Politica

Entrevista LOBÃO

Correio Braziliense
postado em 23/01/2020 04:32


“Regina faz papel da inocente útil”

Regina Duarte está prestes a selar o casamento com o governo, mas nem toda a classe artística acredita que a atriz terá espaço e poder para desenvolver a política cultural. O cantor Lobão é um dos que pensam assim. Em entrevista por telefone ao Correio, ele disse acreditar que o convite à artista é uma “cortina de fumaça cor de rosa” de um governo autoritário, que vai utilizá-la para controlar a agenda de costumes. Caso aceite o comando da Secretaria Especial de Cultura, Regina Duarte substituirá Roberto Alvim, exonerado na semana passada, após a repercussão do vídeo que ele publicou, no qual parafraseava o ideólogo nazista Joseph Goebbels.

Apoiador do presidente Jair Bolsonaro, mas que depois abandonou o barco, Lobão fez duras críticas ao chefe do Executivo e defende o impeachment dele. O cantor enxerga num governo comandado pelo vice Hamilton Mourão uma opção melhor.

Você acredita que Regina Duarte levará lucidez à política cultural?
De forma alguma, infelizmente. Adoro a Regina, mas ela é uma cortina de fumaça cor de rosa. Aconteceu algo muito flagrante. O governo está funcionando na sua agenda de costumes. Vai declarando coisas absurdas, e os liberais na economia ficam aplaudindo as medidas da economia, louvando essas medidas e suportando todo tipo de atrocidade na agenda de costumes. Tudo em função do crescimento econômico. A gente tem que lembrar que o Hitler, quando assumiu na Alemanha, teve um ‘boom’ econômico. Ele criou estradas, fez ferrovias, as pessoas têm que se lembrar disso. (…) O Roberto Alvim, de uma forma ou de outra, carregou na mão. A reação foi negativa demais no Brasil e no mundo. O governo teve de retroagir. Bolsonaro fez uma live no dia anterior com Weintraub (Abraham Weintraub, ministro da Educação) e ele (Alvim). Óbvio que aquela agenda da Secretaria da Cultura é dele, do Olavo de Carvalho e do Bolsonaro. Não tem nada a ver com Roberto Alvim. O Alvim é um executante entusiasmado. A sociedade não admitiu isso, e vão ter de retroceder, pois, nessa, eles ficaram com a pecha de nazistas. A pecha caiu e encardiu o governo, e o que eles vão fazer? Vão botar um pior que o Alvim? Não, pois, agora, vão querer desfazer a pecha edulcorando com a Regina. Ela faz o papel da inocente útil. Eles mantêm a ‘namoradinha’ sob controle para manter a agenda. Querem colocar uma fachada do bem para continuar com o mesmo tipo de agenda. Já há controvérsias e reações da bancada olavista, que quer partir logo de cara. Ela vai ser posta na cova dos leões e terá de lidar com o pior tipo possível de pessoas e com toda uma máquina ajeitada pelo Roberto Alvim. O que ela vai fazer? Não sei, mas que vai ter uma rota de colisão, não tenho a menor dúvida.

Você sugere que Roberto Alvim emulou a narrativa de um governo nazista?
Nazista, não, mas é um governo absolutamente autoritário e que, via de regra, pode vir a ressoar e reverberar como o corolário nazista. Não estou dizendo que o governo é nazista, mas tem nostalgia de ditadura, torturadores. Podemos dizer, sem sombra de dúvidas, que é um governo com características absolutamente fascistas. Deu uma coloração nazista, sim, mas o governo tem uma inclinação fascistóide.

Regina Duarte pode pacificar a relação entre governo e classe artística?
Acho completamente impossível. As pessoas odeiam o Bolsonaro. A única maneira de resolver o caso Bolsonaro é interditando-o. Ele tem que ser impedido, não tem capacidade nenhuma de estar no posto em que está. É o desastre nacional. Exponencialmente, no segundo ano, vai ser pior, e o terceiro e o quarto também, se não for demitido. Não entender isso é muito perigoso e muito tolo.

A atriz Patrícia Pillar está organizando uma reunião de artistas para levar uma agenda a Regina Duarte. Você vai integrar o grupo ou fazer um movimento próprio?
Ouvir o que a Regina tem a dizer, eu ouço na televisão. Não quero saber da minha presença nesse tipo de manifestação. Mesmo porque a coisa é muito mais complexa. Ele (Bolsonaro) sanciona coisas que vão contra a cultura. Direcionar a Lei Rouanet para evangélicos, isentar impostos para importação e exportação para evangélicos, tirar a arrecadação de direitos autorais de hotéis para nós, que foi um baque na nossa arrecadação (a medida provisória impede cobrança de direitos autorais de músicas e outras reproduções artísticas em quartos de hotéis). Isso é agenda do Bolsonaro e do ministro do Turismo. Como esperar que a Regina, como secretária de Cultura, vai ter poder, nessa política, de virar esse jogo? É muito difícil. Acho que a atitude mais clara é dizer a ela: ‘Regina, saia daí, que a gente vai começar a atirar’. Chegar a ir à Regina, tacitamente, estaríamos dizendo que aceitamos o governo. Não, não tem negociação com este governo. Este governo tem que cair, e ponto. Temos de fazer campanha nacional junto à sociedade civil para retirá-lo democraticamente do governo. O mais rápido possível. De preferência, neste semestre ainda.

Sugere um processo de impeachment?
Ele quebra juramentos da Constituição quase todo dia. Basta vontade política para agendar o processo de impeachment. Ele tem de ser impedido, vai jogar o Brasil na sarjeta. Ao retirar o Bolsonaro, tenho quase certeza de que o Mourão vai preservar a agenda econômica do governo e retirar essa agenda horrorosa, que é a de costumes. Ela tem de ser retirada, pois vai acabar afetando as relações internacionais, de comércio, porque o Brasil briga com todo o mundo.

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