postado em 26/12/2019 04:12
Polêmicas, amadorismo e recuos marcaram a política externa do governo Bolsonaro em 2019. Especialistas em relações internacionais, economistas e diplomatas afirmam que o Ministério das Relações Exteriores termina os primeiros 12 meses da atual gestão com a imagem desgastada ; e internacionalmente enfraquecido. Com declarações explosivas e, muitas vezes, impensadas, o presidente da República teve importante papel nesse desgaste, que começou ainda durante a campanha eleitoral, com afirmações do então candidato de que a China, nosso principal parceiro comercial, queria ;comprar o Brasil;. Posteriormente, o tom belicoso deu lugar a uma postura pragmática, e, pressionado pelo empresariado, preocupado com o risco de perder negócios bilionários, o governo voltou a tratar os chineses como parceiros.
O tom ideológico das ações da diplomacia brasileira é facilmente identificado. Bolsonaro recebeu e reconheceu o oposicionista Juan Guaidó como presidente da Venezuela. A ação não deu resultado e Nicolás Maduro continua firme no poder. O Brasil se alinhou incondicionalmente aos Estados Unidos e abandonou a postura histórica de condenar o embargo econômico a Cuba na Organização das Nações Unidas (ONU). O alinhamento também não trouxe retorno prático. Pelo contrário. O presidente norte-americano, Donald Trump, chegou a anunciar a retomada das tarifas sobre o aço e o alumínio brasileiros. Num afago a Israel, Bolsonaro prometeu transferir a embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém, desagradando os países árabes, importantes compradores da nossa carne.
Para muitos analistas, o ponto positivo nas relações internacionais foram os recuos a cada solavanco, crítica ou sinal vermelho no caminho. No caso da China, a rusga terminou com uma viagem presidencial ao país asiático e o compromisso dos dois Estados de estreitar ainda mais as relações. O acordo entre o Mercosul e a União Europeia avançou, mesmo com a troca de farpas entre Bolsonaro e o presidente da França, Emmanuel Macron, por conta do aumento das queimadas na Amazônia.
Para o professor de relações internacionais da Universidade Federal de Santa Maria, Gunther Ritcher Mros, há uma disputa de espaço entre pragmáticos e ideológicos no governo, e ela deverá continuar nos próximos anos. ;A política externa sofreu um solavanco como poucas vezes se viu na história do país. Tivemos um primeiro ano ideologizado, com uma pauta que não se sustenta. Agora, devemos observar, nos próximos 12 meses, um cabo de guerra entre aspectos ideológicos, econômicos e financeiros. Vamos ver quem tem mais força até o fim do governo;, avalia.
Guru na fita
Mros constata uma forte influência do filósofo Olavo de Carvalho, tido como guru de Bolsonaro, na escolha do assessor para assuntos internacionais da Presidência da República, Filipe Martins e do chanceler, Ernesto Araújo. ;Nesses primeiros 12 meses, a política externa brasileira começou de um jeito e terminou um pouco diferente. No início, sofria muita influência ideológica dos grupos que elegeram Bolsonaro. A ideia de transferir a embaixada brasileira em Israel para Jerusalém é uma demanda evangélica, e o grupo do sistema financeiro, buscando uma pauta liberal, definiu o Mercosul como um bloco que retornaria às raízes econômicas, de livre comércio;, exemplificou.
De acordo com o professor, foi a ala olavista que influenciou o alinhamento com os Estados Unidos. ;O governo aceitou um alinhamento sem reciprocidade. Mas, a ameaça de Trump de sobretaxar o aço causou desconforto na cúpula do governo brasileiro. É preciso esperar os próximos passos para saber para onde vai a relação com os EUA. O Brasil é um país grande e é natural que outras nações tenham paciência com as trapalhadas. O fator tempo ajuda. Todo governo passa. As relações entre países continuam;, diz.
O Correio procurou o Itamaraty em sete ocasiões para comentar a política externa, mas o órgão não se dispôs a tratar do assunto.