Correio Braziliense
postado em 20/01/2020 17:38
O Instituto Nacional de Advocacia (Inad) protocolou junto ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) uma representação pedindo punição disciplinar, inclusive aposentadoria compulsória, ao juiz Jerônimo Azambuja Franco Neto, da 18.ª Vara do Trabalho de São Paulo, que chamou o atual momento do Brasil de "merdocracia neoliberal neofascista" ao proferir sentença na última quinta-feira, 16.
Segundo Rodrigo Salgado Martins e Pierre Lourenço, respectivamente presidente e diretor do Instituto, o magistrado atuou com desvio de finalidade e quebra de decoro "ao incluir na fundamentação de uma sentença seu posicionamento pessoal polÃtico e por utilizar palavras de baixo calão, ofendendo a moralidade da justiça e atuando com prejuÃzo ao erário público".
O caso foi distribuÃdo para a relatoria do conselheiro Humberto Martins, vice presidente do Superior Tribunal de Justiça e corregedor nacional da Justiça.
Na representação os advogados alegam que o juiz não poderia incluir seus posicionamentos polÃticos pessoais dentro da sentença pois o ato configuraria desvio de finalidade do ato jurisdicional e "malversação de verbas públicas".
"Se ele está dedicando um tempo para fazer crÃticas polÃticas dentro dos autos de um processo, é porque ele está deixando de trabalhar e julgar em algum outro caso que por ofÃcio do trabalho deveria decidir", alegam os advogados.
O instituto destaca ainda que não existiam motivos para tratar de qualquer conteúdo polÃtico na sentença de condenação de um restaurante a indenizar R$ 10 mil por danos morais e a demonstrar o pagamento do piso salarial, seguro de vida e de acidentes e assistência funerária aos funcionários.
No inÃcio da peça, os advogados dizem que o magistrado se afastou do julgamento do caso concreto para "fazer discurso polÃtico desprovido de qualquer conexão com a realidade e utilizado palavras de baixo calão para atacar o sistema democrático nacional, deixando claro sua predileção a regimes ditatoriais".
Quanto ao termo "merdocracia", os advogados dizem que o uso por um magistrado de palavra de baixo calão é "inadmissÃvel" na esfera jurÃdica, dentro da perspectiva de que em um processo "somente é permitida a utilização do linguajar polido, respeitoso e técnico".
"É terminantemente proibido a adoção de palavras de cunho ofensivo dentro dos autos, seja em referência a um fato ou a uma pessoa, a lei proÃbe este tipo de adjetivação que se valha de palavras de baixo calão", assinalam os advogados.
O documento também diz que o magistrado "atacou covardemente cinco autoridades públicas", em referência à s crÃticas feitas por Azambuja a ministros do governo Bolsonaro, como Abraham Weintraub (Educação), Sérgio Moro (Justiça e Segurança Pública), Paulo Guedes (Economia) e Damares Alves (Mulher, FamÃlia e Direitos Humanos), além do próprio presidente.
"O ser humano Weintraub no cargo de ministro da Educação escreve 'imprecionante'. O ser humano Moro no cargo de Ministro da Justiça foi chamado de 'juizeco fascista' e abominável pela neta do coronel Alexandrino. O ser humano Guedes no cargo de Ministro da Economia ameaça com AI-5 (perseguição, desaparecimentos, torturas, assassinatos) e disse que 'gostaria de vender tudo'. O ser humano Damares no cargo de Ministro da FamÃlia defende 'abstinência sexual como polÃtica pública'. O ser humano Bolsonaro no cargo de Presidente da República é acusado de 'incitação ao genocÃdio indÃgena' no Tribunal Penal Internacional."
Na avaliação dos advogados do Inad, o juiz atacou o sistema democrático brasileiro, "a partir do momento em que ele insinua, sem provas, que o presidente Bolsonaro foi comprado ou teve a sua eleição comprada".
A indicação faz referência à seguinte frase de Azambuja: "Eles não estão aà de graça. Há bilionários e asseclas por trás de sabujos em golpes de estado promovidos em guerra hÃbrida, como no desvirtuamento da mecânica jurÃdica em um verdadeiro mecanismo neofascista."
Defesa
Em nota, o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região "esclarece que a fundamentação jurÃdica das decisões judiciais incumbe a magistrados designados para julgamento, sendo de sua exclusiva responsabilidade qualquer posição que dela se possa extrair."
A Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho divulgou a seguinte nota:
"Em relação A essa decisão, ou qualquer outra decisão de juiz do Trabalho, independentemente do nÃvel da polêmica que venha causar, a Anamatra não julga os julgamentos dos magistrados. Não é papel da Anamatra. Na verdade, a entidade acompanha com bastante preocupação toda a repercussão dessa decisão, os inúmeros compartilhamentos, e observa com cautela, porque é representativa da polarização que hoje toma conta de toda a sociedade brasileira. O Judiciário não é infenso a esse sentimento de polarização.
A nossa preocupação é em como essa decisão canalizou a polarização que está presente na sociedade brasileira, nos diversos segmentos.
O decréscimo dos direitos sociais, e o modo como vêm sendo tratados como direitos de bagatela, acaba repercutindo, às vezes, no modo como o juiz procura - dentro da sua decisão - mostrar qual é macroestrutura que ele compreendeu e que acredita tenha conexão com o caso concreto que julga.
A Anamatra tem posição muito clara: a de que defenderá o direito do magistrado à ampla defesa e ao contraditório em qualquer procedimento disciplinar."
A reportagem busca contato com o juiz Jerônimo Azambuja Franco Neto. O espaço está aberto para manifestação.
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