mensagens foram obtidas, a partir de informações repassadas por hackers que invadiram os celulares de autoridades. Mas diz que parte dos objetivos da Vaza-Jato foi alcançada. ;Havia um objetivo político, de tentar desgastar Moro, Deltan, principalmente a Lava-Jato de Curitiba, que investigou ilegalidades relacionadas ao ex-presidente Lula. A intenção é dar força à narrativa de perseguição do ex-presidente. A intenção de Glenn Geenwald era fortalecer a narrativa do PT. Nesse caso, o objetivo foi parcialmente atingido. Quando se divulga a série de coisas, deixa no ar uma certa suspeição. O material não foi auditado, mas criou um fato político que desgastou a operação. É usado por adversários, até no Supremo, como Gilmar Mendes;, aponta.
A força de trabalho de policiais e promotores também deve ser levada em conta no que tange à redução no número de operações. Quem afirma é Fernando Castelo Branco, criminalista e professor de direito penal e econômico da Escola de Direito do Brasil. Ele trata a operação como um marco no combate à corrupção no Brasil, mas destaca que a operação não está acima de críticas, e assumir erros a tornará mais forte e permitirá a continuidade dos trabalhos. ;A grande maioria dos operadores do direito envolvidos nas investigações do Mensalão vaticinavam que o ocorrido seria um marco divisório. Hoje, cinco anos após o início da Lava-Jato, o Mensalão é um irmão caçula da operação;, compara. (RS com Luiz Calcagno)