Aguarda-se para esta segunda-feira (20/1) a resposta de Regina Duarte ao convite de Jair Bolsonaro (sem partido) para assumir a Secretaria Especial da Cultura. O presidente, que estará no Rio de Janeiro – tem encontro oficial com o prefeito Marcelo Crivella (Republicanos) e com o comandante da Marinha, almirante Ilques Barbosa Júnior –, deverá conversar pessoalmente com a atriz, a pedido dela.
A pasta está em aberto desde a demissão do diretor de teatro Roberto Alvim, na sexta-feira (17/1), devido ao discurso com referências nazistas proferido por ele para anunciar o Prêmio Nacional das Artes – iniciativa que destinaria R$ 20 milhões a projetos de todo o país, cuja página já foi suprimida do site da secretaria. Na noite de sábado (18/1), ao sair do Palácio da Alvorada para cumprimentar turistas, Bolsonaro se esquivou da imprensa ao ser questionado sobre o convite à atriz. “Namoradinha do Brasil. Está respondido. Valeu”, limitou-se a dizer.
Foi um fim de semana de especulações sobre o destino que o governo federal dará à cultura. Há quem avalie que o nome de Regina Duarte seria grande para apenas secretaria. Aventou-se a hipótese de Bolsonaro voltar com o Ministério da Cultura – o órgão poderia retornar via Medida Provisória (MP), caso haja aprovação do Congresso Nacional. Outra dúvida é sobre a permanência do grupo levado para o governo por Alvim. Há até quem aponte que caso Regina recuse o convite, Carlos Vereza, outro ator que apoia o presidente, pode ocupar o cargo.
Bolsonarista de primeira hora, Regina Duarte, em entrevista à Rádio Jovem Pan, confirmou o convite: “Não é a primeira vez que eu sou convidada para esse cargo. Me assusta muito, porque tem um ministério complicado aí.” Desde novembro, a secretaria está vinculada ao Ministério do Turismo, comandado por Marcelo Álvaro Antônio (PSL-MG), indiciado pela Polícia Federal por suspeita de envolvimento em esquema de candidaturas laranja.
Até dois meses atrás, ela estava abrigada no Ministério da Cidadania. A transferência foi o artifício de Bolsonaro para pôr Alvim como secretário e evitar novos conflitos entre ele e o ministro Osmar Terra (MDB), que já haviam se estranhado. Em sua conta no Instagram, com 1,7 milhão de seguidores, Regina Duarte republicou, no sábado, a fala do general Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional.
“Fantástica, e até emocionante, a reação de intelectuais, artistas, historiadores, professores, estudantes, militares e da nação como um todo, ao infeliz resgate de pensamentos nazistas. Mostra uma face da convicção e do apego de nosso povo à democracia e às liberdades individuais.” Em resposta, internautas criaram a hashtag #AceitaRegina.
Por sinal, no fim de semana, essa hashtag foi utilizada várias vezes pelo ator José de Abreu em sua conta no Twitter – mas de forma irônica. O ator e Regina, que atuaram juntos em novelas da Globo – foram, inclusive, marido e mulher em Desejo de mulher (2002) –, já protagonizaram confrontos virtuais por questões ideológicas. “Aposto que Regina Duarte não aceitará o cargo. Terá que pedir licença ou demissão da Globo. Se ainda fosse ministra, mas secretária é pequeno demais.” Mais tarde, Abreu voltou à carga: “A mulher ideal para participar do governo nazista-homofóbico-miliciano”.
Breking Faking News: Regina Duarte exige a recriação do Ministério da Cultura para participar do governo. %u201CSempre fui a protagonista, não será agora que vou ser a secretária. Quase não tem fala%u201D em%u2026
; José de Abreu (@zehdeabreu)
Ajuda
A empresária e produtora cultural Paula Lavigne afirmou que a eventual nomeação da atriz poderia “ajudar” a classe artística. “Acho que na situação de desmonte total da cultura que estamos vivendo, ter Regina Duarte pode ajudar. Ela é de direita, mas não é nazista: redução de danos”, disse Lavigne, organizadora da campanha 342 Artes, contra a censura e a difamação. O escritor Paulo Coelho, também via Twitter, postou que Regina Duarte “ou qualquer outro não faz diferença – quem manda no governo é o Líder e seus filhos”.
Em Minas, o tom das reações é semelhante. A falta de experiência em gestão pública foi destacada por Chico Pelúcio, ator, diretor e um dos fundadores do Grupo Galpão. “Do ponto de vista ideal, ela está longe de ser a pessoa que responderia à altura, pois nunca teve envolvimento com políticas públicas sobre cultura. Acho que ela não é capaz de desmontar a equipe e os pensamentos neoliberais e de censura sobre a cultura já existentes neste governo. Também creio que ela não considera a cultura como obrigação constitucional do Estado.”
O músico Thiago Delegado destacou que o “desmanche” que o setor cultural vem sofrendo por parte da administração federal independe de a atriz aceitar ou não o cargo. “Não me surpreendi com o convite. Para mim, ela foi convidada não por mérito, não porque pense a cultura como algo para todos, mas por seu posicionamento político. A Regina Duarte se posicionou contra todos os governos de esquerda do Brasil. A mim parece que existe uma diretriz neste governo que coloca a cultura como inimiga.” Para Delegado, o caminho para o setor cultural “é se preparar para três anos, no mínimo, de resistência”.
Bolsonaro avalia recriar pasta
Presidente do Instituto Cultural Flávio Gutierrez e diretora dos museus do Oratório e de Sant'Anna, Ângela Gutierrez preferiu não comentar os fatos, “pois eles falam por si”. “Prefiro mandar uma mensagem ao presidente Jair Bolsonaro e à consagrada atriz Regina Duarte: Nossa cultura é soberana. É o que nos difere, nos legitima e nos fortalece enquanto nação. Não se pode pensar em progresso, desenvolvimento, democracia ou liberdade sem considerarmos a riqueza de nossas verdadeiras raízes culturais. O presidente e a ministra podem, se quiserem, definir novos parâmetros e fazer com que a cultura brasileira seja finalmente respeitada.”
Já o diretor de teatro Pedro Paulo Cava acredita que, caso aceite, a atriz “não vai aguentar um mês num cargo como esse”. “Ela não tem nenhum preparo para assumir, mas como neste governo ninguém tem preparo, vai ficar na média da ignorância de todos.”
Para Cava, a possibilidade da volta do Ministério da Cultura, extinto por Bolsonaro no início de sua gestão, não fará diferença. “Ministério, secretaria, isso não importa mais, pois está claro que este governo não quer ver isso (a cultura) funcionando”, conclui o diretor. (Com agências)
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