Correio Braziliense
postado em 22/01/2020 06:00
A Namoradinha do Brasil aceitou ser Secretária da Cultura com a condição que começasse com um noivado, até que passasse o medo com o tamanho do desafio. Não precisaria ter medo quem há 50 anos frequenta o serpentário onde crepitam as chamas da fogueira de vaidades que é o meio das artes, onde fervem egos. O setor cultural estatal talvez seja ainda mais perigoso, porque junta uma rima, a da vaidade com autoridade. Vai ocupar a cadeira de um exemplar dessa combinação, que ficou sem assento por causa do pronunciamento em que parecia estar no Estádio de Nuremberg, com Goebbels e Wagner. Homem de teatro, incorporou a persona.
Quando se soube do plágio de Goebbels, na sexta-feira pela manhã, pensei que fosse a frase aplicadíssima no Brasil, por mentirosos contumazes: “A mentira repetida mil vezes vira verdade”. Se fosse, não haveria novidade, pois são velhos conhecidos esses mitômanos que primeiro se convencem da própria mentira, para depois mentirem convincentemente. Mas não era essa frase. Foi um parágrafo inteiro de Goebbels, uma enrolação verborrágica que o senhor Alvim exumava. O Presidente, para conseguir almoçar naquela sexta no Clube Naval, primeiro teve que demitir o secretário. Alvim flagrado, disse que não sabia da origem do parágrafo plagiado, o que levou a suposições de conspiração para atingir o presidente com a fala nazista. Mas depois, Alvim afirma que assume tudo, isentando assessores, e culpa uma influência satânica. Difícil entender uma mente assim. Tomara que o jornalismo investigativo abra a caixa-preta desse episódio, para apurar se guarda mera coincidência com o enredo de Especialista em Crise, com Sandra Bullock.
O episódio Goebbels-Alvim serve para chamar a atenção do povo, povão brasileiro, que existe uma fonte de consumo de seus impostos, chamada Secretaria — ou Ministério — da Cultura. Porque o setor não tem servido ao titular da cultura brasileira, que é o povo, mas a alguns selecionados, que adoram fácil dinheiro público, para não correr riscos com seus empreendimentos. Tenho visto gente financiada pelo imposto de todos, que cobra alto por ingressos de seus espetáculos, vistos só por quem tem dinheiro para alcançar a bilheteria. Tenho visto falta de critério, financiando obras que nada dizem ao povo. Vejo grandes centros urbanos centralizando recursos culturais, a despeito de haver um interiorzão forte, rico de cultura, de tradições, distante do estímulo estatal, e perdendo suas raízes, esmagado pela cultura industrial massificada, alheia a seus valores.
Serve para gente lembrar que a cultura é do povo, não tem dono, muito menos grupos de donos. E não está jungida ao Estado, como sugeriram Goebbels e Alvim, mas é solta e livre, porque não aceita imposições. Um povo não pode perder seu passado, ou não terá identidade no futuro. As raízes de um país são como as raízes de uma família — países e famílias precisam honrar e preservar seus nomes. Há uma cultura da humanidade, que perpassa fronteiras; são os grandes nomes da música, da literatura, das artes cênicas e plásticas. E há uma cultura nacional, de nossos formadores étnicos, rica, diversificada, cheia de cores e nuances, que deve ser preservada com o zelo do estado — e diferente do show business, do entretenimento industrial, que é uma atividade de risco, como tantas outras atividades comerciais.
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