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Mesmo sem subsídio, evangélicos negam mal-estar

Presidente Jair Bolsonaro desiste de conceder benefício na conta de luz para templos. Apesar disso, religiosos garantem que relação não ficará abalada. Em dezembro, o chefe do Executivo contemplou igrejas com prorrogação de isenção do ICMS



Líderes religiosos e representantes de classe no Congresso garantem que o recuo do governo na intenção de subsidiar energia elétrica para igrejas não abalou o relacionamento deles com o presidente Jair Bolsonaro. Os evangélicos, principalmente, são aliados de primeira hora do chefe do Executivo e dizem que manterão o apoio. Embora tenha vetado desconto nas contas de luz dos templos, Bolsonaro sancionou, em dezembro, a lei que permite a prorrogação por até 15 anos da isenção do pagamento do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual, Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) para igrejas e entidades beneficentes.

Após longas reuniões e estudos que não se concretizaram, a polêmica sobre o subsídio para os templos religiosos nas faturas de energia elétrica foi encerrada ontem. Ao deixar o Ministério de Minas e Energia (MME), Bolsonaro reconheceu que o decreto era dele, mas que decidiu recuar após conversar com ministros. “O impacto (do benefício para as igrejas) seria mínimo, mas a política do Ministério da Economia é não ter mais subsídios, então, está suspensa qualquer negociação nesse sentido”, justificou. “Era intenção minha, decreto meu, mas pedi pareceres do MME e da Economia, em que os ministros apontaram os prós e contras, para eu decidir. Quando se fala em subsídio, alguém vai pagar a conta, então está suspenso”, reforçou.

O bispo Robson Rodovalho, ex-deputado federal, criador da Igreja Sara Nossa Terra e apoiador de Bolsonaro na campanha presidencial, disse que existem pressupostos na Constituição que garantem isenção aos espaços de fé, mas negou tratamento privilegiado. “Eu não estudei a natureza do que foi proposto. Se for algum tipo de benefício, então o presidente está certo em não dar. Não seria justo.”

O especialista em história do cristianismo e professor do Departamento de História da Faculdade União Pioneira da Integração Social (Upis) de Brasília Sérgio Coutinho afirmou que durante o governo Lula algo semelhante foi feito para os católicos, com acordos e isenções para escolas e hospitais mantidos pela religião. “Parece-me natural que o presidente Bolsonaro, mais ligado aos evangélicos, tenha buscado soluções para os evangélicos. Até, talvez, para fortalecer esse novo partido que se vem tentando construir”, emendou, numa referência ao Aliança pelo Brasil, que o chefe do Executivo tenta criar.

Coordenador da Frente Parlamentar Evangélica do Congresso, o deputado Silas Câmara (Republicanos-AM) ressaltou que “nunca houve compromisso do presidente em fazer qualquer decreto para eximir os templos religiosos do pagamento da tarifa elétrica”. Havia, sim, uma ideia a ser discutida, destacou. O parlamentar garantiu não ter havido qualquer negociação nesse sentido, justamente porque o governo sancionou, em dezembro, o PLC. “Só com isso, nossa conta de energia elétrica baixou 30%”, contou.

O projeto que a equipe econômica de Bolsonaro analisava tratava da possibilidade de acabar com a tarifa discricionária das empresas de energia elétrica que podem multiplicar o valor da eletricidade em até quatro vezes, das 18h às 23h, o chamado “horário de ponta”. “Isso realmente beneficiaria as igrejas, porque é a hora em que elas funcionam, mas o Brasil tem tantos desafios que esse é um problema menor”, minimizou Silas Câmara. Para o coordenador da bancada evangélica, “não houve nenhuma rusga no relacionamento do presidente com os religiosos”.

Críticas

Entre os evangélicos, por sinal, já tinham sido feitas críticas a Bolsonaro por conta da ideia de conceder o subsídio. O pastor André Mello, associado ao Livres — movimento liberal nascido no PSL, mas que rompeu com o partido depois da filiação de Bolsonaro, em 2018 — argumentou que esse incentivo fere o princípio da igualdade e também a “lei de Deus”. Ele destacou que, ao entregar um “agrado” aos religiosos, o benefício penaliza os consumidores pagadores de impostos. “É um pecado sem tamanho”, declarou, em artigo publicado pelo Livres.

O pastor da Igreja Presbiteriana da Aliança do Rio de Janeiro afirmou, ainda, que “a proposta inexequível e indefensável de promover algum tipo de isenção, imunidade ou benefício (seja qual for a forma) aos templos religiosos” viola o princípio da igualdade perante a lei, que, na opinião dele, dever valer para todo tipo de associação e está de acordo com os princípios pregados pela Bíblia, a “lei de Deus”. “Nos Evangelhos e epístolas não há nenhum tipo de brecha para as imunidades e incentivos governamentais às igrejas”, salientou. Ele tachou de “diabólica” a ideia de separar pessoas ou credos ao beneficiar uma religião em detrimento de outras.


Benefícios
Pelo Projeto de Lei Complementar (PLC) 55/2019, as igrejas, além de não pagarem impostos sobre aluguel de imóveis, bens em nome da entidade e serviços prestados, deixaram de ser tributadas ao fazer reformas, por exemplo. Todo o material adquirido e o serviço contratado pelas organizaçãos se tornaram isentos de impostos.


"Eu não estudei a natureza do que foi proposto. Se for algum tipo de benefício, então o presidente está certo em não dar. Não seria justo”
Bispo Robson Rodovalho, criador da Igreja Sara Nossa Terra


5 milhões
Quantidade de votos que evangélicos dizem ter conseguido para Bolsonaro em 2018, segundo a Confederação dos Conselhos de Pastores do Brasil (Concepab)