Correio Braziliense
postado em 23/01/2020 11:42
O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), disse nesta quinta-feira, 23, ao Estado/Broadcast, que a decisão do ministro Luiz Fux - que suspendeu a implantação do juiz de garantias por tempo indeterminado - gera insegurança jurÃdica e "desgasta barbaramente" a imagem do Supremo, classificando-a como um "descalabro". Marco Aurélio quer que o tema seja analisado pelo plenário da Corte o quanto antes.
Nesta quarta-feira, 22, Fux impôs uma derrota ao Congresso Nacional, ao presidente Jair Bolsonaro e ao presidente do STF, Dias Toffoli, ao suspender, sem prazo definido, a criação do juiz de garantias. A medida prevê dividir entre dois magistrados a análise de processos criminais.
Fux apontou "vÃcios de inconstitucionalidade" na lei, ao derrubar a determinação de Toffoli, que há uma semana havia prorrogado por seis meses a criação da figura e até fixado uma regra de transição para os processos em andamento no PaÃs.
"Isso só leva ao descrédito da instituição, e é muito ruim porque gera insegurança jurÃdica. Onde já se viu vice-presidente, no exercÃcio da presidência (durante o plantão) cassar ato do presidente? Isso é de um descalabro", criticou Marco Aurélio. "Por enquanto, ainda não foi eleito presidente (do STF) o ministro Luiz Fux, nem muito menos tomou posse como tal."
Fux assumiu o comando do plantão do Supremo no último dia 19 de janeiro, com as férias de Toffoli, e vai seguir responsável pelos casos do Tribunal considerados urgentes até a próxima quarta-feira, 29. O STF retoma regularmente suas atividades em fevereiro.
O vice-presidente do STF vai assumir efetivamente o comando do tribunal em setembro, quando se completa o perÃodo de dois anos da presidência de Toffoli. A decisão de Fux repercutiu dentro do Congresso. O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), a classificou como "desnecessária" e "desrespeitosa" com o Parlamento.
Autofagia
Na avaliação de Marco Aurélio, o episódio marca um "cÃrculo vicioso", que provoca "descrédito" na imagem do Supremo. "Desgasta barbaramente, só gera insegurança jurÃdica. Nos ombreamos, não há superioridade hierárquica (entre os ministros) e tudo deve ser feito para preservar a envergadura da cadeira do presidente do STF", afirmou Marco Aurélio.
O ministro classificou a decisão de Fux como "autofagia" e lembrou que casos similares já ocorreram antes. Marco Aurélio destacou que, no final de 2018, concedeu três decisões liminares - derrubando a execução antecipada de pena, suspendendo um decreto da Petrobras e determinando a votação aberta para a presidência do Senado. Todas essas três decisões acabaram derrubadas por Toffoli.
"É uma autofagia, que começou lá atrás, quando Gilmar Mendes cassou decisão que eu implementara do Sean (garoto americano que se tornou centro de disputa judicial entre a famÃlia americana e brasileira), e posteriormente o próprio ministro Dias Toffoli no final de 2018 suspendeu três liminares que eu implementara ante o fato de não ter mais sessão do colegiado (devido ao inÃcio do recesso)", lembrou o ministro.
Procurado pela reportagem, o gabinete de Fux não respondeu à s crÃticas de Marco Aurélio até a publicação deste matéria.
Decisão
Em seu despacho de 43 páginas, Fux apontou a ausência de recursos previstos para a implantação da medida e a falta de estudos sobre o impacto no combate à criminalidade. "Observo que se deixaram lacunas tão consideráveis na legislação, que o próprio Poder Judiciário sequer sabe como as novas medidas deverão ser adequadamente implementadas", criticou o ministro.
"O resultado prático dessas violações constitucionais é lamentável, mas clarividente: transfere-se indevidamente ao Poder Judiciário as tarefas que deveriam ter sido cumpridas na seara legislativa. Em outras palavras, tem-se cenário em que o Poder Legislativo induz indiretamente o Poder Judiciário a preencher lacunas legislativas e a construir soluções para a implementação das medidas trazidas pela lei, tarefas que não são tÃpicas à s funções de um magistrado", escreveu Fux.
Conforme antecipou o jornal O Estado de S. Paulo no mês passado, a maioria do STF aprova a criação do juiz de garantias. Atualmente, o juiz que analisa pedidos da polÃcia e do Ministério Público na investigação é o mesmo que pode condenar ou absolver o réu.
A nova regra, agora suspensa por Fux, prevê que o juiz de garantias deverá conduzir a investigação criminal e tomar medidas necessárias para o andamento do caso, como autorizar busca e apreensão e quebra de sigilo telefônico e bancário, até o momento em que a denúncia é recebida. A partir daÃ, outro magistrado deve acompanhar o caso e dar a sentença.
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