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Lava-Jato testa seus limites

Mudanças na legislação e decisões do Supremo, como a que proíbe a prisão em segunda instância, criam entraves para a operação nas ações futuras e podem acarretar anulação de condenações já realizadas

Correio Braziliense
Correio Braziliense
postado em 24/12/2019 04:04


Deflagrada em março de 2014, para investigar quatro organizações criminosas lideradas por doleiros no Paraná, a Operação Lava-Jato atingirá, em 2020, o sexto ano de atividade no que se tornou a maior e a mais extensa ação de combate à corrupção no país. Com números estratosféricos, a operação testará seus limites ao se ver diante der uma série de desafios legais. Com 70 fases deflagradas e 322 pessoas presas, sendo que 184 firmaram acordos de delação, a Lava-Jato foi alvo de intensos debates e de centenas de ações nos tribunais. O Supremo Tribunal Federal (STF) reagiu aos erros e acertos da operação. E foi da última instância da Justiça que partiu a mudança que gera maior impacto nos processos. Desde novembro, réus condenados em segunda instância de Justiça não podem ser presos por este motivo.

Investigadores apontam que o ato pode criar a sensação de impunidade e fazer com que processos prescrevam. No entanto, foi também do Supremo que partiram bases importantes da Lava-Jato, como a homologação de delações premiadas e a manutenção de prisões, como foi o caso do ex-gerente da Petrobras, Márcio de Almeida Ferreira, condenado a 10 anos e três meses de reclusão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. De acordo com o Ministério Público, ele estava envolvido em irregularidades na área de Petróleo e Gás da estatal.

O principal núcleo de investigação da Lava-Jato se concentra em Curitiba. Foram procuradores e juízes da cidade que levaram para a prisão o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, acusado de ter sido beneficiado por empreiteiras que participaram do esquema. Hoje, em liberdade, Lula responde a um segundo processo no âmbito da operação, relacionado ao Sítio de Atibaia e corre o risco de voltar para a cadeia. Condenado em primeira e segunda instâncias, seu destino está nas mãos do Supremo.

Alegações

Em março, a Corte julga uma ação que pode resultar na anulação da condenação do petista. Os 11 ministros da Corte concluem o julgamento sobre a ordem das chamadas alegações finais em uma ação penal. A Corte avalia quais casos podem ser afetados pela decisão, já formada, de que réus delatados, ou seja, acusados por outros investigados, têm direito a apresentar sua defesa por último no curso do processo. Com isso, quem for delatado, terá direito a apresentar suas últimas alegações após os delatores.

Com relação à segunda instância, o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo, entende que a medida veio apenas para adequar a legislação e dar legalidade para os atos da Lava-Jato e outras ações da Justiça. Ele acredita que, por conta das intervenções da Corte, a operação ganha mais força e segurança jurídica. ;Os abusos foram corrigidos pelo Judiciário. É um sistema de pesos e contrapesos, as instituições estão funcionando. A polícia investigando, o MP acusando e o Judiciário julgando. Precisamos buscar a correção de rumos;, declara. ;A segunda instância é harmônica, com a lei das leis, que é a Constituição. O que importa é que estamos avançando.;

Cinco anos depois de sua deflagração, a Lava-Jato mostrou força em sua origem. Apesar de a investigação ter sido iniciada pela suspeita de que um lava-jato estava sendo usado para lavar dinheiro no centro de Brasília, as diligências que revelaram um gigantesco esquema de desvio de dinheiro público e pagamento de propina envolvendo a Petrobras partiram do Paraná. Em primeira instância, a 13; Vara Federal de Curitiba ficou responsável pelos casos, julgando e condenando 159 pessoas.

De acordo com a Procuradoria da República no Paraná, em 2018, foram feitas 29 denúncias pelos procuradores integrantes do caso, envolvendo 150 pessoas, sendo 99 denunciados pela primeira vez na operação e 51 que já são réus em outros processos. Esse número representou um recorde comparado aos anos anteriores. A procuradoria informou que o ano de 2016 contava,até então, com o maior número de denúncias registradas, sendo 21 peças enviadas ao Poder Judiciário. Em 2014, foram oferecidas 20 denúncias. Em 2015, foram 17 acusações. Em 2017 e 2018, 14.

Tendência

A quantidade de denunciados por ano também apresentou variação: foram 42 pessoas em 2017 e 99 no ano passado. A procuradora da República Laura Tessler, integrante da força-tarefa no Paraná, afirma que a tendência é de que a operação ainda dure por muito tempo. ;Esses números indicam que ainda há muito trabalho pela frente na operação.

Além de todas as denúncias protocoladas, há diversas frentes de investigação em desenvolvimento que demandam dedicação dos integrantes da força-tarefa. ;Não estamos preocupados com o tempo que a operação vai demorar, mas, sim, em apurar todos os indícios de crimes que surgirem, propor as denúncias e garantir a punição dos envolvidos;, diz.

Somadas, as penas decretadas na Lava-Jato atingem 2.208 dias, quatro meses e cinco dias. Atualmente, 44 processos e seus desdobramentos tramitam na Justiça Federal do Paraná. Pelo menos sete ações penais estão momentaneamente suspensas, aguardando decisões judiciais para prosseguirem ou serem anuladas. Houve envio de alguns casos para a Justiça Federal de São Paulo, de Brasília, e de outras unidades da Federação. Alguns processos também foram remetidos à Justiça Eleitoral, por decisão do Supremo.

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