Correio Braziliense
postado em 06/01/2020 06:00
Apesar de ainda faltarem quase três anos para a eleição do próximo presidente da República, e de haver um pleito municipal este ano, que será um forte termômetro para a sucessão presidencial, os nomes mais cotados já começam a escutar conselhos de assessores e parlamentares mais próximos sobre retoques necessários no comportamento eleitoral.
Entre as opções do PSDB, o governador de São Paulo, João Doria, e o apresentador Luciano Huck precisam fortalecer seus nomes em meio às classes sociais mais baixas. Enquanto Doria se afasta desse público por seu estilo de vida luxuoso, Huck tende a reviver as ações midiáticas de seu programa de tevê — onde muda a vida das pessoas ao reformar casas e oferecer empregos. Os dois sinalizam, informalmente, a intenção de participar da corrida eleitoral, mas precisam “popularizar” suas figuras pelos próximos anos, dizem assessores próximos ao cacique tucano e ao pretenso político.
A ideia de Doria é se tornar mais popular no Nordeste, que rechaça o estilo de vida da elite paulistana. Huck, cuja vantagem é ser conhecido nacionalmente, precisa consolidar o discurso social. O movimento desses possíveis candidatos causa preocupação entre os petistas e aliados do presidente Jair Bolsonaro, que estuda a possibilidade de concorrer ao próximo pleito ao lado do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, ainda tratado como herói nacional após o primeiro ano de governo ao lado de Bolsonaro.
Um empresário de Brasília, apoiador de Doria, que prefere não se identificar, diz que, para concorrer ao cargo de presidente, o governador de São Paulo terá que mudar a imagem que cultivou de homem abastado, para construir uma imagem de homem do povo. Em São Paulo, segundo explicou o empresário, existe uma atmosfera de privilégios que condiz com candidatos como Doria e Geraldo Alckmin, ex-governador do estado.
Entre os tucanos, é consenso que Doria precisa se tornar mais popular — com o cuidado de não exagerar. Um assessor do PSDB, que também pede anonimato, avalia que há muitos candidatos que “saem para o abraço”, o que não está de acordo com a proposta do partido. Mesmo assim, ele diz que a avaliação na legenda é a de que o governador precisa de mais aderência nas camadas sociais afastadas da elite. Ele avalia ainda que o fim do financiamento privado das campanhas eleitorais complicou para os candidatos mais abastados e bem relacionados com o poder econômico, como é o caso de Doria. Outro motivo de preocupação é a falta de coligações em 2022, problema que já se apresenta este ano, nas eleições municipais de outubro.
O cientista político Enrico Ribeiro, coordenador legislativo da Queiroz Assessoria em Relações Institucionais e Governamentais, avalia que o caminho de Huck será mais complicado. “Huck não pode aparecer como político devido a questões contratuais. Ele vai ter pouco tempo para se construir como candidato a presidente da República”, diz. “Se vier a se candidatar, terá que se comportar como um verdadeiro concorrente à Presidência, e não apenas como um aventureiro. Ele é um empresário muito bom e um apresentador de TV famoso, mas, na hora que a campanha eleitoral começar a pegar, ele vai precisar mostrar que é um candidato para valer”, ressalta.
Cabos eleitorais
As eleições municipais podem afetar diretamente a corrida pelo Planalto, dizem especialistas. Na prática, é provável que a ideologia de quem dominar as assembleias legislativas e prefeituras acabe estendida ao governo federal. “Estados e municípios são cabos eleitorais de presidentes, governadores e congressistas. A expectativa é de que os aliados do presidente Bolsonaro tenham força, mas também há o lado contrário”, analisa o professor de Ciência Política Felippo Madeira, da Universidade Estadual de Goiás (UEG).
Para Felippo, a esquerda e o centro tendem a lutar pelo espaço perdido para a direita na eleição de Jair Bolsonaro. “Militantes vão fazer mais barulho nas ruas e na internet para tentar amenizar o resultado do último pleito”, aposta. Essa possibilidade, acredita, pode fazer com que as lives do presidente e do primeiro escalão se multipliquem. “É normal buscar canais de comunicação mais abertos. Isso provavelmente vai acontecer”, completa.
Sairá fortalecido dessa disputa, prevê Ribeiro, o grupo que conseguir levar o seu discurso de forma mais direta à base eleitoral e vencer, sobretudo, em cidades médias e grandes. “Estas eleições não são apenas para vereador e prefeito. Serão a fundição para que cada partido crie a base do que vai ser a campanha de 2022. Eles vão provar a capilaridade dos seus discursos e, em caso de vitória nas urnas, conquistar mais tempo de TV e cotas de fundo partidário”, explica.
Partido dos Trabalhadores
Apesar de o debate sobre as eleições presidenciais de 2022 já movimentar o cenário político, formalmente, algumas legendas preferem se abster de uma análise mais aprofundada. O PT, por exemplo, fala em priorizar as eleições municipais deste ano e, só depois, construir uma agenda para concorrer ao Palácio do Planalto. “A nossa proposta é ter candidatos na maior parte dos municípios possíveis, principalmente nas capitais. Queremos apresentar nomes e o nosso programa para o desenvolvimento do país”, diz a presidente nacional da sigla, a deputada Gleisi Hoffmann (PR).
A parlamentar garante que o PT vai priorizar candidaturas próprias às prefeituras, mas não descarta a possibilidade de o partido se aproximar de legendas como PSB, PDT, PSol e PC do B. Com o movimento, a sigla poderia fortalecer a união entre os partidos de esquerda e centro-esquerda e, consequentemente, a oposição ao presidente Bolsonaro e aos demais candidatos, que aderem a um viés de direita ou centro-direita, como Doria e Huck.
“As eleições municipais de 2020 terão um caráter nacional muito forte e serão o principal termômetro para o pleito majoritário, pois o foco da campanha em 2022 será a vida do povo. É impossível desenvolver políticas municipais no âmbito que as pessoas mais reivindicam, como saúde e educação, sem financiamento federal. E, hoje, temos uma situação difícil para o povo brasileiro, que sofre com uma política que não dá respostas”, comenta Hoffmann. “Isso é o que estará em discussão daqui a dois anos: o quanto essas candidaturas terão a oferecer. A meu ver, todas estão voltadas para uma estratégia mais liberal e falam pouco do social”, acrescenta.
Além disso, com o ex-presidente Lula fora da prisão, a ideia do PT é usar a força da sua liderança política para “conquistar território” e, a partir de uma eventual suspeição de Moro no caso do triplex do Guarujá (SP), lançar o nome do ex-presidente para concorrer em 2022. “Nosso empenho será o de resgatar os direitos políticos de Lula, que será o nosso candidato. Mas isso vai depender dele”, frisa a deputada. “Temos outros nomes, claro, como o de Fernando Haddad, que é uma referência importante para a política nacional. De qualquer forma, queremos passar o processo municipal para depois discutir 2022”, completa Gleisi.
“Nosso empenho será resgatar os direitos políticos de Lula, que será o nosso candidato. Mas isso vai depender dele. Temos outros nomes, como o de Fernando Haddad, que é uma referência importante para a política nacional. De qualquer forma, queremos passar o processo municipal para depois discutir 2022”
Gleisi Hoffmann, deputada federal (PR) e presidente do PT
“Estas eleições não são apenas para vereador e prefeito. Serão a fundição para que cada partido crie a base do que vai ser a campanha de 2022. Eles vão provar a capilaridade dos seus discursos e, em caso de vitória nas urnas, conquistar mais tempo de TV e cotas de fundo partidário”
Enrico Ribeiro, Cientista Político
Notícias pelo celular
Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.
Dê a sua opinião
O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.