Politica

Juiz de garantias divide especialistas em direito e renderá debates em 2020

Dispositivo deve entrar em vigor e tem entre seus defensores a OAB e ministros do STF. Para críticos, a novidade favorece a impunidade

Correio Braziliense
postado em 01/01/2020 07:00
A inclusão do trecho no pacote anticrime foi considerada uma derrota para o ministro Sérgio MoroA sanção do trecho do pacote anticrime que cria o juiz de garantias provocou controvérsia no fim de 2019 e tem tudo para ser um dos assuntos mais debatidos neste início de ano.

O dispositivo, previsto para entrar em vigor no próximo dia 23, é defendido pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e pela maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Para eles, a lei preserva a imparcialidade dos julgamentos.

Entre os que a contestam estão entidades de classe e o partido Podemos, que recorreram à Suprema Corte porque veem na medida uma forma de prejudicar investigações, como as levadas a cabo pela Operação Lava-Jato.

Críticos também acusam o presidente Jair Bolsonaro de legislar a favor do filho, o senador Flávio Bolsonaro (sem partido), investigado pela prática de rachadinha quando era deputado na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Em meio à polêmica, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) criou um grupo de trabalho para definir como a lei será aplicada. O trabalho deve ser encerrado até o dia 15.

Para o senador Major Olímpio (PSL-SP), a sanção do trecho causa desconforto entre os eleitores porque vai contra o que o presidente pregou durante a campanha eleitoral. “O juiz de garantias e o abuso de autoridade, são coisas que ele vem sancionando que colocam em conflito as bandeiras dele e as nossas”, critica. “Imagine o que os eleitores de Bolsonaro, como eu, sentem, ao ver essa medida? Foi apoiada por Gleisi Hoffman, do PT, por Marcelo Freixo, do PSol, por juízes garantistas. Isso desgasta.”

De acordo com o parlamentar, Bolsonaro se irritou ao comentar o assunto — em live na quinta-feira — “porque não tem argumento”. “Dizer que não pode contrariar o Congresso? Foi uma votação apertada na Câmara”, frisou. “Nós combinamos o veto. O general Ramos (Luiz Eduardo Ramos, ministro da Secretaria de Governo) e o Moro (Sérgio Moro, ministro da Justiça) estavam conosco, apoiando a votação com veto. Temos a Justiça mais lenta do mundo e estamos criando uma nova instância? Eu não sou adversário do presidente”, desabafou.

Por sua vez, a deputada Alê Silva (PSL-MG), da ala bolsonarista, demonstrou desconforto ao tocar no tema, mas garantiu que o Congresso forçou o presidente. Para ela, o posicionamento do chefe do Executivo a respeito do assunto foi suficiente para acalmar a base de eleitores. “O juiz de garantias não tem viabilidade técnica ou judiciária para vingar, mas entendo que o presidente não tinha de se desgastar com esse veto. Logo adiante, isso não vai se estabelecer”, destacou. “Foi uma medida prática. Ele já fez declarações para os eleitores. As mensagens foram esclarecedoras, e as pessoas entenderam as razões.”

Explicações

Na live de quinta-feira, Bolsonaro disse que está preocupado com o voto do eleitor, mas que não pode “ser escravo de todo mundo”. “Não tenho que explicar essa situação, o que me surpreende é um batalhão de internautas juristas e constitucionalistas para debater o assunto. Eu aceito críticas fundamentadas, mas tem muita gente falando abobrinha”, reprovou. “É 70% de esquerda e 30% gente nossa, gente que eu tenho certeza de que votou em mim, mas que está sendo levada pelo momento.”

Visivelmente chateado, Bolsonaro reclamou das críticas que vem recebendo de internautas, que o chamaram de traidor. “Se vai te prejudicar, é simples: não vota mais em mim”, disparou. “Bateram demais em mim. Alguns foram para a questão pessoal, familiar. Crítica, a gente aceita sem problema nenhum. Muita gente defende o juiz de garantias. Nenhum juiz consegue, nos grandes processos de corrupção, como os da Lava-Jato, fazer todo o processo sozinho. Na 13ª Vara de Curitiba, por exemplo, não era só o Sérgio Moro, era um batalhão de juízes”, emendou. O presidente também disse que não quer favorecer Flávio Bolsonaro, como o estão acusando. “Não fiz nenhum trato com ninguém sobre vetar o juiz de garantias. Estou fazendo com a consciência tranquila, não é para proteger ninguém. Ficam aí as teorias da conspiração.”

Em um post em rede social, Bolsonaro ainda frisou que não pode “sempre dizer não ao parlamento”. Ele ressaltou que o governo só avançou com a proposta porque recuou em alguns pontos e lembrou que, “na elaboração de leis, quem dá a última palavra sempre é o Congresso, derrubando possíveis vetos”.

Rusgas "exageradas"

Ao manter a figura do juiz de garantias no pacote anticrime, o presidente Jair Bolsonaro se indispôs, principalmente, com o grupo de apoiadores da Operação Lava-Jato, avalia Paulo Baia, cientista político da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “Os ligados ao lavajatismo enxergam o juiz de garantias como uma ação contra Moro, mas é uma proposta antiga, foi apresentada durante o processo constituinte e não passou”, diz. “Agora, o centro político apoia a proposta. Mesmo com a indisposição com Moro, a fala de Bolsonaro de não se indispor com o Congresso tem mais peso. A maioria queria o juiz de garantias, sobretudo os deputados federais.”

O especialista, no entanto, caracteriza o mal-estar como “águas passadas” e insuficiente para provocar uma crise. “Houve uma indisposição, mas avalio que já passou. O que acontece é que tudo que é visto como atentado à Lava-Jato gera grande repercussão. A proposta cria um ambiente de discórdia, mas não de racha ou fissura”, defende.

Baia se diz favorável à lei por criar um processo mais seguro para a tramitação. Ele acredita ainda que, apesar de ser um mecanismo novo, é compatível com o tempo da Justiça e não resultará em morosidade.

Para o advogado e cientista político Murillo de Aragão, da Arko Advice, as rusgas sobre a sanção da lei são excedentes. “Está exagerado. Quem defende o direito não se importará em fazer juiz de garantia. Só não pode atrasar a Justiça. Tem que ter esse cuidado”, pondera.

Em meio ao imbróglio político, a classe jurídica — ressalta ele — também é outro fator na discussão. “Houve muito ativismo. É evidente que juiz não quer ter que se reportar a juiz na mesma instância. A reação corporativista é muito mais briga de poder.”

Na opinião de Aragão, a lei é necessária. “Ao menos sete ministros do Supremo são a favor do juiz de garantia. Se uma pessoa é processada e se depara com um trâmite que não é correto, ele é a figura que pode minimizar o erro e a ilegalidade nos processos”, ressalta. “Claro que é uma iniciativa que precisa ter implantação cautelosa e bem planejada.”

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