Politica

Um ministério para Regina Duarte

Bolsonaro estuda recriar a pasta da Cultura para convencer a atriz a assumir o cargo. Eles vão se reunir amanhã, no Rio de Janeiro. Artistas mostram-se preocupados com as incertezas sobre o futuro da área no país

Correio Braziliense
postado em 19/01/2020 04:04
Durante a campanha eleitoral, Bolsonaro postou foto em uma rede social com a %u201CNamoradinha do Brasil%u201D

Com o objetivo de convencer a atriz Regina Duarte a participar do governo, o presidente Jair Bolsonaro cogita recriar o Ministério da Cultura, rebaixado por ele no ano passado ao status de secretaria. Segundo interlocutores do Palácio do Planalto, a avaliação é que a antiga aliada goza de muito prestígio para assumir um cargo de segundo escalão. Ela foi convidada diretamente por Bolsonaro, na sexta-feira, para ser a nova secretária especial de Cultura, após a demissão do dramaturgo Roberto Alvim. Ele foi afastado por ter citado, em um vídeo, ideias do ideólogo nazista Joseph Goebbels.

Regina Duarte deve dar uma resposta ao convite durante uma reunião com Bolsonaro amanhã, no Rio de Janeiro, onde o presidente cumprirá agenda oficial. Entre os compromissos previstos está um encontro, às 10h, com o prefeito da capital fluminense, Marcelo Crivella. O Ministério da Cultura poderá ser recriado por meio da edição de uma medida provisória, que passa a valer após publicação no Diário Oficial da União, mas precisa do aval do Congresso para continuar em vigor. Em 2019, os deputados rejeitaram uma emenda que propunha a recriação da pasta. Ela foi apresentada à MP que estruturou a administração federal, a mesma que rebaixou a Cultura ao status de secretaria.

Ao convidar Regina Duarte, a intenção de Bolsonaro é ter um nome de peso no comando da Cultura, à semelhança da indicação do cantor e compositor Gilberto Gil, que chefiou a pasta durante o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Enquanto ainda avalia o convite para compor o governo, Regina Duarte publicou, ontem, no Instagram, um card com o balanço das realizações dos 10 primeiros meses da presidência de Bolsonaro. São destacadas, por exemplo, resultados como a queda do número de homicídios e estupros, a aprovação da reforma da Previdência e acordos internacionais “sem viés ideológico”.

Em um dos comentários, a atriz escreveu que “nunca é demais lembrar o tanto de respeito que este governo tem pelo seu povo”. Muitos seguidores também comentaram o post, a maioria pedindo que ela aceite assumir a Cultura.
Segundo interlocutores do Planalto, caso a atriz recuse o convite, uma das alternativas é o nome do ator Carlos Vereza, historicamente alinhado com as posições conservadoras do presidente da República.

Incertezas
A demissão do dramaturgo Roberto Alvim ainda não foi suficiente para dissipar a nuvem de incertezas que paira sobre o futuro da produção cultural no país. Para muitos representantes do setor, ele só foi demitido devido à repercussão do caso, e não pelo fato de Bolsonaro discordar do conteúdo do discurso que motivou a exoneração.
A principal dúvida é se a simples substituição de ocupantes de cargos vai cessar o que os críticos consideram perseguições e atos de censura a artistas e produções culturais. Segundo eles, os auxiliares de Bolsonaro, em diferentes áreas da administração federal, incluindo também a educação e o meio ambiente, apenas reproduzem o que o presidente sempre manifestou ao longo da carreira política.

A poeta, jornalista, escritora, cantora e atriz Elisa Lucinda disse que Roberto Alvim só foi demitido porque expôs, de forma cristalina, a face autoritária do governo. “É claro que o caso do secretário de Cultura não é um fato isolado. Ele só foi demitido porque errou a mão, entregando a verdade sobre um governo que se diz democrático, mas é de extrema direita e apoia torturadores”, disse ao Correio. “E digo aos desavisados: sempre desconfiem de um governo que trata os professores, a ciência e as artes como inimigos”, acrescentou.

Elisa Lucinda também lembrou que o “trailer do filme de Alvim” foram as ofensas proferidas por ele contra a atriz Fernanda Montenegro, considerada a diva da dramaturgia brasileira. Ela foi chamada pelo ex-auxiliar de Bolsonaro, entre outras expressões desonrosas, de “sórdida”, “intocável” e “mentirosa”.

Entre as manifestações públicas sobre o assunto, muitas colocam a pecha de “nazista” sobre governo como um todo, trazendo certo desconforto ao presidente da República. Esse também seria um dos motivos que levaram Bolsonaro a avaliar a recriação do Ministério da Cultura. A medida seria uma forma de demonstrar a valorização de um setor envolto em uma série de crises desde a posse do atual governo.

 

Críticas nas redes

Os danos provocados pelo caso Roberto Alvim na imagem do governo são nitidamente visíveis nas redes sociais. Artistas, intelectuais e outros internautas têm associado a postura do ex-secretário especial de Cultura, que citou frases nazistas em um vídeo, a um posicionamento manifestado em diferentes ocasiões pelo presidente Jair Bolsonaro. “A arte livre ameaça o fascismo, o nazismo, o autoritarismo, tudo no mesmo saco”, escreveu, no Twitter, a cantora Zélia Duncan.

Por sua vez, o escritor Marcelo Rubens Paiva postou na mesma rede social: “Me choca a surpresa com referências nazistas deste governo. Há anos, Bolsonaro é recebido por estudantes com 'machistas, fascistas, no passaran', nós de bom senso escrevemos mil alertas citando semelhanças: Brasil Acima de Tudo é inspirado no lema nazista Deutschland Über Alles”.

Em meio ao turbilhão de críticas, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) tentou amenizar as atrocidades do nazismo, comparando o regime liderado por Adolph Hitler, que matou mais de 6 milhões de judeus, ao comunismo e ao socialismo.
“O Brasil corretamente abomina o nazismo, um nefasto sistema que criou uma máquina que assassinou 6 milhões de judeus e jogou o mundo na Segunda Guerra Mundial. Mas muito mais assassino foi e é o comunismo/socialismo, que vive trocando de nome e se reinventando, porém segue matando por onde passa”, escreveu o deputado. (JV)

Memória

Idas e vindas em 2019

Logo que tomou posse, o presidente Jair Bolsonaro anunciou que um dos principais desafios do novo governo seria o de eliminar o “viés ideológico de esquerda” dos diversos órgãos da administração federal. Desde então, alguns setores, sobretudo a Cultura, vivem dias conturbados, em um constante clima de instabilidade.

A reformulação da Lei Rouanet, de fomento à cultura, foi uma das primeiras medidas. Para o presidente, que acusou a norma de ser um instrumento para “cooptar” artistas,  as mudanças eram necessárias para que os recursos financeiros captados chegassem a quem realmente necessita, gerando, segundo ele, inclusão e cidadania.
Bolsonaro também rebaixou o status do Ministério da Cultura, transformando-o em uma secretaria especial do Ministério da Cidadania.

Desde então, o órgão enfrenta uma sucessão de crises, sendo que uma das primeiras resultou no pedido de demissão, em agosto de 2019, do então secretário Henrique Pires. Jornalista, ele não concordava com o que chamou de “censura” do governo contra obras com conteúdo LGBT. A suspensão de um edital para a produção de séries sobre a temática foi a gota d’água para a saída de Pires.

Em setembro, o presidente nomeou como novo secretário o economista Ricardo Braga, que, até então, não tinha qualquer experiência no setor cultural. Dois meses depois, em novembro, ele foi exonerado do cargo para assumir a Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior (Seres) do Ministério da Educação.
Em novembro, antes de anunciar o nome do dramaturgo Roberto Alvim para assumir o cargo, Bolsonaro afirmou, em tom irônico, que os artistas ficariam satisfeitos com a nova indicação. Disse também que mudanças seriam realizadas na Funarte e na Agência Nacional do Cinema (Ancine).

A atuação de Alvim no novo cargo incomodou o ministro da Cidadania, Osmar Terra, o que levou a secretaria especial de Cultura a ser remanejada para a estrutura do Turismo. Na sexta-feira, Alvim foi exonerado do cargo, após divulgar um vídeo em que cita frases do ideólogo nazista Joseph Goebbels.

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