Politica

Ideologia compromete credibilidade

Correio Braziliense
Correio Braziliense
postado em 26/12/2019 04:12

Apesar das críticas à política externa do governo Bolsonaro, diplomatas e especialistas não veem apenas aspectos negativos na atuação do Itamaraty. ;Temos que reconhecer que algumas coisas foram boas. O acordo de salvaguardas tecnológicas com os Estados Unidos estava sendo discutido há 20 anos, e aconteceu na visita do presidente a Washington. O apoio dos EUA ao ingresso do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) também foi uma coisa positiva. A conclusão dos termos do acordo entre Mercosul e União Europeia, que ainda precisa ser ratificado, foi positivo;, diz um importante servidor do Ministério das Relações Exteriores (MRE) que preferiu não se identificar. Ele admite que as conquistas decorrem de negociações anteriores, destaca que o mundo não deu as costas para o Brasil, mas alerta: ;O aspecto mais negativo é a gradual perda da credibilidade da instituição Itamaraty;.

A fonte afirma que o MRE começou a perder prestígio durante o governo Lula, recuperou parte da influência com Michel Temer no poder, mas voltou a sofrer descrédito na atual gestão, do chanceler Ernesto Araújo. ;O Itamaraty está perdendo credibilidade porque há uma ideologização na política externa. Eu critiquei a ideologização no governo do PT. A ideologização e a partidarização não podem se contrapor ao interesse nacional. A política externa é de Estado. Não é uma política de governo, como disse Ernesto Araújo. É de Estado;, alerta.

Para o funcionário do Itamaraty, o alinhamento com os Estados Unidos também não foi totalmente automático, pois o Brasil se posicionou contra os norte-americanos a respeito de uma possível intervenção militar na Venezuela e não apoiou a posição de Trump nas críticas ao Irã por ter, supostamente, comandado um ataque a instalações petrolíferas sauditas, em setembro.

Celso Amorim, que chefiou o Ministério de Relações Exteriores no governo Lula e o da Defesa, sob Dilma Rousseff, faz ressalvas. Ele avalia que falta lógica ao Itamaraty e diz que o presidente da República precisa mudar a forma com que se refere a outros estadistas. ;O Brasil é como uma nau muito grande, que navega mesmo com um mau timoneiro. Não creio que o país vá afundar, mas impressiona a forma como vem sendo conduzido. Bolsonaro pode gostar de quem quer que seja. Mas, na hora de decidir, tem que levar em conta tradições diplomáticas de diálogo, não intervenção, interesse comercial, e isso está ao léu. O país é grande, tem forças que se contrapõem. E outros países também nos tratam com respeito, sabendo que essa fase passará;, afirma.

Posicionamento


As diretrizes do Palácio do Planalto têm o apoio dos presidentes das comissões de Relações Exteriores da Câmara, Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente da República, e do Senado, Nelsinho Trad (PSD-MS). ;No início, a política externa do atual governo teve realmente um viés mais ideológico. Mas, no decorrer do ano, caminhou para a neutralidade;, diz Trad. Para o senador, o posicionamento do presidente tem viés democrático. ;O governo viu a necessidade de buscar uma ação mais macro para beneficiar o país. Ele foi eleito para isso, em detrimento de uma torcida ideológica contrária, natural de quem milita na política. Quem somos nós para ir contra a vontade de quem, soberanamente, e de forma limpa, escolheu seu representante? Esse eixo foi sintonizado, e o Brasil só tem a lucrar;, garante.

Cientista político da Fundação Getulio Vargas (FGV), Sérgio Praça também ameniza o efeito ideológico na política internacional do governo Bolsonaro. ;Todo governo tem ideologia. Da mesma maneira que o Bolsonaro está sendo ideológico, Lula também foi. Isso não é uma crítica nem um elogio. É uma característica;, avalia. Ao mesmo tempo, Praça faz um contraponto: ;Duas coisas chamam a atenção na política externa de Bolsonaro: primeiro, a interferência de familiares do presidente, especialmente de Eduardo Bolsonaro; segundo, uma hostilidade no Ministério das Relações Exteriores a pessoas que não compartilham os valores do presidente da República;.

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