Politica

Afinidades de chefes polêmicos

O presidente Jair Bolsonaro e o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, que se encontram hoje para assinar acordos, têm visões bem pessoais e semelhantes do que é democracia e formas parecidas de governar

Correio Braziliense
postado em 25/01/2020 04:04
O presidente Jair Bolsonaro assiste à apresentação artística diante do cartaz com a imagem dele e do primeiro-ministro Narendra Modi e com a saudação em português


Nova Délhi — O presidente Jair Bolsonaro e o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, se encontram, hoje, para assinar 15 atos, sendo cinco acordos de Estado e 10 memorandos institucionais em várias áreas, conforme informações do Palácio Planalto. Os dois mandatários têm formas parecidas de governar, uma elevada polaridade entre o séquito de apoiadores e a oposição em ambos os casos.

Há quase seis anos no poder, a serem completados em maio, o primeiro-ministro indiano é considerado autoritário. Em reportagem de capa, a revista britânica The Economist o denomina intolerante ao defender a população hindu, que responde por 80% da população do país asiático, e ao atacar os críticos de seu governo. A publicação destaca que Modi e o seu partido, o BJP, “estão criando divisões que colocam em risco a maior democracia do mundo”.

Com 1,3 bilhão de habitantes, a Índia deve ultrapassar a China em menos de uma década, pelas projeções da Organização das Nações Unidas (ONU). A economia também cresce em ritmo acelerado, em patamares acima da média global, mas perdeu fôlego em 2019, devendo crescer 4,8% pelas estimativas do Fundo Monetário Internacional (FMI). O organismo multilateral reduziu de 7% para 5,8% a expectativa de expansão do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano e de 7,6% para 6,5%, em 2021. Essas taxas estão acima das previstas para a China, de 6% e 5,8%, respectivamente.

Enquanto isso, pelas estimativas do FMI, a economia brasileira deve crescer 2,2%, neste ano, e 2,4%, em 2021. Com isso, elevou em 0,2 ponto percentual a previsão de 2020 e reduziu em 0,1 ponto percentual a do próximo ano.
 
 
Perseguição
Modi e Bolsonaro presidem duas democracias e possuem grupos de seguidores fervorosos. No caso do líder indiano, eles chegam a perseguir jornalistas disparando fake news ou coisa pior na dark web, de acordo com amigos de vítimas desse tipo de ataque. Já o presidente brasileiro tem um séquito apelidado de “bolsominions”. Eles chamam de esquerdistas economistas liberais que criticam o fato de o presidente falar ou adotar medidas na contramão do prometido ajuste fiscal, como a concessão de subsídios a igrejas, um dos principais segmentos que apoiaram a candidatura dele, em vez de reduzir mais os gastos públicos.

Bolsonaro e Modi costumam ficar no centro de polêmicas. O premier indiano tem sido alvo de protestos por aprovar uma lei que facilita a obtenção de cidadania para imigrantes não muçulmanos de Paquistão, Bangladesh e Afeganistão. Paralelamente, Bolsonaro e integrantes de seu governo costumam dar declarações controversas que causam desconforto em relação à fragilidade da democracia brasileira. O ministro da Economia, Paulo Guedes, falou em um novo AI-5 em caso de manifestações da oposição, em novembro passado. Depois, teve de se explicar, após o câmbio disparar e o dólar chegar perto de R$ 4,20. A mais recente foi a queda do secretário especial de Cultura, Roberto Alvim, que fez propaganda parecida com a nazista em um vídeo que circulou na internet e chocou o país. Diante do constrangimento e das críticas dentro e fora do Brasil, a exoneração dele foi inevitável, e Bolsonaro começou um “namoro”, que virou “noivado” com a atriz Regina Duarte para assumir a pasta. Segundo o chefe do Executivo, o “casamento” será definido até quinta-feira. Ele chega ao Brasil na terça-feira.

Bolsonaro, sempre que pode, faz críticas à imprensa. Segundo pesquisa da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), ele foi responsável por 58% dos 208 ataques à categoria no ano passado, ou seja, 121. Ao ser questionado sobre a reportagem da revista britânica sobre Modi, apontando-o como autoritário, e sobre as semelhanças com ele, Bolsonaro evitou comparações. “Dizem que eu também sou uma ameaça à democracia. Diziam durante a campanha e dizem agora. A própria Fenaj diz que eu sou a pessoa que mais ataca a mídia do Brasil. Então, desculpa aqui, o que eu quero é que a imprensa, cada vez mais, fale a verdade para evitar a eterna desconfiança que existe quando se tem uma notícia como essa”, afirmou, ao chegar ao hotel em que está hospedado na capital indiana.

Convidado de honra
O chefe do Planalto demonstrou bastante afinidade com Modi ao destacar que, em novembro, durante a cúpula dos Brics (grupo das economias emergentes, integrado pelos dois países e por China, Rússia e África do Sul), em Brasília, foi convidado para a cerimônia do Dia da República, que será celebrado amanhã. O presidente ressaltou o fato de ser o “convidado de honra” do evento e se mostrou bastante impressionado com o tratamento dos indianos, que colocaram cartazes pela cidade com a foto dele e as palavras “bem-vindo” em português.

“O campo está muito aberto para o Brasil. O próprio convite do governo indiano para participarmos do evento demonstra o interesse deles no país”, frisou o presidente, citando o mercado da Índia, com sua população de 1,3 bilhão de habitantes. “A gente vê que o potencial de comércio com eles é muito grande. Eles têm interesse em nós, e nós também temos interesse neles.”

Bolsonaro é o primeiro presidente brasileiro a fazer uma visita de Estado à Índia desde 2004, de acordo a secretaria de comércio exterior indiana. Apesar de a Índia ser o quarto maior parceiro comercial do Brasil na Ásia, o comércio entre os dois países é desfavorável ao lado brasileiro. A balança ficou deficitária em US$ 1,5 bilhão, em 2019, em grande parte devido à queda de 29,3% nas exportações para o país asiático. Conforme dados do Ministério da Economia, o Brasil exportou para a Índia US$ 2,8 bilhões e importou US$ 4,3 bilhões no acumulado do ano passado. Já os indianos investem mais em território brasileiro do que o Brasil na Índia: US$ 6 bilhões contra US$ 1 bilhão, segundo dados do governo da nação asiática.

“Dizem que eu também sou uma ameaça à democracia. (…) A própria Fenaj diz que eu sou a pessoa que mais ataca a mídia do Brasil. Então, desculpa aqui, o que eu quero é que a imprensa, cada vez mais, fale a verdade”
Jair Bolsonaro, presidente da República

     Acordos em áreas diversas
Os cinco acordos de Estado e os 10 memorandos institucionais, que serão assinados no encontro de hoje entre o presidente Jair Bolsonaro e o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, dizem respeito a várias áreas, como agricultura, energia, segurança cibernética, saúde e medicina. Conforme dados da assessoria do Palácio do Planalto, os cinco acordos são de: Cooperação para Facilitação de Investimentos (ACFI), de Previdência Social, sobre Assistência Jurídica Mútua em Matéria Penal, Memorando de Entendimento sobre Cooperação de Bioenergia e de Intercâmbio Cultural para 2020-2024. De acordo com Bolsonaro, o etanol é um dos destaques dos acordos que serão firmados. “O etanol é uma questão importante. Se eles, por exemplo, agregarem mais etanol na gasolina, o preço do açúcar se equilibra no mundo. Isso é interesse nosso e deles também”, afirmou.

Agenda
Além de participar, amanhã, das festividades da independência indiana do Reino Unido, decretada em 1947, Bolsonaro tem compromisso também na segunda-feira. De manhã, será o principal palestrante de um evento para empresários dos dois países. À tarde, visitará o Taj Mahal, um dos principais cartões-postais indiano, em Agra, e, à noite, retorna para o Brasil. A chegada ao país está prevista para terça-feira.


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